sábado, 19 de abril de 2008

Artigo - Fraude nos concursos públicos, por Marinês Restelatto Dotti*

Não bastassem as notícias envolvendo fraudes nos procedimentos licitatórios para aquisição de bens, execução de obras, prestação de serviços, recentemente, fraudes envolvendo contratações diretas e subcontratações irregulares, agora surgem na berlinda, a causar a repulsa do cidadão, escândalos de fraude nos processos seletivos para o preenchimento de cargos e empregos públicos, por meio do concurso.

Ao eleger o concurso público como meio exclusivo para acessá-los, a Constituição Federal pretendeu acabar de vez com a prática do clientelismo na administração pública, ou seja, o ingresso segundo o critério do apadrinhamento e não o do mérito. A prática que contorna a exigência do concurso público veio sob o disfarce da chamada terceirização do serviço público, que consiste em contratar a terceiros (entidades empresariais) o fornecimento de mão-de-obra para a execução de tarefas que, de outro modo, deveriam ser desempenhadas por servidores públicos. Mas este artigo não se propõe a esse tema.

Os efeitos da burla nos processos seletivos para cargos e empregos públicos repercutem diretamente na esfera da dignidade, tanto daqueles que assistem de fora ao processo seletivo quanto, e principalmente, daqueles que buscam o caminho presumidamente lícito para ingresso no serviço público.

Aos primeiros, a indignação repousa na lesão ao direito subjetivo de ver assegurada a lisura dos concursos públicos, a moralidade e a probidade administrativa; aos segundos, que investem tempo, dinheiro e outros esforços indiretos para lograrem êxito no concurso, o dano é de maior monta, pois, ao mesmo tempo em que a fraude fere o princípio constitucional da igualdade, que deve ser assegurado a todos aqueles que afluírem ao processo seletivo, atinge frontalmente a dignidade, qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e também da comunidade.

Destarte, encontram-se em tramitação no Congresso Nacional alguns projetos de lei visando criar uma "novatio legis incriminadora", que pretende tornar crime a fraude em concursos públicos, vestibulares e exames de qualificação profissional. A medida, ao que se espera, teria um forte poder de intimidação contra aqueles que buscam fraudar os processos seletivos para ingressarem em carreiras públicas ou mesmo em certas universidades.

O ingresso na administração pública de forma viciada também acalenta outra discussão: a qualidade do serviço público prestado, porquanto o exercício da função pública por quem não atingiu um mínimo de requisitos técnicos exigíveis repercute, diretamente, no nível de satisfação (eficiência) que se pretende da administração pública.

*Advogada da União


Zero Hora, 19/04/2008.

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