No início do mês de dezembro, a Justiça Federal revogou liminar que suspendia a regulamentação da ortotanásia, prática que consiste na suspensão de tratamentos invasivos que prolonguem a vida de pacientes em estado terminal, sem chances de cura. Com a decisão, os médicos passam a ter respaldo se optarem por não prolongar a vida de pacientes que se encaixarem nesse perfil.
Diferentemente da eutanásia, não há indução à morte. A opção dá ao doente o direito de não se submeter a tratamentos dolorosos e inúteis quando não há chances de sobrevivência.
Em 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução regulamentando a prática (Resolução CFM n. 1.805/2006). O texto previa a possibilidade de interromper tratamentos desnecessários em casos sem chances de cura, o que incluía, por exemplo, o desligamento de aparelhos de um paciente na UTI e a liberação deste para passar seus últimos dias em casa, se esta fosse sua vontade. Desse modo, estabelecia de modo expresso que a prática não constituía infração ética por parte do médico:
“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.”
No entanto, o Ministério Público Federal (MPF) entendeu que não havia previsão da ortotanásia na legislação brasileira e que a resolução estimularia os médicos em praticar o homicídio. O MPF entrou, então, com uma ação civil pública.
A proteção passou a existir agora porque a Justiça Federal no Distrito Federal reviu liminar dela própria, de 2007, que tornou nula resolução do CFM. A nova posição foi tomada após o MPF também ter alterado sua opinião.
Na primeira avaliação, o MP havia concluído que a norma do Conselho extrapolava as competências do órgão, tanto em âmbito legal quanto cultural. A nova procuradora do caso, Luciana Loureiro Oliveira, discordou do antigo posicionamento, citando, principalmente, a diferença entre a eutanásia e a ortotanásia.
"Sobre muito refletir a propósito do tema, chego à convicção de que a resolução, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal, realmente não ofende o ordenamento jurídico", disse, na decisão, o juiz Roberto Luis Luchi Demo, que julgou improcedente a referida ação do MPF.
A prática permanece alinhada com o novo Código de Ética Médica (CEM), em vigor desde abril de 2010, o qual estabelece o dever do médico de oferecer cuidados paliativos para deixar o paciente confortável e de evitar exames ou tratamentos desnecessários que prolonguem o processo de morte.
Nota-se que na redação do CEM a questão é posta de maneira mais branda se comparada à resolução n. 1.805/06, provavelmente, pelo fato desta ter sido suspensa pela Justiça Federal anteriormente. Logo no início, em que são elencados os princípios fundamentais, determina que “XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”.
O texto do Código dispõe sobre a ortotanásia da seguinte forma:
“Art. 41. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
Ainda não há legislação específica sobre o assunto, mas o Congresso Nacional deu mais um passo nesse sentido: a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 08 de dezembro, projeto de lei que define os procedimentos necessários para a ortotanásia, conceituando pacientes terminais como pessoas portadoras de enfermidade avançada, progressiva e incurável, com prognóstico de morte iminente e inevitável e que não apresentem perspectiva de recuperação do quadro clínico.
A proposta recentemente aprovada pelos deputados detalha pontos importantes como a exigência de autorização expressa do paciente ou do representante legal para a medida. O projeto prevê que o médico assistente do paciente deverá encaminhar o pedido para avaliação por uma junta médica antes da decisão final.
Ademais, o texto assegura cuidados especiais a todos os pacientes em estado terminal, como o alívio da dor e todos os cuidados básicos e paliativos possíveis.
Ainda há a necessidade de votação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e pelo plenário da Casa. Como houve alterações feitas na Câmara, a proposta deve retornar ao Senado para mais uma discussão.
Ainda que nunca tenha sido considerada infração ética ou crime, muitos médicos hesitavam em praticar a ortotanásia por medo da reação dos familiares e dos colegas ou por convicção. Dilemas bioéticos relacionados ao fim da vida são cada vez mais frequentes na prática médica. Daí a relevância da regulamentação da matéria, criando mecanismos para assegurar o direito a uma morte digna.
(EAH). IBCCRIM.
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