terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Artigo: Rapazes maus

Pela minha janela entrou recentemente o drama urbano de um rapaz, inserido num grupo de jovens, a agredir a própria mãe e o padrasto. O que fazer com estes rapazes? Serão mesmo "rapazes maus" ou, como pretendem algumas orientações optimistas da criminologia, nem sequer haverá rapazes maus?


Se entendermos a tese da Criminologia como uma afirmação da possibilidade de explicar o comportamento destes jovens, poderemos até reconhecer que não haverá rapazes maus. É possível dar uma explicação que evoque o comportamento dos pais, o meio envolvente e as políticas sociais.
No entanto, nas mesmas condições, há jovens que resistem e outros que assumem comportamentos desviantes. Haverá, segundo a Criminologia, um factor "x" que explica a diferença de resposta. Esse factor pode ser um forte sentido de si mesmo, um gostar de ser quem se é ou a vulgarmente designada auto-estima.
Mas se o factor "x" estiver mesmo relacionado com a construção de personalidade, devemos reforçar, nesse processo, o valor dos sentimentos comunitários. Importa promover, para além das lógicas de competitividade dos concursos televisivos, os que resistem heroicamente ao meio criminógeno.
Ser "apenas" bom rapaz em casas com problemas graves é mais difícil do que vencer um concurso e revela enorme mérito. Vem-nos à memória a heroína adolescente do filme de Paul Newman ("A influência dos raios gama no comportamento das margaridas"), que se distingue na investigação científica apesar da degradação familiar.
Seja como for, a análise da questão não nos pode deixar passivos, favorecendo uma espiral de criminalidade. Independentemente do peso do factor "x", há que promover a intervenção imediata da polícia, mesmo fora de flagrante delito, quando haja indícios claros da prática de um crime violento.
Segue-se a intervenção ponderada dos tribunais, que não são meros aplicadores técnicos da lei, mas devem contribuir para a resposta global ao problema. Cabe-lhes restabelecer a paz social e aplicar as medidas sancionatórias que promovam a ruptura dos jovens delinquentes com o meio contaminado que os envolve.
Por fim, a esfera política deve estabelecer programas de prevenção e actuação contra a delinquência juvenil. É também ao poder político que compete assegurar, em primeira linha, a boa coordenação entre todos os níveis de intervenção – legislativa, executiva e judicial. A incoerência põe sempre em causa a eficácia da resposta.
A articulação – decisiva – da actividade das polícias com o Ministério Público depende de uma leitura comum do problema. Mesmo a actuação dos tribunais, que representam um poder independente, deve ser integrada e remover a ideia tradicional de que os polícias actuam mas são depois desautorizados pelos juízes.



Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito PenaL

Fonte: Correio da Manha. 03 Janeiro 2010

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