Na atualidade, acadêmicos, policiais e sociedade civil têm assistido a um grande debate sobre a importância de as forças responsáveis pelo uso legítimo da força incorporarem, em suas rotinas, tecnologias outras que não apenas a arma de fogo.
Em parte, esta discussão surgiu no bojo da constatação de que, na América Latina, as mortes de civis por policiais a partir do uso da arma de fogo possuíam números e contornos especialmente dramáticos, tal como destacam Briceño-Leon et al (1999: 118):
Em parte, esta discussão surgiu no bojo da constatação de que, na América Latina, as mortes de civis por policiais a partir do uso da arma de fogo possuíam números e contornos especialmente dramáticos, tal como destacam Briceño-Leon et al (1999: 118):
“Na Venezuela, em 1994, a Corregedoria da República realizou um inquérito sobre 202 policiais acusados de homicídio e uma organização de defesa dos direitos humanos denunciou que em 1995 foram cometidos 126 homicídios por policiais. Em El Salvador, 64,8% das denúncias por atos ilegais ou arbitrários registradas pela Procuradoria de Direitos Humanos apontavam como responsáveis membros da Polícia Nacional Civil. No Rio de Janeiro, em 1995, fez-se uma estimativa provisória de mais de 300 mortos e de 200 feridos vítimas de ações da polícia; nos primeiros sete meses de 1997, estimava-se que o número de mortos ultrapassava a casa dos 200 mortos.”
Várias podem ser as razões das mortes. Entre as mais apontadas pela literatura especializada nesta área cumpre destacar as seguintes: falta de preparo do policial, demandas da sociedade por uma polícia violenta e ainda ausência de tecnologias que permitam o policial utilizar instrumentos outros que não a força letal quando diante de uma situação de crise.
Assim, este texto pretende discutir, ainda que de maneira breve, o conceito de tecnologia não letal, ou menos letal (tal como colocado pelos tratados de direitos humanos sobre o tema) e porque nos últimos anos diversas polícias têm investido neste tipo de equipamento. Este texto se encerra com a proposição de algumas questões que possam orientar o debate do dia 01/09.
Tecnologia não letal ou tecnologia menos letal: como resolver o dilema?
Tecnologia não letal ou tecnologia menos letal: como resolver o dilema?
De acordo com Andrade et al (2009), não-letal é o conceito norteador da produção, utilização e aplicação de toda tecnologia, equipamento, arma e munição não-letais e desenvolvimento de técnicas para emprego policial ou militar, no interesse da segurança pública e para defesa pessoal, cujo objetivo é causar no indivíduo ou grupo de indivíduos uma debilitação ou incapacitação temporárias sem lhes causar sofrimento ou dor desnecessária, sendo que, no caso de objetos, o objetivo é causar a interrupção do seu funcionamento e não a sua destruição.
Contudo, uma parte dos autores discorda de tal definição, argumentando que qualquer tecnologia que possa causar o resultado morte deve ser denominada de menos letal. Esta discussão tomou fôlego especialmente após a constatação de várias situações na qual o despreparo do policial para o uso de determinados equipamentos ou tecnologias, como ainda algumas características físicas e biológicas dos indivíduos resultam na morte de um civil pela polícia. Diante destas constatações, tanto alguns tratados internacionais de direitos humanos como o departamento de Instituto Nacional de Justiça do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (NIJ/DoJ) passaram a adotar a terminologia “tecnologias menos letal”.
Assim, estes documentos denominam como tecnologias menos letais todo aquele conjunto de conhecimentos e princípios utilizados na produção de equipamentos de baixa letalidade ou de menor potencial ofensivo, com o objetivo de alcançar, através do seu emprego adequado, fazer cessar uma ação delituosa praticada por outrem.
Assim, estes documentos denominam como tecnologias menos letais todo aquele conjunto de conhecimentos e princípios utilizados na produção de equipamentos de baixa letalidade ou de menor potencial ofensivo, com o objetivo de alcançar, através do seu emprego adequado, fazer cessar uma ação delituosa praticada por outrem.
Neste sentido, é possível afirmar que as tecnologias menos letais incluem uma série de armas de baixa letalidade ou de menor potencial ofensivo, as quais são projetadas para debilitar ou incapacitar, temporariamente, pessoas que estejam praticando ou na iminência de praticar uma ação definida como crime. O propósito principal que as organizações policiais buscam atingir com esses equipamentos é a redução do número de mortos e feridos; bem como a redução dos danos indesejáveis à propriedade.
Basicamente, as armas não-letais classificam-se em dois grupos: quanto ao tipo de alvo e quanto à tecnologia empregada.
Quanto ao tipo de alvo:
1. Antipessoal: são aquelas empregadas diretamente contra pessoas, com objetivos variados, como, por exemplo, impedir conflitos, agressões ou fugas, no interior de unidades prisionais;
2. Antimaterial: são empregadas contra instalações e veículos com objetivo de paralisar a sua atividade ou funcionamento, entre outros.
2. Antimaterial: são empregadas contra instalações e veículos com objetivo de paralisar a sua atividade ou funcionamento, entre outros.
Quanto ao tipo de tecnologia:
1. Físicas ou de impacto controlado: Operam por meio de impacto cinético, restrição física ou perfuração. Causam limitação de movimentos ou incapacitação através de impacto controlado. O grande exemplo de tecnologia que se enquadra nesta categoria é o Taser.
2. Químicas: operam por meio de reações químicas ou bioquímicas entre o agente químico e a pessoa do agressor (ou objeto), acarretando intoxicação temporária. Têm por objetivo reduzir a eficiência do agressor por forçá-lo ou a utilizar máscaras, ou por obrigá-lo a recuar caso não esteja devidamente protegido. O grande exemplo deste tipo de tecnologia é o spray de pimenta.
Atualmente, diversos manuais de prática policial ou relacionados à preparação dos agentes de segurança pública possuem um capítulo dedicado exclusivamente à discussão deste tema. A preocupação é em oferecer um instrumental técnico e teórico que viabilize a restrição das situações na qual ocorra o uso da arma de fogo. A perspectiva aqui é que as armas menos letais podem ser tanto ou mais efetivas e eficientes do ponto de vista de cessar a ação delituosa do que a arma de fogo propriamente dita. A vantagem neste caso é que, quando o agente de segurança publica encontra-se bem preparado para uso desta arma, há apenas a incapacitação permanente do civil, em detrimento de sua morte.
Atualmente, diversos manuais de prática policial ou relacionados à preparação dos agentes de segurança pública possuem um capítulo dedicado exclusivamente à discussão deste tema. A preocupação é em oferecer um instrumental técnico e teórico que viabilize a restrição das situações na qual ocorra o uso da arma de fogo. A perspectiva aqui é que as armas menos letais podem ser tanto ou mais efetivas e eficientes do ponto de vista de cessar a ação delituosa do que a arma de fogo propriamente dita. A vantagem neste caso é que, quando o agente de segurança publica encontra-se bem preparado para uso desta arma, há apenas a incapacitação permanente do civil, em detrimento de sua morte.
Por fim, cumpre destacar que, dentre as principais normas internacionais atinentes ao Uso da Força, o Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da Lei - CCEAL, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979, pode ser considerado ainda como o principal paradigma legal a ser obedecido pelas organizações policiais latino-americanas. De acordo com Xavier (2009), no âmbito deste tratado o temo “uso da força” pelos encarregados da aplicação da lei deve ser entendido como medida excepcional e, ao tratar da força letal, sua excepcionalidade se torna ainda maior, haja vista que o resultado pode atentar contra o “bem maior” do ser humano: a vida. Este entendimento encontra fundamento no Princípio Básico 09 de tal legislação, que preceitua que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem fazer uso de armas de fogo contra pessoas, exceto em situações excepcionais.
Para facilitar uma melhor compreensão do significado do temo situações excepcionais, cumpre reproduzir o princípio 09 de tal tratado.
“Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave; para impedir a perpetração de crime particularmente grave que envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém que represente tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida.” – Princípio 09 - Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da Lei.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – PIDCP, no Artigo 6º, menciona o dever de proteção da vida: “O direito a vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”. Para o uso de força letal, o policial deve ter a certeza de que este recurso é o último meio defensivo, adequado e proporcional de que dispõe para conter a agressão sofrida e atingir um objetivo legítimo (Xavier, 2009).
A partir das questões apontadas por este ensaio é possível concluir que: o elevado número de civis mortos pela as polícias latino-americanas nos últimos anos tem implicado em uma maior disseminação da importância do uso das tecnologias menos letais por estas organizações policiais; estas tecnologias incluem armas de menor potencial ofensivo que podem ser classificadas de acordo com o tipo de alvo e o tipo de tecnologia empregada e as situações nas quais este tipo de arma e munição pode ser utilizado são aquelas nas quais o uso de armas letais é considerado como indevido ou inadequado tal como estabelecidos pelos tratados de direitos humanos dos quais os países latino-americanos são signatários.
Referências
ANDRADE, Mauro; MATT, Carlos; FURTADO, Rodrigo. Treinamento operacional para o uso da força por profissionais de segurança pública. In: RIBEIRO, Ludmila e outros (org). Curso de Qualificação para a Guarda Municipal - volume I. Rio de Janeiro: Viva Rio: 2009.
BRICEÑO-LEÓN, Roberto; CARNEIRO, Leandro Piquet; CRUZ, José Miguel. O apoio dos cidadãos à ação extrajudicial da polícia no Brasil, em El Salvador e na Venezuela. In: Cidadania, Justiça E Violência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da Lei. Estabelecidos e adotados por consenso em 7 de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes.
XAVIER, Fábio. A importância da formação na mudança de paradigmas no uso da força letal. In: Seminário temático sobre Uso Progressivo da Força: Dilemas e Desafios. Rio de Janeiro: Viva Rio, 1999.
Comunidade Segura.
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