sexta-feira, 11 de março de 2016

Críticas de Lula à "lava jato" motivam pedido de prisão feito pelo MP-SP

Ao pedir a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, membros do Ministério Público de São Paulo afirmam que a medida é necessária porque ele demonstra “ira contra as instituições do sistema de Justiça”, inflamando a população e reclamando de medidas judiciais. Dizem ainda que a prisão do ex-presidente é fundamental para a "garantia da ordem pública" e pedem que o Judiciário, caso determine a preventiva, deixe que eles cumpram o mandado, "tudo a fim de obter a melhor forma de operacionalização das medidas".
Os promotores Cássio Conserino, Fernando Henrique Araújo e José Carlos Blat apontam como um problema vídeo divulgado na internet no qual, depois de ser levado para depor na operação "lava jato", Lula (sem saber que estava sendo filmado) parece dizer "eles que enfiem no cu todo esse processo".
Entrevista coletiva que Lula deu depois de ser conduzido para depor na PF é apontada como conduta inaceitável.
Reprodução
Os membros do MP-SP também criticam manifestações e opiniões de Lula, divulgadas pela imprensa após a entrevista coletiva que ele deu depois de ser conduzido coercitivamente para depor na Polícia Federal. Em um dos trechos destacados na peça, o ex-presidente disse que “era só ter comunicado que nós iríamos lá [prestar depoimento].  Lamentavelmente, eles preferiram utilizar a prepotência, a arrogância, um show e um espetáculo de pirotecnia”.
A opinião é a mesma de juristas ouvidos pela ConJur no dia em que o ex-presidente foi levado pela PF. Os promotores, porém, entendem que Lula “revelou conduta que fragiliza o sistema de Justiça e põe em xeque o Estado Democrático de Direito”. 
Para o MP-SP, Lula não poderia nem sequer, na condição de ex-presidente, "se sentir incomodado" com os atos da "lava jato". Ao expor em sua entrevista coletiva "evidente intenção de ataque", diz a peça, "sua ira contra as instituições do sistema de Justiça leva todo e qualquer cidadão a se sentir no mesmo e ‘igual’ direito de fazê-lo". 
O documento diz ainda que a Constituição não dá aos cidadãos o direito de se expressar "de forma agressiva e desairosa". "Afinal, se a mensagem for interpretada de forma simplista, é válido dizer que o texto constitucional garante a igualdade entre todos, inclusive no direito de se expressar de forma agressiva e desairosa como o fez o ex-presidente da República contra as instituições do sistema de Justiça, a saber, Ministério Público e Poder Judiciário."
O fundamento do MP, além de inadequado, é completamente agressivo à Constituição, diz o professor de Direito Constitucional e advogado Pedro Estevam Serrano. “Decisão judicial se cumpre, mas é passível de crítica, sim, como qualquer comando estatal no sistema democrático.” Segundo ele, impedir a crítica suprime a liberdade de livre pensamento e rompe com os princípios da sociedade democrática. “Eu mesmo diversas vezes critiquei ordens judiciais, tanto na mídia quanto em trabalhos acadêmicos. Vou ser preso?”, questiona.
Filósofos
Para o advogado Lenio Streck, professor de Processo Penal e ex-procurador de Justiça, "o pedido é temerário". "Parece que a legalidade cedeu lugar à apreciação moral no Brasil. O artigo 312, ao que consta, não foi revogado", afirma. "Estamos perigosamente corrigindo o Direito pela moral. Estamos esticando a corda ao máximo. Parcela dos juristas brasileiros está auxiliando para o esgarçamento do Estado Democrático. Princípios constitucionais deram lugar a valores contingentes."

Lenio também comenta as citações filosóficas dos promotores. Eles dizem que as condutas de Lula "certamente deixariam Marx e Hegel [em vez de Engels, o notório coautor das teses marxistas] envergonhados". "Se os promotores não conhecem história, poderiam consultar o 'dr. Google' para não confundir Engels com Hegel. Podem ser processados por 'crime epistêmico'", diz o advogado.
Os membros do MP ainda se reportam a Assim Falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche, para falar que ninguém está acima da lei. "Poderiam citar Ulisses. Na sua volta à Itaca, ele pede para que o amarrem ao mastro. Porque ele sabe que não resistirá ao canto das sereias. As sereias são a maioria. E a Constituição, representada pelas correntes, é o o remédio contra maiorias. Um detalhe: interessante notar que também é possível usar Nietzsche de outro modo. Afinal, não esqueçamos que ele ataca os sacerdotes, chamando-os de envenenadores. O Direito protege a sociedade do caos. Se o caos vencer, não há mais nada. No caos, não há direito. Salvemos a Constituição", resume o professor.
O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirma que o MP-SP busca "amordaçar um líder político, impedir a manifestação do
seu pensamento e até mesmo o exercício de seus direitos". Nota divulgadapela defesa do ex-presidente reafirma que ele tem o direito, como qualquer cidadão, "de se insurgir contra ilegalidades e arbitrariedades". 

Martins afirma ainda que os promotores não dispõem de um fato concreto para justificar as imputações criminais feitas a Lula e aos seus familiares. Segundo a nota, o MP-SP baseou a acusação de ocultação
de patrimônio "em declarações opinativas que, à toda evidência, não podem superar o título de propriedade que é dotado de fé pública".

Força político-partidária
Os promotores reclamam que Lula deseja “ser convidado” para ser ouvido e “escolher” quem poderá investigá-lo, por questionar competência dos MPs Federal e estadual.

Declararam ainda que ele “se vale de sua força político-partidária para movimentar grupos de pessoas que promovem tumultos e confusões generalizadas, com agressões a outras pessoas, com evidente cunho de tentar blindá-lo do alvo de investigações e de eventuais processos criminais”. Prova disso seriam manifestações de apoiadores do petista quando foi marcado depoimento no Fórum Criminal da Barra Funda.
No requerimento enviado pelo MP-SP para a Justiça, há inclusive críticas ao fato de o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) ter conseguido uma liminar do Conselho Nacional do Ministério Público determinando a suspensão da investigação criminal contra Lula. O problema, segundo o documento, é que o ex-presidente não foi autor do pedido. “Sempre tentou ele se valer de terceiras e interpostas pessoas para evitar que tivesse de comparecer na investigação criminal”, afirma o MP-SP.
Mulher e filhos
Os promotores descartam a prisão de Marisa Letícia e Fábio Luís Lula da Silva, também denunciados. "Considerando que sua esposa e filhos não praticaram quaisquer condutas reveladoras de desafio ao Estado Democrático de Direito e à lei (tal qual o ex-presidente da República), não se vê qualquer necessidade de equivalente tratamento excepcional."

O pedido de prisão também vale para outros cinco denunciados, como o presidente da empreiteira OAS, José Adelmário Filho, e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que comandou a Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop). Ambos já foram presos durante a operação "lava jato".
Segundo a denúncia, Lula praticou lavagem de dinheiro ao ocultar a posse de um apartamento de luxo em Guarujá (litoral paulista) e cometeu falsidade ideológica ao “alterar a verdade” em seu Imposto de Renda, declarando a propriedade de outro apartamento que não lhe pertencia.
Além do triplex, o MP-SP aponta crimes relacionados a outros cinco empreendimentos em São Paulo, porque a transferência de unidades da Bancoop para a OAS prejudicou pessoas que esperavam a casa própria. Quando a empreiteira assumiu as obras, houve cooperados que foram cobrados por valores não previstos inicialmente. A empresa também repartiu empreendimentos, diminuindo o tamanho da área firmado em contrato, de acordo com a acusação.
Promotor parcial
Em nota, o Instituto Lula afirma que "o promotor paulista que antecipou sua decisão de denunciar Luiz Inácio Lula da Silva antes mesmo de ouvir o ex-presidente dá mais uma prova de sua parcialidade ao pedir a prisão preventiva de Lula".

A entidade afirma que Cássio Conserino não é o promotor natural do caso e possui documentos que provam que o ex-presidente Lula não é proprietário nem de triplex em Guarujá nem de sítio em Atibaia. "Mesmo assim, solicita medida cautelar contra o ex-presidente em mais uma triste tentativa de usar seu cargo para fins políticos." 
Clique aqui para ler a denúncia e o pedido de prisão
Clique aqui para ler a nota da defesa de Lula.
Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2016.

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