No ano passado o Supremo Tribunal Federal concedeu 27 habeas corpus por inconstitucionalidade da prisão civil para depositário infiel. Já este ano, segundo dados atualizados até 31 de outubro de 2009, foram concedidos 36 habeas corpus, sendo que um terço deles sob a relatoria do ministro Cezar Peluso.
Ao analisar um desses processos, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, levou em consideração o Pacto de San José para julgar o pedido de habeas corpus de um acusado de depósito infiel (HC 97251). O relator concedeu a liminar e suspendeu a ordem de prisão preventiva do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) contra o acusado.
Na avaliação do ministro, os acordos e tratados internacionais que versem sobre direitos humanos têm um status acima das leis ordinárias, porém abaixo dos dispositivos contidos na própria Constituição Federal, salvo se ratificados em votação semelhante às das propostas de emendas constitucionais.
Entre esses tratados estão o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José). Os dois tratados foram ratificados pelo Brasil em 1992 e não admitem mais a prisão civil do depositário infiel.
Por isso, segundo o ministro, mesmo com esse tipo de prisão estando previsto no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição brasileira, “não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”, afirmou Gilmar Mendes.
Prisão preventiva
O Supremo também já recebeu pedidos de habeas corpus em que a defesa busca no Pacto de San José argumentos para a revogação da prisão preventiva em casos que diferem do infiel depositário. Um exemplo é o pedido de habeas corpus de uma pessoa presa em flagrante por tráfico ilícito de drogas e de armas (HC 91389), analisado pelo ministro Celso de Mello.
Mas nem sempre a alusão ao tratado é eficaz. Ao relatar o caso, o ministro lembrou que nem mesmo a Convenção Americana de Direitos Humanos “assegura, de modo irrestrito, o direito ao réu de sempre responder em liberdade”.
Segundo o ministro, a jurisprudência do Supremo tem advertido sobre a necessidade de que a decretação da prisão preventiva seja substancialmente fundamentada, demonstrando ser imprescindível a restrição da liberdade, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Nesse caso, o pedido de liminar foi indeferido.
Prova contra si
Também com base no Pacto de San José e na Constituição Federal, os ministros da Segunda Turma do Supremo concederam Habeas Corpus (HC 83096) em favor de um acusado que não queria ser submetido a teste de perícia de voz. Ele foi denunciado pela prática de associação para o tráfico de entorpecentes, após escuta telefônica efetuada pela Polícia Federal.
A defesa alegou ofensa ao artigo 8º, inciso II, alínea “g”, do Pacto San José, segundo o qual ninguém será obrigado a depor, fazer prova contra si mesmo ou se autoincriminar. Ao julgar o caso a Turma acompanhou o voto da relatora da matéria, ministra Ellen Gracie, para assegurar ao paciente o exercício do direito ao silêncio.
Fraude à Previdência
Em 2003, Jorgina de Freitas Fernandes, condenada por fraudes contra a Previdência Social, recorreu ao STF (RHC 79785), para pedir a aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos e o reexame da decisão que a condenou. Naquela ocasião, o relator do caso, ministro Sepúlveda Pertence, lembrou que não houve violação do direito de Jorgina de Freitas recorrer de decisão judicial, previsto tanto na Constituição brasileira quanto no Pacto de San José.
"A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro do Pacto de San Jose, na qual, efetivamente, o artigo 8º, inciso II, letra "h", consagrou, como garantia, ao mesmo na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de toda pessoa acusada de delito, durante o processo, de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior ", afirmou. Segundo o ministro, em nenhum momento ela teve seu direito de recorrer violado.
Jorgina de Freitas viveu na Costa Rica, onde ficou foragida da Justiça brasileira até ser presa naquele país e ter seu pedido de extradição autorizado. Ela foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Inconformada com a decisão recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), invocando a aplicação da Constituição Federal e do Pacto de San Jose. Porém, o STJ negou-lhe o pedido, porque Jorgina teria submetido ao Tribunal um "recurso inominado" não previsto na legislação brasileira. No STF os argumentos da defesa de também não prosperaram.
AR/ LFSTF.
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