Em decisão recente fora apresentado um projeto de lei segundo o qual poderá ser instituído o repasse obrigatório de 4/5 do valor recebido a título de “gorjeta” para os garçons e, apenas 1/5 ficará com o estabelecimento.
De tal sorte que, os restaurantes considerados de maior quilate promoveram uma união estratégica que enseja, até, a contratação de uma empresa de lobby para garantir que o projeto não avance.
A alegação dos proprietários é que o dinheiro em questão é destinado para o pagamento das taxas de cartão de crédito e demais despesas como reposição de copos quebrados, pratos, etc.
Ora, algo não ecoa bem nos ouvidos do consumidor...
Na cultura do brasileiro a gorjeta se tornou quase que um procedimento obrigatório quase que automático e, quando o consumidor se recusa a ofertar a gratificação é encarado com repulsa, como se instantaneamente fosse colocado no rol das pessoas não gratas.
Entretanto, com a notícia de que os garçons não se apropriam de um erário que deveria ser rateado exclusivamente entre a classe, se pergunta: qual a função da gorjeta?
Se o entendimento for como receita complementar, então, se trata de uma propaganda enganosa, afinal, o consumidor não tem o conhecimento de que seu dinheiro irá para o dono do estabelecimento.
Caso exista essa explicação, isto é, a gorjeta passa a ser receita complementar, logo, o consumidor deve ter o livre-arbítrio sobre a concessão ou não, deixando de ser uma atividade compulsória.
Contudo, se os procedimentos continuarem ocultos o entendimento será a caracterização de uma apropriação indevida do dinheiro por parte do estabelecimento, pois, as pessoas que pagam a conta e deixam uma gratificação, o fazem em reconhecimento ao bom atendimento realizado pelo garçom, como um “agrado” por sua presteza e atenção.
Quando o dinheiro vai parar em outras mãos que não as do funcionário há um desvio indevido da finalidade, portanto, apropriação indevida.
A reflexão, então, não é se os donos de restaurantes devem impedir a aprovação do projeto, mas sim, qual a verdadeira função presente da gorjeta, porque se for para inteirar a receita do estabelecimento este consumidor será o primeiro a cessar com tal gratificação, pois de grata nada mais o será.
Antonio Gonçalves é advogado, pós-graduado em Direito Tributário (FGV), Direito Penal Empresarial (FGV) e Direito Penal - Teoria dos Delitos (Universidade de Salamanca - Espanha). Mestre em Filosofia do Direito e Doutorando pela PUC-SP. É especialista em Direito Penal Empresarial Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal); em Criminologia Internacional: ênfase em Novas armas contra o terrorismo pelo Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Siracusa (Itália); e em Direito Ambiental Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional. Fundador da banca Antonio Gonçalves Advogados Associados, é autor, co-autor e coordenador de diversas obras, entre elas, "Quando os avanços parecem retrocessos -Um estudo comparativo do Código Civil de 2002 e do Código Penal com os grandes Códigos da História" (Manole, 2007) e "A História do Direito São Paulo" (Academia Brasileira de História, Cultura, Genealogia e Heráldica, 2008).
Fonte: Portal Nacional.
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