Ao seguir a nova tese do Supremo Tribunal Federal sobre prisão depois de condenação em segundo grau, o Superior Tribunal de Justiça considerou nesta quinta-feira (3/3) que a medida é possível mesmo quando o réu tem prerrogativa de foro e foi julgado diretamente por órgão colegiado, sem duplo grau de jurisdição. “Aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus”, concluiu a 6ª Turma em placar apertado (três votos a dois) ao determinar a expedição de mandado de prisão contra o ex-deputado distrital e ex-vice-governador Benedito Domingos.
Membro da Câmara Legislativa do Distrito Federal até 2014, Benedito Domingos foi condenado a 5 anos e 8 meses de prisão por fraudes em licitações e a 4 anos por corrupção passiva, penas que deverá cumprir inicialmente em regime semiaberto. Uma das acusações é a de que ele teria usado seu prestígio político para fazer com que a empresa de um filho ganhasse várias licitações no DF.
Os ministros determinaram que Vara de Execuções Criminais do Distrito Federal providencie o início da execução provisória das penas. É a primeira vez que o STJ segue a nova tese do Supremo Tribunal Federal, que, em 17 de fevereiro, passou a admitir a prisão já a partir da condenação em segunda instância, independentemente da pendência de recursos nos tribunais superiores.
A defesa pretendia abrir caminho para levar o caso ao STF, apontando suposta violação do direito ao duplo grau de jurisdição, já que o ex-deputado foi julgado no Tribunal de Justiça do DF sem que tivesse a chance de rediscutir as provas em outra instância.
Para o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, o direito ao duplo grau existe justamente para que a pessoa possa ter seu caso revisto por um colegiado de juízes em tese mais experientes. Por isso, segundo ele, não faz sentido estender essa garantia a quem já é julgado diretamente em tribunal, em razão do foro por prerrogativa de função reservado a certas autoridades. “Assim, como diz um velho brocardo jurídico, ‘aquele que usufrui do bônus, deve arcar com o ônus’”, declarou o relator.
O ministro afirmou que a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com “praticamente todos os tratados e convenções internacionais que versam direitos humanos”.
A guinada da jurisprudência do STF, de acordo com Schietti, teve como forte motivação a possibilidade de interposição de sucessivos recursos contra decisões prolatadas no curso de uma ação penal, tornando excessivamente morosa a definição da causa. Segundo ele, o Brasil tem “o assustador número de 20 meios de pedir a revisão de um ato jurisdicional”, considerando ações e incidentes previstos na legislação processual penal.
“Alguns desses meios impugnativos (como é o caso do Habeas Corpus, da apelação no tribunal do júri e dos embargos de declaração) podem ser manejados por diversas vezes, em um mesmo processo, pelo mesmo réu, sempre ao argumento de que se trata de legítimo exercício da ampla defesa, ainda que, eventualmente, se perceba o propósito de procrastinar o resultado final do processo”, reclamou o relator.
Ele disse ainda que o STF afastou a aplicação literal do artigo 283 do Código de Processo Penal, que exige o trânsito em julgado da sentença condenatória para o início do cumprimento da pena. Na avaliação do ministro, a razão de ser desse artigo é o próprio princípio da não culpabilidade (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal), cuja interpretação acaba de ser modificada pelo STF. “As normas infraconstitucionais é que devem se harmonizar com a Constituição, e não o contrário.”
No voto, declarou ainda que a demora na tramitação do processo, relativo a fatos ocorridos há quase dez anos, já havia beneficiado o réu com a prescrição relativa ao crime de formação de quadrilha. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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REsp 1.484.415
Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2016.
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