segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A nova disciplina legal da detração penal


Através da detração penal permite-se descontar, na pena ou na medida de segurança, o tempo de prisão ou de internação que o condenado cumpriu antes da condenação. Esse período anterior à sentença penal condenatória é tido como de pena ou medida de segurança efetivamente cumpridas. A partir da Lei nº ... esse lapso temporal também será computado para efeitos de fixar o regime inicial de cumprimento de pena, já na sentença condenatória. Consideramos, ademais, essa nova metodologia para fixar o regime inicial aplicável, analogicamente, ao cálculo da prescrição da pretensão punitiva, como demonstraremos adiante.
Por razões pragmáticas, a competência para deliberar sobre a detração penal sempre foi do Juiz das Execuções Penais, pois não se ignora o tempo que pode levar entre a sentença condenatória e o início da execução penal. Esse tempo todo, havendo prisão provisória, deverá ser descontado no início da execução propriamente dita. No entanto, essa competência mudou, passando ao juiz a condenação, por previsão constante do artigo 1º da Lei ... Ademais, referido diploma legal acrescenta o parágrafo 2º ao artigo 387 do CPP, no qual determina que “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”. Assim, agora, a competência para examinar, num primeiro momento, a detração penal é do juiz de conhecimento, isto é, daquele que sentencia o acusado. Em outros termos, por determinação legal, a pena final fixada na sentença já terá computado a detração penal, para todos os efeitos, inclusive para a prescrição, na nossa ótica.
Contudo, a competência para conhecer e julgar toda e qualquer prisão detratável, “cumprida” após a sentença condenatória, será do Juiz das Execuções Penais. A vantagem do novo texto legal reside no reconhecimento de que esse tempo “cumprido”, provisoriamente, deve ser, necessariamente, considerado na hora de fixar o crime de cumprimento de pena. Elogiável, no particular, essa previsão legal, que, no entanto, a praxis insistia em ignorar essa obviedade.
Analogicamente, passamos a sustentar que esse cálculo operado com a detração, já na sentença, ante o novo texto legal, deve ser considerado também para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva, pois, afinal, será fixará o restante da pena a cumprir. Essa interpretação analógica encontra respaldo no novo texto legal comparado com a previsão contida no artigo 113 do CP, o qual determina para hipótese de evasão do condenado ou de revogação de livramento condicional que a prescrição deve ser considerada pelo tempo que resta de pena. Não vemos, tecnicamente, nenhum óbice para se adotar essa orientação que, aliás, decorre exatamente da pena a ser cumprida determinada em sentença, a qual, diga-se de passagem, estabelece novo marco interruptivo da prescrição.
O artigo 42 do Código Penal estabelece expressamente o que pode ser descontado da pena privativa de liberdade e da medida de segurança. Segundo o dispositivo referido, a detração penal pode ocorrer nas hipóteses de:
a) Prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro
Prisão provisória é a prisão processual, ou seja, a prisão que pode ocorrer durante a fase processual, antes da condenação transitar em julgado. No Direito vigente temos as seguintes hipóteses de prisão provisória: prisão em flagrante delito, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia e prisão decorrente de sentença condenatória recorrível. A despeito de algum entendimento em sentido contrário, essas duas prisões processuais continuam sendo possíveis (arts. 387, parágrafo único, e artigo 413, parágrafo 3º, ambos do CPP). Assim sendo, têm natureza processual e, como tais, são prisões provisórias. A prisão, em qualquer dessas hipóteses, deve ser descontada da pena aplicada.
b) Prisão administrativa
A prisão administrativa, que não se confunde com a prisão civil stricto sensu, não tem natureza penal, e pode decorrer de infração disciplinar, hierárquica, ou mesmo de infrações praticadas por particulares, nacionais ou estrangeiros, contra a Administração Pública. Apesar de o artigo 319 do CPP, que disciplinava a prisão administrativa, ter sido revogado, na nossa concepção, ela continua existindo, nas hipóteses de prisão nos quartéis militares, por indisciplina, bem como a prisão do extraditando enquanto aguarda a tramitação do processo perante o Supremo Tribunal Federal ou perante o Superior Tribunal de Justiça. Essa prisão não é a autêntica prisão preventiva, logo, só pode ser classificada como prisão administrativa.
Finalmente, a recentíssima Lei n... de 2012, que acrescentou o 2º parágrafo ao artigo 387 do CPP, prevê que “o tempo de prisão administrativa” também deve ser considerado na fixação do regime inicial de pena privativa de liberdade. Enfim, se dúvida alguma houvesse sobre a persistência da prisão administrativa, esse novel diploma legal a afasta por completo.
c) Internação em casas de saúde
A lei fala em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Fica claro, contudo, que ainternação em casas de saúde, com finalidade terapêutica, também deve ser contemplada com a detração penal. Não teria sentido suspender a execução da pena durante o período em que o condenado fosse obrigado, por motivos de saúde, a permanecer hospitalizado.
Há entendimento respeitável de que, “por necessária e permitida interpretação analógica”, deve ser admitida a detração também das penas restritivas de direitos, como limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade. Acreditamos que as interdições temporárias de direitos também devem ser contempladas com o mesmo tratamento que for dispensado às outras duas espécies de penas restritivas de direitos. A interpretação mais liberal, da doutrina e da jurisprudência, tem admitido a detração por prisão ocorrida em outro processo, isto é, sem nexo processual, desde que por crime cometido anteriormente.
Deixamos claro, por fim, que o texto do projeto ainda não foi transformado em lei. Poderá vir algum veto.

Cezar Roberto Bitencourt é advogado criminalista, professor do programa de pós-graduação da PUC-RS, doutor em Direito Penal pela Universidade de Sevilha, procurador de Justiça aposentado.
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2012

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