Questão pendente no Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o caráter hediondo do tráfico de drogas privilegiado, em que o réu é primário e não faz parte de organização criminosa. Segundo a decisão, os bons antecedentes criminais não justificam o perdão (indulto) ou a progressão de regime após cumprir um sexto da pena. Esse entendimento foi firmado em abril, no Superior Tribunal de Justiça, em análise de recurso repetitivo. No STF, o debate chegou por um Habeas Corpus que, desde novembro de 2012, aguarda exame do Plenário.
A 5ª Câmara Criminal do TJ-MG negou recurso apresentado pela defesa de réu condenado a quatro anos e dois meses de reclusão. O argumento era de ofensa ao artigo 33 da Lei 11.343/2006, que fixa parâmetros para a diminuição de pena. Também foi reivindicada aplicação de jurisprudência da própria corte mineira, que consolida a possibilidade de fixação de regime prisional aberto ou semiaberto, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Os Embargos Infringentes foram interpostos na tentativa de resgatar o voto divergente do desembargador Alexandre Victor de Carvalho, no acórdão da Apelação Criminal.
Ao reanalisar a questão, foi mantida a divergência na câmara. Dois desembargadores acompanharam o relator, Pedro Vergara, e rejeitaram os embargos. Carvalho manteve o voto proferido na ação de origem e o desembargador Júlio César Lorens reformou sua interpretação. Ele reconhece que a corrente jurisprudencial tem apontado para menos rigor nas penas de tráfico privilegiado e as sentenças precisam levar em conta circunstâncias particulares dos réus.
“Mais uma vez, há de se consagrar a humanização da pena como princípio basilar do ordenamento penal brasileiro, e assim permitir que o traficante primário, de bons antecedentes e que não se dedica a atividades criminosas, goze do direito de iniciar sua pena em regime menos gravoso que o fechado, inclusive, com a finalidade de estimular sua ressocialização”, escreveu Lorens, que defendeu alternativas ao encarceramento e sugeriu o regime prisional semiaberto no caso concreto.
Natureza hedionda
Até a análise do Recurso Especial 1.329.088 pelo STJ, em abril, os processos sobre o assunto estavam com andamento suspenso em todos os tribunais de segunda instância. A 3ª Turma da corte concluiu que a natureza hedionda do tráfico de drogas deve ser mantida, mesmo quando cabível o redutor de pena.
Pelo dispositivo minorante, deve ser diminuída de um sexto a dois terços a pena imposta ao réu que é primário, tem bons antecedentes e não integra organização criminosa. A progressão de regime, no caso de condenados por crimes hediondos, se dá após o cumprimento de dois quintos da pena, se o apenado por primário, e de três quintos, se reincidente. A regra está na Lei de Crimes Hediondos, que não elimina de sua lista o tráfico de drogas quando há aplicação da redução do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas.
Depois desse julgamento, o entendimento passou a servir de orientação aos outros tribunais e impede que novos recursos contrários cheguem ao Superior Tribunal de Justiça. Caso haja divergência entre a sentença da segunda instância e a tese do STJ, o tribunal pode usar do chamado juízo de retratação, adequando-se à posição superior.
O ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, também observou que a causa de diminuição tem como requisitos necessários circunstâncias inerentes à pessoa do agente, e não à conduta praticada, motivo pelo qual não há a figura típica do tráfico privilegiado.
No Supremo, o debate foi suscitado no HC 110.884, sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Em novembro de 2012, a 2ª Turma do STF remeteu a discussão ao Plenário da corte, que ainda não apreciou a matéria. O relator já se manifestou que o tráfico privilegiado não retira o hediondez do crime.
Posição contrária
Para o criminalista Filipe Fialdini, equiparar o tráfico de drogas a um crime hediondo, em qualquer circunstância, é exagero. “Quase 20% dos presos no país foram condenados por comércio ilegal de drogas. Quanto mais se criminaliza o tráfico, mais se fortalecem as organizações criminosas”. A tendência de endurecer a jurisprudência, de acordo com o advogado, é pensada para grandes traficantes. “Mas boa parte dos réus vendeu pequenas quantidades de drogas, não tem antecedentes nem faz parte de uma quadrilha”, argumenta o advogado.
O especialista também critica o Projeto de Lei 7.663/10, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), aprovado na última semana na Câmara. Para Fialdini, o aumento de pena previsto para traficantes no PL é desproporcional e ineficaz. Pela proposta, a pena mínima passaria de cinco para oito anos de reclusão. A pena máxima permaneceria em 15 anos. “Vai na contramão do entendimento internacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, iniciativas similares fracassaram”, diz.
Victor Vieira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 5 de junho de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário