segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Os jovens e os programas governamentais

A partir da década de 1990, Medellín teve a maior taxa de homicídios em sua história: 400 homicídios por 100 mil habitantes (1991). Falava eu com Carlos (nome fictício), que na época não passava dos 10 anos de idade: "Eu vivia e vivo em uma das comunas pobres da cidade. "A resposta do governo local e do governo nacional na época foi a implementação de um programa de choque, que, reconhecendo a ausência do Estado, quis promover ações sociais de atenção e prevenção à violência. O Programa foi chamado de Conselho da Presidência para Medelin e teve uma parte dedicada aos jovens e adolescentes, outra dedicada ao acesso à justiça, algumas infraestruturas sociais e outros. Este programa durou anos e de alguma forma contribuiu para a diminuição da violência, pois as taxas de homicídios caíram pela metade (é claro que nem tudo se atribui a isso, pois também houve processos de DDR 1 e a ativa participação cidadã).

Enquanto tal programa foi sendo implantado na cidade, Carlos crescia e aos 12 anos, entrou na pillería (uma forma de começar a participar de grupos armados envolvendo-se em pequenos furtos, venda e transporte de armas, drogas e outros). "Eu estudei até a terceira série primária. Quando fiz 18 anos fui “em cana” (fui preso) e para a minha idade já se aplicava a cadeia (de adultos). Na cadeia, entrei em contato com muitas pessoas de setores e combos diferentes da cidade, pois é para isso que serve a prisão. Por seis anos, desde os meus 12 anos de idade, eu fiquei envolvido com grupos armados. Claro que para matar o tempo ali eu também praticava esportes e logo me tornei um instrutor e possuía uma ótima forma física. Também conheci um senhor do Bloque Heroes de Granada das AUC 2 ".

Antes de terminar o Programa Presidencial para Medelin, a prefeitura da cidade havia projetado dois programas: Assessoria de Paz e Vida para Todos. Este último procurava aproximar os jovens da polícia e da justiça. Criado em 1994, durou cinco anos. Entre as suas ações e realizações se destaca a aproximação de grupos de jovens dos processos de convivência nos bairros. Mas, como o Programa Presidencial, este foi um programa de choque e contenção que durou pouco tempo. Este período coincide com o surgimento e o controle territorial dos grupos armados, parecido com os do Rio de Janeiro, que anos mais tarde se tornaram as bases do paramilitarismo na cidade. Ou seja, um projeto contrainsurgente e de “guerra-suja” contra as organizações sociais e os direitos humanos.

A Assessoria de Paz também foi criada no ano 1994 e buscava uma aproximação dos grupos e das áreas de violência armada, isto é, grupos que não têm um caráter político como as milícias (diferentemente do Rio, as milícias na Colômbia são grupos que lutam contra o Estado) ou as guerrilhas. Sua estratégia era de se aproximar desses grupos e jovens e buscar alternativas não-repressivas para desmobilizá-los, desarmá-los e reintegrá-los (DDR). A Assessoria teve uma transformação, em 2004, quando passou a ser o Escritório de Paz e Reconciliação. Entre 1999 e 2004 foi implantado e consolidado todo o projeto paramilitar na cidade apoiado nas estruturas das organizações criminosas que existiam. Cada uma controlava seu próprio território e também viviam de sua própria guerra por estes territórios.

"Nestes anos fiquei na prisão, como mencionava. Saí da prisão no ano de 2004 (quando tinha 24 anos) e as Autodefensas Unidas de Colombia (AUC, nome dos grupos paramilitares) já estavam no bairro e na comuna 3.”

Em julho de 2003, o governo nacional finalizou um processo de negociação com as AUC e em novembro de 2003 o primeiro grupo da cidade de Medellín foi desmobilizado, o chamado Bloquo Cacique Nutibara, mas ainda havia outros grupos.

"Disseram-me que eu deveria traficar para eles ou eu então eu teria que ir embora do bairro. Eu os respeitava e, além disso, eles haviam tomado a casa da minha mãe. Ocuparam-na como se fosse deles, para fazerem todas as suas coisas, assim como fizeram com muitas outras casas. Alguns dias depois de sair da prisão encontrei um cunhado e lhe contei a história da casa.

Imediatamente, ele me colocou em contato com um líder paramilitar. No fim, acabou que este era o homem que conheci na prisão e então me devolveu a casa... mas, a condição era eu trabalhar com eles, caso contrário eu deveria sair do bairro. Resolvi, então, ser um colaborador e depois patrulhei as ruas e vigiei."

"Meu chefe foi desmobilizado em 2005, com o grupo Bloque Heróis de Granada, mas eu não, pois eu não estava bandereado (não tinha problemas com a lei), embora muitas pessoas me conhecessem. Claro que isso era um acordo com o grupo paramilitar, a idéia era desmobilizar os mais inúteis do grupo, e não aqueles que tinham alguma experiência."

"Depois disso eu passei a ter outro chefe, mas outro homem do grupo sugeriu que nós o matássemos para que ele passasse a ser o chefe. É claro que este está agora na prisão e hoje outro está no comando, mas não é mais como um grupo paramilitar, e sim como um escritório, como um grupo que se vira".

“Em 2007 me pegaram com uma arma por causa de um problema que tivemos com um grupo de outro bairro, mas logo após isso, eu saí. "

"Então, este ano eu decidi me envolver com um programa da prefeitura por sugestão de um cara que era um valentão que tinha sido desmobilizado com o Bloque Héroes de Granada, apesar de que ele permanecia por conta própria. Esse homem nos chamou para começarmos um programa chamado Jovens em Risco que é do Escritório de Paz e Reconciliação. No início nós colocamos uns moleques primeiro para testar se o programa era de verdade, então, como funcionou, eu decidi me envolver também. E comigo éramos mais ou menos 60. Desde então não cometo mais crimes. Concluí o Ensino Médio e trabalho com o programa, que me dá dinheiro para viver, mas também tenho um negócio. Agora posso dedicar tempo à minha família, minha esposa e meu filho e gostaria de poder continuar sendo professor de esportes.”

O Programa para a Paz e Reconciliação, criado em 2004, teve como primeiro desafio atender a todos os desmobilizados dos grupos paramilitares e outros grupos. É reconhecido o êxito da intenção de ter um foco mais integral (educação e escolaridade, trabalho psicossocial, trabalho com a comunidade, e remuneração). Entre 15 e 20% dos atendidos voltaram para os grupos armados. Muitos outros foram bem-sucedidos, como Carlos, em reconstruir suas vidas e aproveitar a oportunidade. Outros jovens, que não se envolveram com grupos armados questionam a prioridade dada a políticas para jovens envolvidos em violência armada. E este talvez seja a maior polêmica do tema. Não se trata de fazer políticas sociais para jovens em risco ou inseridos em grupos armados; esse não deve ser o centro, e sim o fato de que a maioria dos jovens e adolescentes podem agora desfrutar de seus direitos.

Embora este programa ultrapasse em extensão, investimento e tempo os outros programas, muitos analistas ressaltam que ainda se trata de um programa de choque e de repressão. De fato, em 2009 a taxa de homicídios em Medelin atingirá 100 por 100 mil habitantes, enquanto nos últimos anos havia sido 37 por 100 mil habitantes.

Enquanto isso, Carlos continua a sua vida. "Agora durmo mais tranquilo. Não tenho medo de retaliações porque há pessoas de outros grupos no programa, então as barreiras foram quebradas. No programa eu recebo atendimento psicossocial, além disso, realizo um serviço comunitário na área de limpeza do bairro. Conosco há pessoas a partir dos 18 anos e também algumas mulheres."

A retomada da violência na cidade de Medelin fez com que a prefeitura de agisse e uma das medidas foi a revisão do programa Jovens em Risco que agora se chama Força Jovem. 

1 Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR)
2 Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), nome dos grupos paramilitares colombianos
3 favelas

Artigo exclusivo para a publicação bimestral "Exit", ano 1, número 1. Clique aqui para ser um assinante.



Por Ivan Dario Ramirez Adarve, Coordenador do Projeto "Infânica, conflito armado e violência armada organizada" da Corporação Paz e Democracia.

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