segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A solução para as elites é puni-las e reeduca-las


“A Democracia não implica que não haja Elites: implica sim um certo princípio específico de formação das Elites “ Karl Mannheim 1956
Gaudêncio Torquato a quem de longa data admiro por seu extraordinário tirocínio, provado e comprovado em seus artigos dominicais publicados no estadão, afirma, em artigo recente, que, muito embora tenha havido no Brasil um enorme contingente de pessoas transportadas das classes sociais no pé da pirâmide para o meio do losango — segundo ele, não se trata mais de considerar a figura geométrica da pirâmide de rendas —, não houve,mesmo com esse enriquecimento, a esperada queda da criminalidade, e, sim, um estranho aumento da criminalidade no país.
Como explicar a seguinte contradição: o povo agora mais rico, ainda assim mais criminoso?
Para acender pequena luz na negritude do tema intrigante, incompreensível, e aparentemente irresolúvel, devemos ir mais além da metáfora do rio e de suas margens, magistralmente garimpada por Gaudêncio Torquato d’après Brecht.
Penso que alguma verdade poderá ser encontrada na Teoria das Elites, como concebida por Pareto e demais estudiosos. Sim. Parece-me que o problema não reside no Povo e sim na Elite. O povo se inspira na Elite; Copia o que ela faz. A classe política — uma das forças componentes da Elite global do nosso país— de que há muito vem deturpando o exercício do poder e os Mensalões, daqui e dali, estão aí para demostrar.
A imensa classe política brasileira, cooptada pelos 30 partidos reconhecidos pela Lei como instituições aptas para o exercício da luta política, dão péssimo exemplo para o cidadão de como não se deve fazer política. Nos municípios, a base da pirâmide política, os 30 partidos agem como saúvas, comendo o que encontram pela frente, comprometendo orçamentos quatrienais duramente financiados pelo IPTU do acomodado cidadão. Salvo exceções, em algumas cidades cujas lideranças sofridas e heroicas não concordam com tal modo de fazer política, o que se vê é generalizada corrupção. E, se ascendermos ao nível estadual e federal, a nossa desilusão será total.
Mas há mais um segmento da Elite a quem cabe também boa parte da culpa da ascendente curva da criminalidade. Trata-se da elite econômica. Segundo estudo da Tax Justice Network publicado na semana que passou, as elites brasileiras são responsáveis por parte dos US$ 9,3 trilhões que estão depositados nos paraísos fiscais do planeta. Esse dinheiro, em grandíssima parte, é fruto de algum gênero de corrupção, tendo deixado nosso país após uma série de malandragens, num caminho completamente criminoso. Diz tal estudo que os brasileiros são o quarto maior depositante dos paraísos fiscais. Esses corruptos estão dando aos seus contadores, seus advogados, seus banqueiros e aos seus funcionários, enfim, ao homem comum um exemplo de devassidão moral.
Como esperar que tal comportamento não faça gerar nos demais níveis da pirâmide(ou do losango) uma reação em Cachoeira. Já disse eu em outro sítio que a corrupção nos contratos públicos, responsáveis pelo caixa dois dos empreiteiros e por seus depósitos nos paraísos fiscais, além de apodrecer a ordem política do país, constitui ainda um perigo para as instituições democráticas, para a vida de nossa tenra República e para o próprio capitalismo. Assim, os capitalistas brasileiros estão destruindo o capitalismo brasileiro.
Dirão alguns que isso sempre foi assim, desde o tempo dos Robber Barons, do fim do século 19 nos Estados Unidos, e, se voltarmos a um passado ainda mais distante, iremos constatar que a história do mundo nunca foi um conto de fadas.
Ocorre que os tempos estão mudando; e, só para nos cingirmos ao Brasil, lembremo-nos que a cidadania está agora a exigir do político a ficha limpa. Quanto tempo irá levar para a própria cidadania exigir do comerciante, do industrial e do banqueiro a mesma ficha limpa?
Parte da elite intelectual do país, por seu lado, ao tomar posição político-partidária em vários momentos da história recente brasileira, embarca em barcos furados preparados por seus líderes, e além de naufragar, sente ir de roldão sua própria reputação, o seu grande patrimônio. Só há uma solução: punir e reeducar as elites.
Roberto Campos diria que a mula anda através de dois artifícios: a cenoura que é levada à sua frente dependurada em uma vara e um chicote com o qual o piloto açoita a mula toda vez que o apelo da cenoura não for suficiente. Parece que não há mais cenouras.

Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra é doutor em Direito pela USP, com especialização na New York University e na Harvard University, e autor do livro “A Pirâmide da Solução dos Conflitos”, editado pelo Senado Federal.
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2012

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