sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

70% dos crimes não são informados para a Polícia


As vítimas dos delitos, que normalmente reagem emocionalmente contra eles pedindo mais rigor penal, não “denunciam” (não notificam a Polícia) cerca de 70% deles, de acordo com as pesquisas de vitimização desenvolvidas pelo Insper em 2003 e 2008, Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República em 2001 e Fundação do Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (citadas pelo jornal O Estado de S. Paulo; cf. o site da Agência Estado, 16.07.10). O índice de notificação dos crimes está entre 27% e 30%. Menos de um terço dos crimes ocorridos são comunicados para a Polícia!
A própria vítima, como se vê, contribui (consideravelmente) para a impunidade. No âmbito dos crimes de furto, por exemplo, poucas são as vítimas que noticiam os fatos à autoridade policial. De acordo com o estudo realizado pelo Pnad/2009, do universo de 162,8 milhões de pessoas com 10 (dez) anos ou mais de idade, entre as vítimas de furto, o percentual que não procurou a Polícia foi de 62,3%.
Os principais motivos apontados por essas vítimas foram: “falta de provas” (26,7%) e “não considerar importante” (24,4%), conforme ilustra o gráfico abaixo. Em suma, muitos delitos não conseguem ultrapassar a barreira da notícia oficial.
TABELA Roubo-Furto ocorrência - Pnad/2009 - Jeferson Heroico
Os números que acabamos de destacar corrobora a “Teoria dos filtros da impunidade de Pilgram” (cf. blogdolfg.com.br). Mais precisamente, está em jogo o filtro da “denúncia” (notificação) dos crimes para a Polícia (tecnicamente falando: filtro da notitia criminis).
A lógica de Pilgran é a seguinte: de todos os crimes ocorridos poucos são os notificados para a Polícia, dos notificados poucos são os investigados, dos investigados poucos são os efetivamente apurados, dos apurados nem todos são processados etc. No final de toda essa cadeia de filtros da impunidade, pouca gente resta para ir para a cadeia (prisão).
Por que quase 70% dos crimes não são notificados para a (ou registrados na) Polícia? Há vários motivos para isso: sentimento de descrença na Justiça, alto índice de vitimização secundária (vitimização pelo mau funcionamento do sistema penal), falta de expectativas reais, desestímulo, risco de perder dias de trabalho etc.
Todos esses fatores, isolada ou conjugadamente, contribuem para que a vítima não registre a ocorrência na Delegacia de Polícia. Nesse caso, como se vê, o fato não passa sequer do filtro da notificação do crime. A conclusão, estarrecedora, não pode ser outra: para a impunidade também concorre a vítima do próprio delito.
Mas a mais chocante incongruência é a seguinte: as vítimas vivem pedindo mais leis penais, mais rigor penal etc. A mídia dramatiza e faz eco a essas reivindicações apaixonadas. O Legislativo faz ressonância a tudo isso e aprova mais leis, mais rigor etc. Depois de tudo é a própria vítima que não procura a Polícia para registrar o crime.

* Roberta Calix Coelho Costa fez a pesquisa necessária para este artigo.



Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.
 
Revista Consultor Jurídico, 24 de fevereiro de 2011

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