Em um artigo anterior escrevi o seguinte: se alguém quiser conhecer uma polícia conciliadora de primeiro mundo já não é preciso ir ao Canadá, Finlândia, Noruega, Dinamarca ou Suécia. Basta ir a Bauru, Lins, Marília, Tupã, Assis, Jaú e Ourinhos (todas no Estado de São Paulo) (veja meu blog: blogdolfg.com.br).
A polícia conciliadora está sendo desenvolvida pelo Necrim, que significa Núcleos Especiais Criminais. Pertencem à polícia civil do Estado de São Paulo. Paralelamente à clássica função judiciária (de investigação), foram instalados vários Necrims nas cidades mencionadas. É uma revolução no campo da resolução dos conflitos penais relacionados com os juizados especiais criminais (a conciliação é feita nos casos de infração de menor potencial ofensivo que dependa de ação privada ou pública condicionada).
Os percentuais de sucesso são alvissareiros: Assis: 73,23%; Bauru: 90,28%; Jaú: 89,20%; Lins: 90,88%; Maríalia: 90,68%; Ourinhos: 92,79%; Tupã: 82,30% (veja monografia de L. H. Fernandes Casarini).
Diante das profundas mudanças sociais ocorridas nas últimas três décadas, seria um erro crasso (das instituições públicas e sociais) continuar fazendo as mesmas coisas do mesmo jeito o tempo todo. Na atual sociedade pluralista, multiétnica, da informatização e das comunicações assim como das diversidades, impõe-se pensar em novos paradigmas, inclusive para as funções policiais.
À velha cultura da investigação e da repressão, urge que se agregue (às polícias) a cultura integradora, que consiste em buscar solução para os conflitos de forma pacificadora e reparadora (restaurativa). Esse novo paradigma se distancia claramente dos outros, que são: (a) paradigma dissuasório (confiança de que a pena seja suficiente para prevenir delitos); (b) paradigma da ressocialização (prisão, com finalidade de readaptação do preso) e (c) paradigma do populismo penal (confiança no incremento das penas e do sistema penal como solução para problemas sociais – veja nosso livro Populismo penal midiático: Saraiva, 2013).
Vários países e organizações policiais já captaram os sinais dos novos tempos e estão utilizando a mediação ou a conciliação como método de gestão de conflitos (veja Rosana Gallardo e Elene Cobler, Mediacion policial, Valencia: Tirant lo blanch, 2012).
Por que a adoção (ou o incremento) de um novo paradigma na função policial?
Em primeiro lugar e desde logo porque a polícia conciliadora abre novo horizonte para a profunda insatisfação das corporações policiais, que já começam a perceber que a repressão não pode ser a única resposta para a gestão dos conflitos penais. Impõe-se descobrir as virtudes do “direito ao melhor direito”. A prevenção é muito mais eficaz que a repressão. “É melhor prevenir os crimes do que puni-los” (Beccaria).
O que se pretende? É uma polícia eficaz que, paralelamente às suas clássicas funções, adote também (em relação a alguns crimes) a linha pacificadora, e que, por esse caminho, se legitime para a resolução dos conflitos. Com isso vai ser restaurada, antes de tudo, a autoestima do próprio policial, que precisa, desde logo, ter coragem para promover a mudança. “É insanidade ficar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes” (Einstein).
A polícia conciliadora, feita sempre sob o acompanhamento de um advogado: ganha respeito da comunidade que, ao mesmo tempo, passa a colaborar mais com a função policial; ela está integrada na comunidade (sendo expressão da polícia comunitária); promove a interação entre as pessoas, ou seja, busca a paz, a pacificação social; dessa maneira consegue prevenir futuros delitos, cuidando-se, assim, de uma polícia de prevenção especializada; permite um melhor funcionamento da polícia judiciária (investigativa); alivia a sobrecarga da Justiça e do Ministério Público; restaura a força do controle social informal; inaugura um novo serviço de qualidade para a cidadania, difundindo valores éticos; não destrói a velha polícia investigativa e, mais importante, rompe o velho paradigma militarizado e hierarquizado da polícia que, muitas vezes, em lugar de uma conciliação olho a olho, continua seguindo o parâmetro da obediência cega.
Polícia conciliatória, no entanto, exige tempo (exige boa formação, boa capacitação profissional), dinheiro (não muito), um espaço adequado para seu funcionamento (respeito às pessoas envolvidas no conflito), sólida estruturação jurídica e, sobretudo, mudança de mentalidade.
Com nova mentalidade podem ser vislumbrados novos horizontes. Temos que ter uma postura otimista em relação aos projetos nos quais confiamos. Nenhum deprimido triunfou no mundo todo. Num mundo tão desencontrado, não há como não buscar algo melhor, mais compreensivo e mais dialogante. Vale aqui repetir uma história bastante conhecida: perguntaram a um velho e sábio índio de que maneira são compostos os seres humanos. Ele respondeu: “de um lado bom e de um lado mal”. Qual vence? “Aquele que você mais alimenta”
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do portalatualidadesdodireito.com.br. Estou no blogdolfg.com.br
Fonte: Atualidades do Direito
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