O meio acadêmico discute atualmente a adequação ou a oportunidade do Projeto de Lei 122, que criminaliza a homofobia. Natural, portanto, uma reflexão sobre o assunto.
Caio Prado Jr. dizia que todo povo tem na sua evolução, vista a distância, um certo sentido. O Direito Penal é o retrato fidedigno desse sentido evolutivo, pois ao apontar os comportamentos menos tolerados acaba por revelar os valores sociais mais prezados. Assim, a lei penal só será legítima se proteger bens jurídicos derivados desses valores constitutivos da ordem social.
Os valores que fundamentam a ordem política e social brasileira estão previstos na Constituição: a dignidade humana e o pluralismo, de forma que a espinha dorsal da política criminal brasileira é a proteção de bens que promovam a autodeterminação do indivíduo.
A discriminação, por sua vez, é a antítese da dignidade e a negação do pluralismo. Por isso, a linha da política criminal brasileira é o progressivo combate ao preconceito, seja racial (Lei 7.716/89), por motivos religiosos (artigo 280 do Código Penal), ou por outras razões. O Projeto de Lei 122 segue essa tendência, vedando a discriminação pela opção sexual porque tal conduta afeta a autonomia do indivíduo ao negar-lhe liberdade para construção de seu mundo de vida. A realização da justiça, como diz Honneth, depende da proteção de um contexto social de reconhecimento recíproco, e esse contexto é incompatível com o discurso discriminatório.
É verdade que a opção pela repressão penal nem sempre é a melhor alternativa. O uso de políticas de educação e conscientização deve preceder à criminalização, a não ser que tais instrumentos mostrem-se incapazes para evitar determinados comportamentos. Porém, a constatação da UNAIDS, de que a cada três dias um homossexual é morto no mundo, e as estatísticas brasileiras de 100 homicídios anuais por homofobia revelam as razões do legislador para o uso do Direito Penal.
A lei penal, nesse caso, não tem finalidade pedagógica, não visa ensinar a tolerância e o convívio — finalidade alcançada por outros mecanismos, como a educação — mas apenas impedir que sejam negados direitos a determinados grupos sociais. Por isso, a lei não criminalizará apenas o preconceito quanto à opção sexual, mas também punirá a discriminação pela religião, origem, idade, sexo ou gênero, com as mesmas penas previstas para a segregação racial.
Pode-se questionar a quantidade de pena proposta, que equipara a discriminação à lesão corporal grave em alguns casos, em evidente desproporcionalidade, mas a definição do bem jurídico e a técnica legislativa estão de acordo com os princípios constitucionais vigentes.
Alguns criticam a proposta por seu eventual conflito com a liberdade de expressão. No entanto, a liberdade de expressão — que é a faculdade do indivíduo manifestar seu pensamento sem censura prévia — não isenta o manifestante de responsabilidade civil ou criminal se o conteúdo das expressões violar a honra de alguém ou incitar o ódio contra determinados grupos sociais. As manifestações contrárias ou favoráveis a ideias fazem parte do convívio democrático, mas a exclusão social daqueles que optam por determinado culto, religião, ideologia, ou opção sexual, atenta contra o pluralismo e a dignidade humana, o que autoriza a intervenção penal e legitima o projeto de lei em discussão.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2012
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