A Justiça não deve aplicar sanção penal que possa vir a piorar ainda mais a relação entre acusado e réu que têm relação de convivência. Com este argumento, as desembargadoras integrantes da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reduziram a pena aplicada a um homem condenado por estuprar a própria mulher, com quem vive, em regime de união estável, há quase 30 anos.
Denunciado pelo Ministério Público estadual como incurso às penas do artigo 213 do Código Penal (crime estupro), ele foi condenado, no primeiro grau, a nove anos e nove meses de prisão, em regime fechado. Agora, pelo voto médio do colegiado, ele cumprirá sua condenação com prestação de serviços comunitários, sem se afastar do lar.
Inicialmente, a relatora da Apelação-Crime, desembargadora Lizete Andreis Sebben, manteve os termos da sentença, por entender que a vítima foi obrigada a manter relação sexual com o réu. ‘‘Como se sabe, tratando-se de crime sexual que, por sua própria natureza, é praticado fora das vistas de testemunhas, a palavra da vítima é de vital importância para a determinação da materialidade e da autoria do delito’’, justificou em seu voto.
A revisora do julgamento, desembargadora Cristina Pereira Gonzales, pediu a absolvição, por ausência de provas de que o réu tenha praticado o crime. Ela concordou que este tipo de crime geralmente é cometido na clandestinidade e não deixa vestígios, amparando sua comprovação na palavra da vítima. No entanto, ponderou que poderia haver algum tipo de prova somada ao relato. ‘‘Observo que além não ter se submetido a exame de corpo de delito para comprovar as agressões (puxões de cabelo, constrição de seus braços etc), a vítima tampouco se submeteu ao exame de conjunção carnal, de molde a comprovar a materialidade delitiva. Além disso, a narrativa da ofendida foi se alterando ao longo do tempo, pois em juízo não mais disse ter sido puxada pelos cabelos’’, escreveu no voto divergente.
A desembargadora Genacéia da Silva Alberto, presidente do colegiado, autora do voto-condutor do acórdão, disse que a relação matrimonial não dá ao marido o direito de exigir o cumprimento de dever conjugal de manutenção de relação sexual se a cônjuge assim não o quiser. Apesar de concordar com a condenação do réu, entendeu que os termos deveriam ser diferentes daqueles aplicados na sentença. Ela também levou em conta que o casal ainda vivem em união estável e cuida de uma neta menor de idade.
Assim, levando em conta o princípio da razoabilidade, a desembargadora aplicou a pena de tentativa de estupro, cominada em três anos, um mês e 15 dias de reclusão, a ser cumprida em regime aberto. ‘‘Também pela peculiaridade do caso em julgamento, entendo pedagógico ao réu, com base no art. 44 do Código Penal, substituir a pena restritiva de liberdade por prestação de serviço à comunidade, em local a ser designado pelo juízo pelo prazo da pena e dez dias multa, fixada a multa no mínimo legal, observada a situação econômica do réu’’, encerrou. O acórdão foi lavrado na sessão de 27 de janeiro.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2016.
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