Para a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público permite o uso do sistema chamado Guardião pelo MP para interceptar ligações e e-mails. Segundo nota emitida pelo MP-SP nesta semana, o Ministério Público “pode e deve também produzir, quando necessário, a prova das ações que propõe perante o Judiciário”.
A nota de esclarecimento foi publicada pelo órgão um dia depois de a revista Consultor Jurídicoapontar que 17 unidades do Ministério Público interceptam ligações sem participação da Polícia. A reportagem mostra um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público, que vai discutir a forma com que o Guardião, software de gerenciamento e armazenamento de informações, é usado pelos MPs.
O intermédio da Polícia Judiciária seria essencial, na avaliação de advogados. Isso porque a Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta as interceptações, explica que ao deferir uma medida cautelar de interceptação, o magistrado fará constar em sua decisão, “os nomes das autoridades policiais responsáveis pela investigação e que terão acesso às informações”. Não fala no Ministério Público.
Mas, para o MP de São Paulo, a Resolução 36 do CNMP “permite, de forma expressa e contundente, que o membro do Ministério Público requeira diretamente ao juiz competente da ação principal (...) medida cautelar, de caráter sigiloso em matéria criminal, que tenha por objeto a interceptação de comunicação telefônica, de telemática ou de informática”.
Mesmo sendo semelhante à Resolução 59 do CNJ, a norma do CNMP não coloca “os nomes das autoridades policiais responsáveis” como exigência do pedido de interceptação. Em vez disso, a regra pede que conste “os nomes dos membros do Ministério Público, também responsáveis pela investigação criminal, e dos servidores que terão acesso às informações”.
Só que o problema está no detalhe. A regra do CNJ deixa claro que devem ser indicadas as "autoridades policiais" responsáveis por acompanhar aqueles grampos. A regra do CNMP fala, diversas vezes, sobre o requerimento e sobre como os membros do MP devem fazer esse requerimento. Mas diz que o Ministério Público deve indicar os servidores que terão acesso aos dados interceptados. Não diz que servidores são esses.
O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini afirma que, sem autoridade policial para receber o grampo, um juiz não poderia autorizar a interceptação, uma vez que a exigência se dá por um ato normativo do CNJ.
Além da resolução do CNMP, a Procuradoria-Geral de Justiça alega que o MP é responsável pelo controle externo da atividade policial e, assim, não pode depender da polícia para ter acesso às provas colhidas. “Despropositado, portanto, que somente a Polícia Judiciária pudesse requerer os meios de prova, em especial a interceptação telefônica, e o destinatário do quanto produzido, o Ministério Público, ficasse impedido de produzir diretamente”, afirma a nota.
O esclarecimento reafirma que nenhuma interceptação telefônica é feita sem a devida autorização judicial, mas confirma que o MP acessa diretamente o material interceptado, por meio de sistemas como o Guardião. O fato de o MP ouvir os grampos foi classificado pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, como ilegal. Para ele, o MP não tem regramento para a produção de provas, ao contrário da polícia.
Quanto à forma de aquisição do sistema de grampos, outra preocupação dos advogados, o MP-SP afirma que observou os rigores da lei, “adotando-se a modalidade adequada e sem que tenha havido qualquer impugnação ou representação”. A reportagem da ConJur apontou que o MP-SP fez um pregão por menor preço global, que teve apenas um participante, a Dígitro Tecnologia, dona do sistema Guardião. O valor da proposta foi de R$ 2.109.843. Não houve negociação, pois o pregoeiro considerou o preço aceitável “por ser compatível com os preços praticados pelo mercado”.
Leia a nota emitida pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo:
"Interceptações telefônicas pelo MP e aquisição do Sistema Guardião
Esclarecimento da Procuradoria-Geral de Justiça
A Procuradoria-Geral de Justiça esclarece o seguinte:
O exercício do mister constitucional conferido ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, reclama do ordenamento jurídico novos e eficientes mecanismos de atuação, vale dizer, técnicas especiais de investigação criminal, consideradas indispensáveis para o enfrentamento da criminalidade organizada e consentâneas com as obrigações assumidas pelo Estado brasileiro, no campo internacional, por meio da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988, artigo 11, itens 1, 2 e 3), da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção da ONU de 2000, artigo 20) e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção da ONU contra a corrupção de Mérida de 2003, artigo 50).
Assim é que, considerando o que dispõe a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, que regulamenta o art. 5º, inc. XII, parte final, da Constituição Federal de 1988, o Eg. Conselho Nacional do Ministério Público houve por bem editar a Resolução nº 36, de 6 de abril de 2009, alterada, em parte, pela Resolução nº 51, de 09 de março de 2010, que dispõe sobre o pedido e a utilização das interceptações telefônicas, no âmbito do Ministério Público, nos termos da lei de regência.
Destarte, o art. 1º da Resolução CNMP nº 36 permite, de forma expressa e contundente, que o membro do Ministério Público requeira diretamente ao juiz competente da ação principal, seja na investigação criminal ou na instrução processual penal, medida cautelar, de caráter sigiloso em matéria criminal, que tenha por objeto a interceptação de comunicação telefônica, de telemática ou de informática. Sobre os pedidos de prorrogação de prazo, o art. 2º da Resolução CNMP nº 51, que confere nova roupagem ao art. 5º da Resolução CNMP nº 36, assevera que o membro do Ministério Público, ao formular, em razão do procedimento de investigação criminal ou na instrução do processo penal, pedido dessa natureza, deverá apresentar ao juiz competente ou ao servidor que for indicado os áudios (CD/DVD) com o inteiro teor das comunicações interceptadas, indicando neles os trechos das conversas relevantes à apreciação do pedido de prorrogação e o relatório circunstanciado das investigações que está a proceder, com o seu resultado.
Como se não bastasse o regramento legal acima indicado, no âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, toda e qualquer medida cautelar, de caráter sigiloso em matéria penal, que tenha por objeto a interceptação de comunicação telefônica, de telemática ou de informática, seja ela feita pela Polícia Judiciária ou pelo próprio órgão do Ministério Público é comunicada à Administração Superior em ambiente informatizado, dotado dos mais modernos mecanismos de segurança de tecnologia da informação, bem como à Eg. Corregedoria Nacional do Ministério Público.
Em suma, absolutamente nenhuma interceptação telefônica é feita sem a devida autorização judicial pelo Ministério Público, a quem compete determinar às concessionárias de serviço de telefonia a restrição necessária para a legítima obtenção da prova.
Consigne-se, ainda, que o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal pública e, como autor, pode e deve também produzir, quando necessário, a prova das ações que propõe perante o Judiciário. Ressalte-se, igualmente, que compete constitucionalmente ao Ministério Público o controle externo da atividade policial. A polícia judiciária investiga para fornecer elementos de convicção aos Promotores e Procuradores de Justiça. Despropositado, portanto, que somente a polícia judiciária pudesse requerer os meios de prova, em especial a interceptação telefônica, e o destinatário do quanto produzido, o Ministério Público, ficasse impedido de produzir diretamente.
A aquisição do “Sistema Guardião” observou os rigores da lei, adotando-se a modalidade adequada e sem que tenha havido qualquer impugnação ou representação. O preço contratado e a adequação do objeto foram resultantes do regular procedimento licitatório.
Por fim, a contratação foi amplamente noticiada à época em que se deu (18/08/2011), seja pela imprensa escrita, seja por outros veículos da mídia eletrônica."
Marcos de Vasconcellos é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de maio de 2013
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