Um ano após sancionada a Lei do Feminicídio (Lei n. 13.104/2015), as atenções se voltam para o interior do país, onde são registrados elevados índices de homicídios de mulheres e um número insuficiente de unidades judiciárias especializadas. Segundo o Relatório Justiça em Números de 2015, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das 91 varas exclusivas de violência doméstica, a maioria se concentra nas capitais – o que faz que a realidade nas cidades de médio porte seja assustadora.
A pesquisa Mapa da Violência 2015, uma compilação de dados oficiais divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), ONU Mulheres e Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, revelou que as taxas de feminicídio nas cidades de até 100 mil habitantes são as mais altas. Barcelos, município do interior do Amazonas, é um dos exemplos mais contundentes. Com apenas 20 mil habitantes, está em primeiro lugar no ranking de feminicídio do país. Em dois anos, foram registrados 25 casos de homicídios femininos naquela localidade.
A constatação da geografia da violência aponta para um de seus maiores desafios: a interiorização de seu combate. “Precisamos desenvolver uma política de atenção à vida das mulheres brasileiras, principalmente as do interior, que estão isoladas do amparo do Judiciário e do Executivo”, afirmou a conselheira Daldice Maria Santana de Almeida, coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do CNJ.
A mudança na penalização dos assassinatos femininos para homicídio qualificado determinou penalidades mais duras e inafiançáveis aos casos que envolverem violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher.
A Lei n. 13.104/2015, que entrou em vigor em 10 de março, incluiu o assassinato de mulheres na lista de crimes hediondos (Lei n. 8.072/1990), assim como ocorre com estupro, genocídio e latrocínio, cujas penas previstas pelo Código Penal são de 12 a 30 anos de reclusão. No Brasil, o crime de homicídio prevê pena de seis a 20 anos de reclusão, mas quando for caracterizado feminicídio, a punição parte de 12 anos de reclusão.
Números – No Rio de Janeiro, dos 16 homens presos condenados pela Lei do Feminicídio, apenas um tem origem na capital. Dos crimes, quinze ocorreram em municípios do interior, como Rio das Ostras, Seropédica e Nova Iguaçu. O dado reforça a constatação feita pela pesquisa Mapa da Violência 2015, de que o perigo está nas cidades de médio porte, como em Natividade. Com cerca de 15 mil habitantes, o único juizado (não especializado) da cidade que fica no noroeste fluminense recebe, ao menos, um caso de violência contra a mulher por dia.
A juíza titular, Leidejane Chieza Gomes da Silva, acredita que a instalação de unidades especializadas pode conter o alto número de casos de feminicídio no interior por um único motivo: as mulheres vítimas recorrerão mais às autoridades.
“No interior, a falta de uma vara especializada dificulta a denúncia. As mulheres se sentem acuadas de entrar em um fórum para denunciar uma agressão. Com isso, o homem vai perdendo o limite da violência e só piora a situação da mulher. A unidade especializada é importante pois a Justiça mostra a sua cara e se faz presente de uma maneira proativa, protetiva. Elas precisam encontrar um local que lhes dê segurança e proteção”, avalia. A juíza, no entanto, não crê que apenas o aumento da punição dos crimes solucione o problema.
“Não adianta só punir. O Executivo precisa entrar e implementar projetos de apoio à família. É preciso que a família, a mulher e os filhos recebam orientações e esse homem seja encaminhado a um tratamento de saúde. Muitas vezes, o tratamento é indicado para o casal”, pondera a magistrada, que credita boa parte da violência masculina no interior à ingestão exagerada de bebida alcóolica. “É uma questão cultural que está enraizada no interior do país. Aqui, 90% dos casos que atendo são de homens que bebem muito. Nas capitais, além da bebida, o estresse e a intolerância também contribuem para os altos índices de violência”, compara.
Debate – De acordo com a conselheira Daldice Santana, a necessidade da interiorização das varas e juizados especializados deverá ser debatida na próxima edição da Jornada Maria da Penha, que está sendo programada. “Apesar de ainda não termos fechado o conteúdo da próxima edição, o CNJ é o fórum ideal para pensarmos e traçarmos uma política mais transparente e contundente nesse sentido”, adiantou a conselheira.
A última edição da Jornada ocorreu em agosto do ano passado, em São Paulo. Entre os resultados mais importantes em nove anos de Jornada estão a implantação e o incentivo à uniformização de procedimentos das varas especializadas no atendimento à mulher vítima de violências nos estados, os cursos de capacitação para juízes e servidores e a criação do Fórum Permanente de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), que promove a discussão do tema entre agentes do sistema de Justiça.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias. 09/03/2016.
Agência CNJ de Notícias. 09/03/2016.
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