quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Ninguém é culpado por traição conjugal recíproca

Quando duas pessoas casadas cometem adultério, não se justifica acusar exclusivamente uma delas, sendo mais sensato manter a separação sem indicação de culpados. E não há dano moral quando a mulher, no lugar de agir nos rigores da fidelidade, segue a mesma trilha do marido em derrapadas morais de traição.
Com esse fundamento o Tribunal de Justiça de São Paulo modificou sentença de primeiro grau que decretara a separação do casal por culpa unicamente do homem e ainda o condenava a pagar indenização à ex-esposa no valor equivalente a 60 salários mínimos (R$ 23,9 mil). A turma julgadora entendeu que, no caso em julgamento, não houve ofensa à honra da mulher já que o ultraje foi recíproco. No entanto, considerou absurda a tese sustentada pelo marido (erro essencial) para pedir a anulação do casamento.
A decisão, por votação unânime, é da 4ª Câmara de Direito Privado. O recurso trata de litígio que discute separação e responsabilidade civil e o caso envolve um médico, diretor de centro cirúrgico de um prestigiado hospital. Os dois se conheceram pela Internet, no site “Par Perfeito”. A mulher se apresentou como formada em arquitetura e sem filhos. O médico, depois do casamento, teria descoberto que as duas informações eram inverídicas e usou esse argumento como causa do fim da união conjugal.
O casamento durou dois anos e acabou na Justiça em meio a acusações mútuas de adultério. O homem recorreu ao Tribunal de Justiça para que julgasse improcedente a ação de separação promovida pela mulher. Ele ainda reclamou a anulação do casamento, sustentando a tese de erro essencial quanto à pessoa (pelo suposto fato de ter se casado com uma mulher que ele acreditava ser arquiteta e sem filhos).
A turma julgadora afastou o dano moral e a culpa exclusiva do médico, mas não anulou a união do casal. No entendimento dos julgadores, a fidelidade somente existe quando ela é mútua e o amor é compartilhado com a mesma intensidade. E, no caso em questão, haveria provas de que os cônjuges, depois do desencanto das fantasiais virtuais, não se mostraram preocupados com os resultados dos desvios morais que chegaram ao limite de traições mútuas dentro da casa onde moravam.
De acordo como os desembargadores, o casamento que obriga cumprir o dever legal da fidelidade é aquele que se alimenta na aliança protegida pela honestidade e pelo comportamento social pautado na ética e pela boa-fé. Os julgadores ressaltaram que embora esses valores sejam hoje depreciados por um contingente expressivo da sociedade, eles continuam em vigor quando se discute na Justiça a culpa unilateral.
Argumentos
A mulher sustenta na ação que a separação se deu quando descobriu que o homem manteve relações sexuais com uma das empregadas da casa. Alegou que o fato provocou enorme humilhação e sofrimento porque o affair com a arrumadeira aconteceu mediante pagamento. Para sustentar a tese, a mulher fez prova gravando, sigilosamente, depoimento da empregada.
O médico alega que o desencanto com o casamento surgiu quando ele descobriu que a mulher com quem se casou pensando ser arquiteta não era formada e tinha três filhos. Disse também a mulher armou um plano diabólico com a empregada com o intuito de obter vantagens na separação.
De acordo com o debate ocorrido no julgamento, o processo continha provas de que a mulher mantinha relações fora do casamento. Essas provas constavam de depoimentos das empregadas. Um deles, o da mãe da arrumadeira, que trabalhou na residência do casal antes da filha. Ela afirma ter flagrado a patroa numa rápida relação sexual com um adestrador de cães, no lavabo, durante uma festa noturna. O médico desconhecia esses casos, mas desconfiava da mulher, por conta de diálogos que descobriu no computador da família entre ela e um outro homem.
A Justiça de primeiro grau desprezou os documentos eletrônicos, apresentados pelo médico, como prova contra a mulher, por entender que era ilícita a forma como o material foi obtido. O Tribunal entendeu de forma contrária, com o argumento de que ao fazer prova sigilosa do adultério do marido, a mulher não poderia se opor a que o médico pesquisasse no computador da casa o teor das mensagens trocadas pela mulher na ínternet.
Para a turma julgadora, o homem não casou porque acreditava que iria conviver com uma arquiteta sem prole, mas porque, confiando em que a internet indicou o destino a seguir, ele sacramentou a aliança com a mulher que preenchia os atributos desejados.
No entendimento dos desembargadores, o médico é homem maduro e não poderia invocar erro por acreditar em currículo de mulheres que se apresentam em site de relacionamentos. Para os julgadores ingenuidade não é palavra que integra o vocabulário dos adeptos desse modo de vida contemporâneo e sequer pode ser apontado como justificativa do fracasso da vida a dois.

Revista Consultor Jurídico, 27 de dezembro de 2009

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