Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral deferiu o registro de um candidato que, em substituição a seu pai, concorreu nas últimas eleições. O cidadão, pouco antes da eleição (parece que apenas um dia), pleiteou a substituição, tendo em conta que o substituído teve seu registro negado com base na Lei da Ficha Limpa.
Houve, na imprensa brasileira, comentários e críticas à decisão, no sentido de que se trataria de uma fraude, já que, na prática, o pai acabaria exercendo o mandato pelo filho. Haveria, disseram, uma “brecha” na lei. Esta deveria ser modificada, para alcançar os parentes daquele que foi barrado pela lei moralizadora!
De logo, fique claro que não comentarei o caso concreto, seja porque não conheço os autos, seja porque não me cabe fazê-lo. Gostaria, contudo, de aproveitar o ensejo para expor, ainda que muito rapidamente e em tese, um pensamento que tenho a respeito do assunto.
Esclareço, também, que não comentarei o outro tema envolvido, realmente preocupante, relacionado ao prazo de substituição de candidatos, pois pretendo fazê-lo em artigo próprio.
Entendo o clamor popular por moralidade, por ética na política. Compreendo que se queira punir aqueles que, há anos, exercem cargos públicos em benefício próprio. Temos, contudo, de nos lembrar que vivemos em um país civilizado, que adota uma Constituição que proclama o Estado Democrático de Direito. Existem garantias individuais. O Estado não pode nem punir, nem restringir os direitos do cidadão, senão de acordo com a Constituição e as leis.
Quando dos julgamentos iniciais relacionados à aplicação da Lei da Ficha Limpa, muito se discutiu a respeito da natureza jurídica da inelegibilidade, especialmente quando esta decorre de condenação da Justiça, Comum ou Eleitoral. Tive a oportunidade de, quando compunha o Tribunal Superior Eleitoral, externar minha opinião a respeito, no sentido de que, em tais hipóteses, a inelegibilidade apresenta, nitidamente, a natureza de pena. Aliás, quando decorre de julgamento de ação de investigação judicial eleitoral, a lei é expressa, apontando que se aplicará “sanção de inelegibilidade”.
Se assim é, a pretensão de estender a parentes daquele cujo direito de se candidatar foi restringido em razão de alguma condenação anterior soa, data venia, absurda, repugnante mesmo, além de obviamente inconstitucional. Seria voltar a tempos remotos, onde a responsabilidade pelos atos era imputada não só a quem os praticava, mas também aos familiares e amigos.
Vivemos tempos inquietantes. Há uma justa expectativa da população e uma cobrança da imprensa por um país mais justo do ponto de vista jurídico, com a aplicação da lei de maneira semelhante para ricos e pobres, poderosos e desamparados. Certamente devemos avançar. Respeitemos, contudo, os marcos do Estado de Direito. Muitas ditaduras já se formaram com discurso moralizador. Só há verdadeira Justiça se a lei for observada.
Marcelo Ribeiro é advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral.
Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de 2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário