Apesar de os líderes dos procuradores de Justiça e dos delegados de polícia não terem chegado a um acordo em torno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 37, que proíbe o Ministério Público de executar diligências e promover investigações criminais, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), anunciou que irá submeter o projeto à votação em plenário no próximo dia 26. "A decisão é irreversível", afirmou.
Pela PEC 37, os promotores e procuradores só podem supervisionar a atuação da polícia e solicitar ações durante a elaboração de inquéritos policiais. A investigação criminal é definida como sendo de competência exclusiva da Polícia Federal e da Polícia Civil. Os líderes partidários acham que, se fizerem pequenas alterações no texto da PEC, poderão obter um acordo entre procuradores e delegados na próxima semana. Uma das sugestões é permitir que o Ministério Público possa fazer investigações em situações excepcionais - como, por exemplo, nos casos em que houver indícios de inércia e inépcia nas investigações da polícia.
A sugestão, que prevê que as investigações sejam acompanhadas pela Justiça, parece ter agradado aos promotores e procuradores. Mas os representantes dos delegados não se comprometeram com os líderes partidários - segundo eles, a proposta ainda terá de ser submetida às entidades estaduais da categoria.
A rivalidade entre delegados e procuradores é antiga. Embora a Constituição de 88 atribua competências específicas aos promotores e procuradores - como patrocinar com exclusividade ações penais públicas, promover inquérito, impetrar ação civil pública e exercer o controle externo da atividade policial -, ela não faz menção às prerrogativas da categoria em matéria de investigação criminal.
Mas, invocando a tese de que quem pode o mais também pode o menos, os promotores e procuradores sempre alegaram que, se têm exclusividade na proposição de ações penais públicas, implicitamente detêm competência para fazer investigações criminais. Essa interpretação, contudo, não é compartilhada por especialistas em direito constitucional, direito processual penal e hermenêutica jurídica. Segundo eles, se os constituintes de 1988 não incluíram a investigação criminal no rol de competências específicas do Ministério Público, previstas pelo artigo 129, é porque não quiseram dar ao órgão uma força institucional que comprometesse o equilíbrio entre os Poderes, além de pôr em risco as garantias processuais dos cidadãos.
Não faz sentido permitir, nos inquéritos criminais, que promotores e procuradores sejam parte (acusadores) e juízes (como condutores da investigação) ao mesmo tempo. Isso reduziria a pó o direito dos investigados à ampla defesa. "O Ministério Público pode muito, mas não deve poder tudo", disse o criminalista Guilherme Batochio, em artigo publicado pelo Estado. De fato, em momento algum a Constituição de 88 tratou o Ministério Público como um Poder autônomo e independente, limitando-se a defini-lo como um órgão "essencial à administração da Justiça e à função jurisdicional do Estado".
Para vários constitucionalistas e processualistas, se não inclui a investigação criminal no rol das prerrogativas específicas do Ministério Público, a Constituição é taxativa ao afirmar que cabe à Polícia Federal e à Polícia Civil exercer a função de polícia judiciária - e, por consequência, presidir os inquéritos criminais.
Como a Constituição de 88 é clara quando define as competências do Ministério Público e das Polícias Federal e Civil, atribuindo àquele o papel de "zelar pela ordem jurídica e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis" e a essas a função de atuar como polícia judiciária, não havia necessidade de uma PEC para assegurar aos delegados prerrogativas exclusivas que já lhes são concedidas pelo artigo 144. A PEC 37 só foi apresentada porque o Ministério Público continua almejando ser o quarto Poder da República, ampliando suas competências em detrimento de outros órgãos públicos.
10 de junho de 2013. Estadão.
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