Está difícil ficar a sós com a notícia do assassinato da adolescente de 14 anos, planejado por um casal de 13 e 17 anos, em Ivoti, e noticiado em 8 de janeiro neste jornal. É preciso comentar, pensar, associar, enfim, fazer com que esse acontecimento produza, ao menos, algum efeito reflexivo para a sociedade. Pergunto: quais condições de nosso laço social tem permitido uma modalidade de ódio como esta, especialmente entre sujeitos tão jovens?
Sabemos que a criminalidade juvenil não é nenhuma novidade; afora os números crescentes das instituições governamentais que abrigam os jovens em conflito com a lei, lembramos o texto do francês Jean Genet, que, em 1956, escreveu A Criança Criminosa, no qual narrou com intensidade as nuances de sua infância marcada pela abjeção e de sua juventude pautada por atos de transgressão.
Entretanto, o que inquieta no acontecimento de Ivoti é que, além da onipotência juvenil, descrita como típica nos manuais de psicopatologia, não costumávamos ver conflitos comuns transformarem-se em fatos trágicos na frequência e crueldade com que temos visto. Como foi possível que o ódio, produto da pane narcísica presente em situações conflitantes, especialmente nessa fase da vida, tenha rumado a um destino tão trágico para essas duas meninas?
A figura da rival, não raro presente no imaginário feminino, passou rapidamente do plano simbólico – no qual serve para ajudar meninas e mulheres a enriquecerem a cara construção sobre “o que é uma mulher” – para uma dimensão real demais. Na sequência das reportagens, a adolescente de 13 anos que encomendou o crime diz jamais ter imaginado que o pedido de que a rival morresse pudesse ser atendido. Ou seja, a fantasia acabou adquirindo vida nas cores da morte.
Devemos, sim, como profissionais, pais, cidadãos e, acima de tudo, como representantes do mundo adulto deste tempo, perguntarmo-nos sobre o que esses jovens enunciam quando planejam a partir de motivações tão banais a execução desse assassinato. Por que será que o outro, em sua dimensão de diferença, torna-se tão difícil de ser metabolizado em nossos dias? Como alcançar a esses meninos e meninas que iniciam suas vidas experiências relacionais que sejam potentes para produzir efeitos de alteridade nos laços?
Ora, por mais que Freud tenha postulado a dimensão inevitável do mal-estar na cultura e afirmado o ódio e a pulsão de morte como habitantes de um espaço vital no psiquismo, ele não deixou de assinalar que a origem do social está dada no encontro com a diferença; ou seja, só se tecem laços à medida que se pode tolerar a frustração de não encontrar no outro exatamente o que se espera. Dando sequência a esta cara herança da psicanálise, talvez nos caiba reatualizar a pergunta sobre como se configura na atualidade o já referido mal-estar na cultura.
Os episódios de violência gratuita dos jovens deste tempo mostram uma relativa incapacidade de lidar com o outro e revelam que há uma ausência de dispositivos sociais passíveis de ajudar na elaboração do encontro com a falta, a diferença e o conflito. Na ausência desses recursos, em vez de fazer cultura e laço, os jovens acabam, muitas vezes, protagonizando transgressões e crimes como modalidade de relação com o ódio que os habita. Ao que perguntamos, que outros destinos poderíamos oferecer ao ódio e às frustrações (narcísicas) que não a violência e a crueldade?
Rose Gurski, Psicanalista, psicóloga do PPV – Programa de Prevenção à Violência.
Zero Hora.
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