A eliminação (ou abolicionismo) do Direito Penal como meio de controle social tem sido, sobretudo nos últimos tempos, defendida por muitos penalistas, criminólogos e sociólogos, em face principalmente do recrudescimento (aumento) da criminalidade, não obstante a “gordura” desse instrumento de punição e do aumento das suas penas.
A idéia básica dessa corrente, defendida especialmente por Hulsman, Foucault, Maria Lucia Karam, entre outros, consiste no fato de que se o Direito Penal não vem solucionando os conflitos sociais, que é sua finalidade precípua, não justifica mantê-lo, principalmente se se considerar que o sistema penal é, na realidade, o grande responsável pela imposição de dor, sofrimento e desagregação comunitária, sobretudo das suas relações. Ou seja, o custo-benefício não compensa.
Nessa perspectiva, o controle social ficaria a cargo de outros meios que não o Direito Penal.
Por mais que se rejeite essa idéia, ela não deixa de ser palpitante e merecedora de reflexão, pois a violação aos direitos fundamentais básicos que essa forma de controle social traz aos cidadãos é inconteste, não obstante o seu propósito seja o de proteger outros bens da vida essências para o equilíbrio e tranqüilidade social.
A falência do sistema prisional, como um todo, é o que estimula a defesa do abolicionismo do Direito Penal. No caso brasileiro, o problema carcerário é crucial. A população carcerária atual é de aproximadamente 470 mil presos, com um déficit superior a 200 mil. Ou seja, temos mais de 200 mil presos além do número de vagas. Só o Estado de São Paulo tem aproximadamente 159 mil presos, população essa bem superior ao número de vagas oferecidas. Mato Grosso do Sul tem em torno de 13 mil presos, sendo 2 mil aproximadamente em cadeias públicas. O presídio de segurança máxima Harry Amorim, de Dourados-MS, com cerca de 538 vagas, encontra-se com aproximadamente mil e quatrocentos (1400) presos. Mato Grosso do Sul é a unidade da federação com a maior taxa per capita de população carcerária, com cerca de 489 presos para cada 100 mil habitantes. São dados exemplificativos que servem, apenas, para se dimensionar a extensão do problema.
Isso tudo sem considerar os cerca de 200 a 400 mil mandados de prisão a serem cumpridos nesse Brasil afora.
Não bastasse, ainda se defende a diminuição da maioridade penal, para 16, 15, 14 anos. Não interessa o patamar, o que importa é que, se isso acontecer, o caos no sistema prisional vai aumentar vertiginosamente.
É óbvio que esse quadro – e até certo ponto com razão -, além de fomentar, fortalece a tese dos abolicionistas.
Entretanto, não obstante o peso desses dados, a solução – ao menos enquanto não se encontrar alternativa mais adequada – não pode ser pela via da eliminação do Direito Penal como meio de controle social. O Direito Penal, apesar dos seus defeitos e críticas, não deixa de ser um mal necessário de que não se pode abrir mão.
O cuidado está na formatação do Direito Penal e na metodologia utilizada. O primeiro cuidado é se abster de utilizá-lo como “remédio para todos os males”, ou seja, como “salvador da pátria”. O segundo critério é adotá-lo como um meio subsidiário, ou seja, sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle e na medida da necessidade. Isto é, somente em relação aos casos de relevante lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos tutelados. Assim mesmo, dentro dos parâmetros estabelecidos na lei e, sobretudo, na Constituição, entre eles, o princípio da legalidade, da irretroatividade da lei mais severa, da culpabilidade, da proporcionalidade, da ofensividade, da efetividade, da necessidade, do devido processo legal e da ampla defesa.
A verdade é que o controle por meio do Direito Penal tanto pode ser feito recorrendo-se à pena de prisão, como por meio das penas e medidas alternativas. Aquela para os crimes mais graves e estas para as infrações menores. A utilização do Direito Penal e da pena de prisão devem ser medidas de ultima ratio (última opção), já que, se de um lado trazem benefícios à coletividade, de outro, trazem malefícios sociais.
No estágio atual da sociedade, ainda que se pense como abolicionista, deve-se agir como defensor da permanência do Direito Penal, desde que racional, mínimo, como meio de controle social à disposição do Estado.
Para finalizar e, sobretudo, para refletir, é oportuno destacar que se for corrigido o sistema carcerário brasileiro, aplicada e executada adequadamente a legislação em vigor, inclusive o ECA, ao lado de outras políticas públicas, não há porque criar novas leis para se manter a violência em graus toleráveis.
A ação preventiva da polícia ostensiva e de inteligência é, com certeza, outro fator importantíssimo no combate à violência.
Como citar este artigo: ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Abolicionismo do Direito Penal como meio de Controle Social. Disponível em http://www.lfg.com.br - 07 de novembro de 2009.
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