Mudanças na lei aprovadas neste mês tornam mais severas as penas nos casos de crimes sexuais
Um projeto de lei que aumenta a punição para crimes sexuais acaba de ser aprovado pelo Senado. De iniciativa da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a pedofilia, a proposição altera o Código Penal e prevê penas maiores para os crimes de estupro, exploração sexual e tráfico de pessoas para fins de prostituição. A matéria tramitava há cinco anos no Congresso Nacional e segue agora para sanção presidencial. Uma das principais alterações é a identificação do cliente como um criminoso nos casos de exploração envolvendo crianças e adolescentes.
O Código Penal, criado em 1940, previa os crimes sexuais como um delito contra os costumes. Para especialistas, esta denominação era carregada de moralismo e não mostrava tais situações como violações de direitos humanos. Agora o título que aborda estes assuntos traz a expressão crimes contra a dignidade sexual.
Em relação às punições, a pena para o estupro é aumentada caso haja lesão corporal ou morte. Houve também a criação de um novo tipo penal, o estupro de vulnerável, que ocorre quando a vítima é menor de 14 anos ou tem deficiência mental. Nesses casos, o Ministério Público propõe uma ação penal pública, não sendo necessário que a família o faça, por exemplo. O período de reclusão também é aumentado pela metade se houver participação de quem tem o dever de cuidar da vítima. Se houver morte, a pena chega a 30 anos.
Para especialistas, o maior avanço da nova legislação é a atenção aos crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes. No caso da exploração sexual, o Artigo 218-B afirma que é crime submeter ou atrair menores de 18 anos para esta prática e pune tanto o proprietário do local quanto o cliente. A reclusão pode variar de quatro a dez anos. Recentemente, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça inocentou dois homens que pagaram para fazer sexo com adolescentes porque elas já seriam “prostitutas reconhecidas”. Se a nova legislação estivesse em vigor, não haveria possibilidade de os tribunais inocentarem o cliente.
O advogado Renato Roseno, ex-conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), afirma que a legislação brasileira precisava se atualizar. “O projeto faz parte desse movimento, mas ele sozinho não dá conta disso. É preciso superar este marco legal ultrapassado e moralista para um baseado nos direitos humanos”. Ele acredita que somente o aumento de pena não modificará a situação de violação de direitos da infância. “É preciso que os adultos assumam sua responsabilidade sobre as crianças e que haja uma mudança cultural. Nós ainda vivemos em uma sociedade em que a mulher é vista como um produto de consumo.”
A coordenadora da Associação Nacional dos Conselhos de Direito (Anced), Fernanda Lavarello, diz que a discussão dos conselheiros é que há um avanço pela preocupação com os crimes cometidos contra crianças, mas também há um retrocesso. “O recrudescimento da lei não diminui a violência. Precisa-se trabalhar com a prevenção para que isso não ocorra. As políticas públicas é que precisam ser mais bem olhadas.”
O que os especialistas acreditam é que, se por um lado é positiva a atualização da legislação, como por exemplo, no caso do reconhecimento do cliente da exploração sexual infantil como um criminoso, por outro é preciso melhorar a rede de proteção para evitar o crime e também qualificar o atendimento às vítimas.
O presidente da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância (ABMP), Eduardo Rezende Melo, argumenta que ainda há algumas lacunas, como no caso da atuação do Ministério Público nas situações do estupro de vulnerável. Para ele, se o Judiciário e a polícia não se adequarem, podem causar um processo chamado de revitimização. “Por um lado tem que proteger a criança, mas o próprio processo pode ser pior. Tem que se respeitar o tempo da vítima e sua capacidade de resiliência”.
Vítimas têm a violência como exemplo de vida, diz pesquisadora
A pesquisadora Marlene Vaz se refere às crianças e adolescentes exploradas sexualmente como “suas meninas”. Para elas, estar na exploração é ter uma vida negada. Ela estuda o assunto há quase 40 anos e é autora da pesquisa “Meninas da Bahia”, que traçou pela primeira vez no Brasil um perfil das jovens exploradas. Marlene afirma que invariavelmente elas são meninas pobres ou miseráveis. Passam fome, vêm de famílias desestruturas e têm a violência como único exemplo de vida. “Elas muitas vezes não conseguem sonhar com nada porque este é o caminho que tiveram, sem escolhas.”
Para a pesquisadora, a exploração não tem classe social e nem desigualdade regional, acontece em todo o Brasil. Ela argumenta que já se traçou o perfil das meninas e dos agenciadores, mas em função desta pluralidade, não se conseguiu traçar o perfil dos clientes. “Isso dificulta o trabalho de combate. Não se sabe o rosto do explorador porque ele está em todas as classes. É preciso investimento nesta área”.
Conscientização
Além de aumentar a pena, é preciso trabalhar com a conscientização. Para a pesquisadora, a nova legislação não terá muito efeito se todos não se conscientizarem que isso é um crime. “As pessoas veem isso ocorrendo e não fazem nada, é preciso ação. Estas meninas estão à margem de tudo. Não sabem ler, escrever, não têm uma profissão. Quando são rejeitadas pelo “mercado” por terem crescido, têm um final muito triste. Precisamos fazer algo já”.
Fonte: Paola Carriel - Gazeta do Povo
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