quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Poder de investigação do MP: do radicalismo ao abismo


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)*
De radicalismo em radicalismo o Brasil vai conhecendo o seu abismo, visto que a cada 9 minutos e 48 segundos uma pessoa é aqui assassinada (veja levantamento feito no nosso iAB). O desespero ou a retaliação não é o melhor companheiro para o legislador prudente e sensato.
Hoje, sem legislação precisa, muitos querem que o MP possa investigar tudo. A legislação do futuro não quer que ele investigue nada. Nesse sentido é a Proposta de Emenda à Constituição, que acaba de ser aprovada por Comissão Especial da Câmara dos Deputados para “eliminar” o poder investigativo do Ministério Público.
Nem oito nem oitenta. Muitas vezes a prudência e o equilíbrio estão no meio do caminho (In medio est virtus). Nem se pode admitir a investigação do MP sem uma legislação firme e coesa (situação atual), muito menos uma legislação futura que queira acabar com o poder investigativo do MP. Os grandes Estados Democráticos de Direito são construídos com diálogos institucionais inteligentes, não com represálias ou com posições mesquinhas. Enquanto as instituições encarregadas da persecução penal brigam entre si, o crime organizado agradece.
Não somos abolicionistas, mas uma das mais agudas críticas do abolicionismo penal (que prega o fim do direito penal) consiste precisamente na falta de integração da máquina punitiva. Todos os seus órgãos atuam isoladamente, sem nenhuma política unitária, que só existiria caso tivéssemos um Conselho Nacional da Segurança Pública, integrado pelas principais instituições da área, que traçasse uma política nacional de segurança democrática, unindo os esforços não só dos entes federados (União, Estados e Municípios) senão também das próprias polícias e entidades outras (Coaf, Banco Central, Fisco etc.).
Vale a pena recordar esta primorosa lição de Louk Hulsman (Sistema penal y seguridade ciudadana, 1984):
“Quando o discurso oficial (político, jurídico, científico etc.) faz referência ao sistema penal, considera implicitamente que se trata de um sistema racional, concebido, criado e controlado pelo homem. Nada é mais enganoso. Repete-se sempre a mesma imagem: ‘Existe a polícia, existem os juízes, a administração penitenciária, um parlamento que faz as leis e tribunais que as aplicam. Cada elemento intervém no seu devido tempo e funciona de acordo com os outros. É um sistema sério e é desse jeito que se administra a justiça e a sociedade’ (…) É esta uma visão completamente abstrata da situação. Com efeito, cada órgão ou serviço trabalha isoladamente e cada uma das pessoas que intervêm no funcionamento da máquina penal executa seu papel sem se preocupar com o que sucedeu antes dela ou com o que sucederá depois. Não há coerência estrita entre o que determinado legislador quer em um dado momento – entre o que ele trata na lei ou nos códigos – e as diferenças práticas no plano das instituições e dos homens que as fazem funcionar. Estas instituições não têm entre si senão uma referência global na lei penal e na cosmologia repressiva, o que constitui um vínculo demasiadamente vago para garantir uma ação concertada. De fato, estão compartimentadas em estruturas independentes, encerradas em mentalidades que se referenciam a si mesmas (…) Cada corpo desenvolve assim seus critérios de ação, uma ideologia, uma cultura particular, e não é raro que estes corpos entrem em contradição e inclusive em luta aberta, entre si. Teoricamente se considera que todos eles juntos administram a justiça e combatem a criminalidade. A verdade é que o sistema penal estatal pode dificilmente alcançar tais objetivos”.
No último dia 21.11.12, a PEC 37/11 (de autoria do deputado Lourival Mendes -  PTdoB-MA) foi aprovada para atribuir exclusivamente às polícias Federal e Civil a competência para a investigação criminal. Em seu teor, há clareza no sentido de que o Ministério Público não poderá conduzir investigações, devendo atuar apenas como titular da ação penal. A PEC, como se vê, não busca a união, sim, a separação institucional. Não me parece o melhor caminho para o Brasil.
O atual texto constitucional não faz menção expressa ao poder investigatório do Ministério Público.
Por esta razão, a questão já foi demasiadamente discutida na jurisprudência pátria. Há algum tempo, no entanto, majoritariamente, a jurisprudência vem admitindo tal poder investigativo.
O principal fundamento justificador dessa possibilidade concedida ao MP é o princípio constitucional dos poderes implícitos. De acordo com este princípio, se a Lei Maior prevê o fim, deve também dispor os meios. Assim, se a Constituição Federal dá o poder de iniciativa da ação penal para o membro do parquet há de lhe dispor os meios para efetivar esta incumbência.
Vejamos como a ex-Ministra do STF Ellen Gracie se posicionou sobre o tema:
“Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia.”
A exposição consta do julgamento do HC 91661/PE (STF, 2ª T., 10/03/2009), cuja relatora foi Ellen Gracie.
O posicionamento não é isolado, vale lembrar. Mesmo no STJ há outros julgados no mesmo sentido:
“É consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública – proceder à coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, mormente em casos excepcionais, como o presente, onde se investiga o crime de formação de quadrilha imputado a deputados estaduais, detentores de foro privilegiado, para o cometimento de fraudes à licitação” – REsp 945556/MG, 5ª T., rel. Min. Laurita Vaz, DJe 29/11/2010.
Quando se pensa no Brasil como uma nação, como um país do presente e do futuro, em muitos temas não há espaço para radicalismos. Voto favoravelmente à constituição de um Conselho Nacional da Segurança Pública, que possa traçar uma política nacional na área, somando coordenadamente todas as forças e energias de todas as instituições, vinculadas a um único órgão de inteligência. Só assim se pode debelar a violência, o crime organizado e a corrupção, que fazem parte das grandes lepras da nossa nação. Mais inteligência e menos violência.
*LFG – Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Estou no www.professorlfg.com.br.

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