domingo, 27 de abril de 2008

Entrevista - Arthur Lavigne, advogado criminalista

O valor do recurso.

Instâncias inferiores são meros tribunais de passagem.

Tem muita gente que diz que o excesso de recursos é o grande mal que atravanca a Justiça. Mas tem muito processo que só é corrigido quando, em último recurso, chega ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. Nesses casos, recurso não é problema, mas a única solução. “Em matéria criminal, são os recursos que podem viabilizar uma análise mais técnica e profunda da questão. Na verdade eu acho que tem é recurso de menos.”

A constatação é de um dos mais renomados criminalistas do país. Com 40 anos de atuação na advocacia criminal, Arthur Lavigne diz que nunca defendeu tantos inocentes quanto agora. “A rede foi jogada e eles vieram misturados com os outros”, afirma, em referência às mirabolantes operações policiais que incluem várias pessoas nas investigações.

O advogado reconhece a importância, sob o ponto de vista institucional, das investigações da Polícia e atuação do Ministério Público. Mas não poupa críticas ao exagero das prisões e à falta de rigor no cumprimento das leis.

Lavigne já atuou em casos de grande repercussão. Em sua sala, ele guarda, entre outros objetos, um estojo. Dentro dele, há uma sapatilha de balé, rosa, da atriz Daniela Perez e uma carta da mãe dela, a autora de novelas Glória Perez. Lavigne foi advogado de acusação no processo contra Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, condenados pelo assassinato da atriz.

O criminalista acredita que a imprensa atrapalha em casos de muita repercussão. E dá a dica: advogado criminalista tem de ser discreto. Além disso, o advogado precisa ser ético. Ele se orgulha de nunca ter sido procurado para intervir junto ao irmão, desembargador na área cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o que demonstra a honestidade dos dois.

Lavigne começou na advocacia criminal no escritório Técio Lins e Silva, em plena fase do regime militar. “A Justiça militar me deu muita vivência e coragem”, conta. Também participou do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. “Foi a escola mais bonita que tive”, lembra o advogado, que atuou na direção da OAB ao lado de juristas consagrados. Lavigne conta que ficava fascinado com os debates que ocorriam na época.

Lavigne foi ainda responsável por um feito notável. Em 1994, conseguiu que o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, veiculasse o direito de resposta para o então governador Leonel Brizola. “As pessoas com quem eu conversava — e o próprio Brizola — acreditavam que isso ia ficar em recurso a vida inteira”, comenta. A execução da pena valeu tanto quanto a vitória judicial: por três longos minutos, Cid Moreira, então o principal locutor da Globo, emprestou sua voz grave e solene para Brizola imprecar contra sua poderosa adversária ( Cliqu aqui para ver a cena).

Leia a entrevista de Arthur Lavigne ao Consultor Jurídico:

ConJur — Como está a advocacia criminal hoje?

Arthur Lavigne —A Justiça criminal muda de acordo com as etapas que o país vive. Na época da repressão, em que organizações políticas eram colocadas na clandestinidade pela legislação, os crimes eram relativos à Lei de Segurança Nacional. Atuei muito no Superior Tribunal Militar, em Brasília. Ao fim dessa fase, os escritórios passaram a ter uma clientela muito grande em questões de tóxico. Foi quando a maconha entrou na classe média. Na época, a legislação era severíssima.

ConJur — E qual foi a etapa seguinte?

Arthur Lavigne —Paulatinamente, começamos a ingressar em um período de crimes econômicos. Eram questões como não recolher a taxa previdenciária do empregado. Hoje, é esporádico, porque os empresários foram se adaptando. Havia também muita falsificação de certidões de quitação com a Previdência Social ou a Receita Federal. Isso também desapareceu. Com a Lei 7.492, chamada de Lei do Colarinho Branco – que está em plena ribalta com as batidas policiais e com uma legislação que permitiu o monitoramento telefônico – a Polícia começou a se organizar para a repressão desse crime econômico. Neste momento, a questão é de lavagem de dinheiro. E aí há muitas críticas a se fazer.

ConJur — Quais?

Arthur Lavigne —O problema é que as operações não são feitas seguindo, rigorosamente, a lei. Isso se deve à deseducação institucional. Há um exagero na forma como as prisões são feitas. Sempre com uma divulgação muito grande e com vários acusados, o que faz com que o processo não ande. Também há um desrespeito ao advogado e à Constituição. Não se pode combater o crime praticando o crime. Nunca tive, no escritório, tantos inocentes como tenho agora. E são inocentes porque não têm nada a ver com aquilo, e não por haver uma dúvida sobre a interpretação de uma lei. A rede foi jogada e eles vieram misturados com os outros.

ConJur — O problema é a incompetência?

Arthur Lavigne —Incompetência e açodamento. Os juízes não fiscalizam, como deveriam, as medidas de quebra de sigilo e monitoramento telefônico. O exercício fiscalizador é uma homenagem à dignidade do juiz. Em uma sociedade organizada, o juiz é muito respeitado. Só por ser juiz? Não.

ConJur — Por que?

Arthur Lavigne —Porque é imparcial no julgamento. A imparcialidade é a pedra de toque da Justiça. Se não há juízes absolutamente imparciais, não há Justiça; se não há Justiça, a sociedade se desorganiza ainda mais. Também é uma fase da advocacia criminal que tentamos corrigir nos tribunais superiores.

ConJur — Casos de grande repercussão costumam gerar o impulso de querer leis penais mais rigorosas. Como o senhor vê a atuação do legislador quanto a essa questão?

Arthur Lavigne — Em primeiro lugar, há um oportunismo do Legislativo, que quer representar um anseio popular. Acho que esse anseio nem está comprovado. O que nós temos é uma manifestação da mídia, comprometida com a questão da segurança somente sob o ponto de vista punitivo, não ressocializador. E, de modo geral, os parlamentares são despreparados para contestar determinadas leis propostas pela Comissão de Justiça. A lei é aprovada direto. O parlamento está na contramão de tudo o que se discute nos congressos do mundo inteiro. Quando quer dar um caráter de severidade a determinada lei, o legislador coloca a competência na Justiça Federal, contrariando até mesmo a Constituição.

ConJur — A Justiça Federal é mais séria?

Arthur Lavigne — Não. Há um acúmulo de processos e de competência na Justiça Federal. Certos tipos penais só estão lá para abarrotar os tribunais. Hoje, qualquer criminalista militante diz que as cortes regionais são tribunais de mera passagem. As questões mais delicadas vão ser decididas nos tribunais superiores. Há um grande número de decisões corrigidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. Ao mesmo tempo, prega-se a diminuição de recursos.

ConJur — Os recursos são importantes?

Arthur Lavigne — São justamente os recursos que podem dar às decisões criminais uma observação mais técnica e aprofundada.

ConJur — Então não há recursos demais?

Arthur Lavigne — Eu acho que há recursos de menos. Nos tribunais regionais, existe o juízo de admissibilidade. Quando se recorre de uma decisão de segunda instância, o recurso pode não ser aceito pelo próprio tribunal. Se for meramente protelatório, não tem seguimento. Há meios de filtrar. Se não filtram, é porque os recursos têm fundamento. Pelo menos em tese, há uma ofensa à lei federal ou à Constituição.

ConJur — Se os tribunais regionais são de mera passagem, o que está errado? É a formação do juiz que deve ser mais complexa?

Arthur Lavigne — O problema é a falta de amadurecimento na Justiça Federal, principalmente dos juízes de primeira instância. De modo geral, são juízes preparadíssimos tecnicamente, mas não têm a vivência que um juiz precisa ter. O brilhantismo na interpretação da lei não é o requisito mais importante. No Supremo Tribunal Federal, há 11 ministros, mais ou menos da mesma faixa etária e procedência de classe social. São todos preparados. No entanto, raramente há unanimidade em questões polêmicas.

ConJur — Por que?

Arthur Lavigne — Porque cada juiz, por mais preparado que seja, julga de acordo com a postura que tem perante a vida. Uns mais tolerantes, outros menos. Uma pesquisa nos Estados Unidos fez uma comparação entre os juízes adeptos dos partidos republicano e democrata. As conclusões são interessantíssimas. O juiz republicano geralmente usa beca, o democrata, terno. O juiz republicano absolve mais em matéria criminal do que o juiz democrata. O juiz republicano se preocupa mais com as garantias individuais, enquanto o democrata é mais preocupado com a questão social.

ConJur — Qual está mais apto para julgar processos criminais?

Arthur Lavigne — Sob esse ponto de vista, o republicano é muito melhor. O democrata está mais preocupado com a repercussão social do julgamento, mas no processo criminal as garantias individuais são fundamentais. É um resultado inesperado, porque se imagina que o democrata é mais liberal. Não é. Hoje, na Justiça Federal, o juiz é muito preparado e absolutamente indignado com o volume de prática criminosa. Esse juiz não é parcial. E, nos tribunais, não há juízes ou desembargadores que tenham condições de se contrapor tecnicamente aos de primeira instância. Para discordar, é preciso competência. Não é discordar por discordar.

ConJur — Fazendo uma analogia com a pesquisa nos Estados Unidos, podemos dizer que os juízes de primeira instância e desembargadores dos tribunais são mais para democratas e os ministros das cortes superiores, republicanos?

Arthur Lavigne —É exatamente isso. Os juízes de primeira instância são mais acolhidos, dentro dessa pesquisa, com o perfil de partido democrata. E o Supremo Tribunal, com a preocupação dos direitos individuais, casa mais com a figura dos republicanos.

ConJur — Mas isso cria um problema. Fica a idéia de que o juiz ou a polícia prende e os ministros soltam.

Arthur Lavigne —Mas os ministros não se intimidam, porque estão protegidos por uma cultura jurídica muito grande. Na Itália, Mussolini quis modificar o Código Penal para transformá-lo em uma lei fascista. Não conseguiu, porque os juristas não admitiram. Não tenho a menor dúvida de que, no Supremo, os ministros são altamente preparados.

ConJur — E quanto à situação dos presídios?

Arthur Lavigne —As delegacias não têm condições de atender as ocorrências e os presídios estão abarrotados. O Estado não consegue julgar todos os processos que se acumulam nas serventias. Ao invés de dilatar ou acabar com a prescrição, é necessário diminuir o prazo prescricional para que o juiz faça uma seleção conforme a gravidade do caso. A Justiça, não só do Brasil, é sempre demorada.

ConJur — Os juízes costumam dizer que, na fase processual de recebimento da denúncia, bastam meros indícios. Essa fase deveria ser mais apurada?

Arthur Lavigne — Sem dúvida. Na década de 40, 50, a doutrina dizia que meros indícios eram suficientes para abrir um processo criminal. Isso mudou radicalmente. Não há jurista nenhum defendendo que o mero indício justifica o processo criminal. Pelo contrário. É justamente no recebimento da denúncia que o juiz pode fazer com que o processo não exista. A questão é jurídica. Não poder haver envolvimento emocional. Para o recebimento da denúncia, é preciso ter justa causa comprovada.

ConJur — Se não houver, tem de ser arquivada?

Arthur Lavigne — Sim. Nos Estados Unidos, tudo é decidido pelo grande Júri. Ainda assim, há uma possibilidade de um debate sobre o recebimento ou não da denúncia. Aqui, um juiz não fundamenta. Ele recebe a denúncia e marca o interrogatório. E há até quem defenda que, a partir deste momento, é que o advogado pode atuar.

ConJur — O advogado pode atuar na fase de inquérito?

Arthur Lavigne — Antes, o juiz nomeava, após o interrogatório, o defensor público para o réu que não tinha advogado. Era quando se iniciava a defesa. Os presídios estão abarrotados de processos que deveriam ser nulos por falta dos cumprimentos de formalidade no que diz respeito aos pobres defendidos pelos defensores públicos. A advocacia criminal de pessoas que têm recursos para contratar um escritório é um capítulo à parte. Não quer dizer que os advogados particulares sejam melhores ou mais preparados do que os da defensoria. Mas o sistema leva, irremediavelmente, ao resultado de condenações que não estão protegidas pelo dispositivo constitucional da ampla defesa.

ConJur — O senhor poderia dar um exemplo?

Arthur Lavigne — Em São Paulo, os réus, defendidos em primeira instância por procuradores do Estado, não tinham defensores na fase recursal. As apelações eram julgadas com a tribuna da defesa vazia. É evidente que tal processo deveria ser nulo. O Supremo entende que para haver nulidade tem que provar o prejuízo. Mas, pela ótica da Constituição de 1988, este entendimento já deveria ter mudado, pois o prejuízo é inquestionável. Atualmente, São Paulo está organizando sua Defensoria Pública, mas isto não muda o quadro, pois as sessões de julgamentos não comportam a sustentação de sequer um terço dos processos julgados.

ConJur — É preciso defesa em todas as etapas.

Arthur Lavigne — É. O juiz não pode ter o olhar de julgador, acusador e defensor ao mesmo tempo. Se não houver debate, o juiz não terá o que escolher. Quando leio o processo de um cliente, observo as passagens que vão favorecê-lo. Se aparecer depois outro cliente, do mesmo processo, terei de ler de novo, porque não li pensando nas circunstâncias deste cliente. Mas se o defensor público quiser sustentar nos julgamentos – como devia ser obrigatório – o Tribunal pára, pois não tem condições de julgar tudo. Evidentemente que tudo isso provoca uma diferença de tratamento. Essa Justiça se reflete nas classes menos favorecidas. Com relação à Justiça dos pobres, a tendência é piorar.

ConJur — O recebimento aleatório de denúncias e as prisões preventivas levam ao abarrotamento das cadeias?

Arthur Lavigne — Não. Não é a prisão preventiva que faz chegar a esse ponto. Estão abarrotadas, porque ainda temos o pensamento medieval de achar que a prisão é ressocializadora. A tendência no mundo inteiro é desenvolver cada vez mais a pena alternativa. Quando bem aplicada, é muito eficaz. Nosso Estatuto da Criança e do Adolescente é um dos mais adiantados do mundo. Mas não se vê nenhum movimento para cumprir aquilo que a lei prega.

ConJur — Falta cumprir a lei?

Arthur Lavigne — Sim. Essa lei da menoridade tem um dispositivo que estabelece que o menor vai cumprir pena em estabelecimento diferente do maior. No código de 1940, tinha a pena de reclusão para os crimes menos graves, e de detenção para os mais graves. Lá também dizia que o cumprimento dessas penas seria em estabelecimentos separados. Isso não aconteceu.

ConJur — Há quem defenda a diminuição da idade penal. O que o senhor acha disso?

Arthur Lavigne — Eu faço um desafio aos defensores da diminuição de menoridade. Construam primeiro os prédios e depois coloquem a lei em vigor. Ela não entrará em vigor nunca. O que vai acontecer é que os menores servirão de passe sexual dos maiores. Se já colocam até meninas para cumprir pena com homem, o que não vão fazer com os meninos? É um movimento da Idade Média. Acho que se houver a diminuição da idade penal, o Supremo vai considerar a lei inconstitucional.

ConJur — E para que serve a cadeia?

Arthur Lavigne — A cadeia serve para conter os elementos que não podem ficar soltos. Ninguém prega o fim da cadeia. O que se prega é outras formas de punição para pessoas que não demonstram periculosidade. A cadeia foi criada para que os presos ficassem até receber o castigo definitivo, açoitamento ou enforcamento. De repente, a privação da liberdade se transformou em forma de punição. Da maneira como as cadeias no Brasil existem, as penas das ordenações, por mais bárbaras que fossem, talvez seriam mais condizentes do que mandar uma pessoa cumprir pena em uma cadeia, com desrespeito absoluto da dignidade.

ConJur — A prisão também teria uma função de ressocialização?

Arthur Lavigne — Não, isso já está ultrapassado. Não se ressocializa ninguém com a privação da liberdade. É uma balela. Não quer dizer que quem cumpre pena, sai um criminoso ainda mais perigoso. Aqueles que não saem mais perigosos — que é a maioria – nunca deveriam ter ido para a cadeia, porque eles não colocaram a sociedade em risco.

ConJur — O senhor já foi secretário de Justiça do Rio. Qual a solução para a criminalidade na cidade?

Arthur Lavigne — O pano de fundo é a desigualdade social. Com essa desigualdade social, a educação, a saúde, a segurança, a Justiça, nada funciona. O sistema fiscalizador, de modo geral, não funciona. Existe um quadro [Capitão-do-mato, de Debret], do Brasil colônia, que apresenta a figura do capitão do mato montado em um cavalo. É um negro armado que traz outro negro, fugitivo ou criminoso, com a corda em torno do pescoço. Esse capitão do mato, também escravo, apanhava o negro e o entregava ao senhor. Hoje, o “capitão do mato” não entrega mais ao senhor. Ou ele se associa ao criminoso ou repete o sistema de exploração.

ConJur — Há problema com o policiamento.

Arthur Lavigne — Como secretário de Justiça e, muitas vezes, no comando da Secretaria de Segurança, percebia isso. A questão não era deste ou daquele policial. Era generalizada. Havia uma dificuldade para colocar em execução o que era decidido pelas cúpulas. A base não cumpria. A questão da criminalidade passa por todas as questões.

ConJur — Como fazer prevalecer o sigilo do processo?

Arthur Lavigne — É difícil. O advogado não pode fazer nada, porque abre sigilo quem tem na mão o segredo. Geralmente, é a polícia ou o Ministério Público que tem acesso e vaza a informação.

ConJur — Em casos criminais, a imprensa ajuda ou atrapalha?

Arthur Lavigne —Atrapalha muito. Quanto mais bárbaro for o crime, mais impacto causa. E a imprensa sobrevive disso. Sem as manchetes, seria muito tedioso ler um jornal. Há toda uma tecnologia para atrair a atenção das pessoas. Crime sempre gera muita repercussão. O advogado criminal tem que ter uma certa sensatez. Às vezes, vejo colegas se colocando do lado de pessoas acusadas de crimes violentos e fazendo defesas através do jornal. Pode até ser que tenha razão, mas o advogado não pode sair abraçado com um cliente acusado de crime bárbaro, e que, pelo menos perante a opinião pública, está mais ou menos provado que é o culpado. Isso desmoraliza a figura do advogado. Quanto menos aparecer na imprensa, mais eficaz será.

ConJur — É possível usar a imprensa em casos de grande repercussão?

Arthur Lavigne —Quando há um crime, o primeiro impulso é procurar quem quebrou o sossego social. A polícia tem imediatamente um suspeito. Ao dizer que tem um suspeito, ela está tranqüilizando a sociedade. Muita gente foi condenada porque, de repente, foi nomeada como suspeito. Nos Estados Unidos, com a descoberta da técnica do exame de DNA, muitos presos saíram do corredor da morte. Quase todos eram fruto daquele primeiro momento, em que a polícia elege um suspeito. Não tem como neutralizar a repercussão de um crime, porque é da natureza humana se colocar ao lado da vítima.

ConJur — O senhor acha que dá para aplicar o Código Penal para a imprensa?

Arthur Lavigne —Acho que o Código Penal pode ser aplicado, pois apresenta soluções para os crimes de injúria, calúnia e difamação. Evidentemente que o repórter está protegido, pela Constituição, de manter sua fonte. Mas ele também tem uma responsabilidade social, não pode sair escrevendo o que quer, sem um mínimo de fundamento. Havia alguns aspectos bons na Lei de Imprensa, como o direito de resposta.

ConJur — O senhor conseguiu o direito de resposta para o ex-governador Leonel Brizola contra a Rede Globo. Como foi isso?

Arthur Lavigne —Foi uma luta de dois anos. A questão tinha surgido, porque o Brizola teria dito que ia conversar com o prefeito para que o jornal O Globo não filmasse as escolas de samba. Era algo de pouca importância. Mas o jornal reagiu violentamente com um editorial que chamava o governador de louco e descontrolado. Na véspera, o Jornal Nacional leu trechos mais contundentes do editorial. A lei diz que o direito de resposta não tem efeito suspensivo.

ConJur — O que isso significa?

Arthur Lavigne —Significa que, se o juiz de primeira instância determinar a resposta, o jornal terá de veicular imediatamente. Não adianta uma resposta fora do contexto. A do Brizola, mesmo fora do contexto, adiantou. Não pelo fato em si, mas pelas pessoas que ficaram em uma posição difícil como, por exemplo, o repórter da Globo, ao ler uma carta fortíssima do Brizola. O juiz de primeira instância determinou que o Jornal Nacional lesse a resposta do Brizola, mas a Globo recorreu. Acho que foi um momento muito bonito da democracia brasileira os tribunais determinarem a resposta no momento em que se via a Globo como a senhora toda poderosa.

ConJur — Na maioria dos casos, o advogado criminalista fica do lado da defesa. No caso do assassinato da atriz Daniela Perez, o senhor atuou na acusação. Como foi isso?

Arthur Lavigne —A advocacia criminal é uma atividade clínica. O advogado ajuda a pessoa que necessita com ferramentas que a lei lhe dá, com seu preparo e competência. A imprensa nunca foi justa com o caso da Daniela Perez. O Guilherme de Pádua foi preso por uma casualidade. Alguém anotou a placa do carro parado num lugar deserto. Quando foi preso, a versão que deu na delegacia era de que tinha perdido o controle. Ele tentou dizer que não houve premeditação. A polícia encerrou as investigações.

ConJur — A história era diferente?

Arthur Lavigne —A Glória [Perez, mãe da atriz Daniela, e autora de novela] e eu começamos a achar que os fatos não se deram da forma como foram contados. Mas a imprensa não queria saber, os jornais queriam a história como estava. Foi graças a um trabalho que a Glória e eu fizemos, de convencer as pessoas a prestarem depoimento, que a gente conseguiu chegar a dois frentistas que assistiram quando Daniela foi agredida, jogada dentro do carro e levada para o lugar onde foi morta a facadas. A imprensa achava – não sei porque – que essa história desmanchava a outra.

ConJur — Não deram credibilidade ao caso?

Arthur Lavigne —Na ocasião do julgamento, eu senti que, de certa forma, a imprensa torcia contra a condenação da Paula Thomaz [na época, esposa do ator, que também foi condenada pelo assassinato da atriz Daniela Perez]. Não foi um julgamento comum, ganhamos o júri da Paula de quatro a três. E o que tinha de provas contra ela... Quando os frentistas vieram prestar depoimento, eram ouvidos pela imprensa como se estivessem mentindo.

ConJur — O senhor é advogado de muita gente famosa. É mais fácil lidar com os clientes famosos?

Arthur Lavigne —Não tenho nenhuma experiência ruim. Acho que é porque fico dentro do meu papel. Sou advogado da Glória Perez, Edir Macedo, Pelé. Sempre lidei muito bem com isso, nunca fui despedido ou trocado por nenhum deles. Mas eu acho que o advogado tem de ter bom senso ao lidar com a opinião pública. Exige muito mais de você, tem que ser mais cuidadoso. Não vou me promover, porque essas passagens são sempre muito dolorosas. A mágoa fica para o resto da vida. Essa é uma crítica muito severa que eu faço às operações policiais, que realmente arruínam, psicologicamente, muitas pessoas.

ConJur — A algema é necessária?

Arthur Lavigne — É absolutamente desnecessária. A algema é necessária para conter o preso caso ele coloque em risco a integridade dos policiais ou resista à prisão. É o que a lei diz. Sair algemado é uma estampa que a pessoa nunca mais esquece. Nem ela, nem os familiares, nem o porteiro, ninguém.

ConJur — Existe um certo confronto entre juízes e advogados que atuam na área criminal?

Arthur Lavigne — Não. O que há é uma distância muito grande. Quanto mais despreparado o juiz, mais grosseiro é e terá pavor de advogado. Ao mesmo tempo, há advogados despreparados, tremendamente subalternos ao juiz.

ConJur — E a relação do advogado com o Ministério Público?

Arthur Lavigne — É a mesma coisa. Há promotores admiráveis e há os acusadores. Acho o Ministério Público no Brasil muito acusador. Como nos Estados Unidos tudo é feito através do Júri, lá existe o instituto do acordo. Imagine se uma simples questão de aluguel de um apartamento de quarto e sala for parar no Júri. Lá o Ministério Público negocia com o advogado a solução do caso até chegar a um acordo. Aqui, há um certo distanciamento do promotor, que, às vezes, não age como fiscal da lei. Acusa por acusar.

ConJur — E qual é a maior dificuldade para o advogado criminalista?

Arthur Lavigne —Ter um grande número de clientes inocentes no escritório nos deixa em uma situação de estresse permanente. Por outro lado, os tribunais estão atolados. É muito estressante. Existe, também, uma proliferação de escritórios com pessoas que não tiveram uma escola de advocacia criminal. Para formar um advogado criminal, é preciso ter mais de 10 anos em um escritório de advocacia na área. Acho que a advocacia criminal está descaracterizada. O advogado tem que ter credibilidade, não pode estar envolvido em situações duvidosas ou em defesas insensatas, querer dizer o absurdo. Tem que ser uma pessoa respeitada. Os juízes, às vezes, julgam pela figura do advogado.


Revista Consultor Jurídico, 27 de abril de 2008

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog