Para existir conduta típica e o motorista ser processado criminalmente, não basta que a denúncia diga que foram encontrados seis decigramas de álcool por litro de sangue no exame a que o condutor foi submetido em blitz. Os desembargadores da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entenderam que a denúncia tem de mostrar também que o motorista dirigia de forma anormal.
“Admitir-se que o simples fato de conduzir veículo com concentração de álcool proibida no sangue representa perigo concreto, ou seja, caracteriza uma presunção absoluta de condução anormal do veículo, é atentar contra o princípio constitucional da ofensividade”, entendeu o desembargador Gilmar Augusto Teixeira, relator do caso no TJ, que concedeu Habeas Corpus para trancar a ação contra um motorista.
Em seu voto, o desembargador afirma que, para existir o crime, além da beber quantidade maior de álcool, o motorista precisa se comportar de forma anormal enquanto dirige o veículo. O desembargador citou o advogado criminalista Luiz Flavio Gomes, que entende ser necessário, no processo penal, provar que além de estar embriagado, o motorista levou perigo a outras pessoas, ainda que estas não sejam concretamente identificadas. Teixeira citou o Recurso Especial 608.078, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em que os ministros entenderam que o crime previsto no artigo 306 da Lei 9.503/97 (modificada depois pela Lei 11.705/08, conhecida como Lei Seca) demandava a demonstração de potencial lesão.
“Apesar da modificação implementada no texto do artigo 306, do CTB, os elementos identificadores do referido crime não se alteraram, vale dizer, não houve alteração da estrutura normativa do tipo penal ou da sua constituição ontológica”, afirmou.
A Câmara interpretou a Lei 11.705/08 de modo a diferenciar as infrações administrativas das penais. “É forçoso concluir, com isso, que até o limite de 0,2 decigramas, o fato é atípico administrativa e penalmente. A partir daí, ou seja, entre 0,2 a 0,6 decigramas, haverá a infração administrativa. Igual ou mais que 0,6 decigramas, se o agente dirigir o veículo de forma anormal, colocando em risco a segurança viária, haverá tanto a infração administrativa quanto a penal.”
Para o desembargador Augusto Teixeira, se, mesmo com a concentração de álcool maior no sangue, o motorista conduz o veículo de forma normal, a infração é administrativa. “O Direito Administrativo, por admitir o perigo abstrato, não pode ser confundido com o Direito Penal, já agora com este constitucionalizado.”
Teixeira entende que o Ministério Público deveria ter apresentado uma denúncia em que fosse possível identificar que o motorista dirigiu de forma irregular, ainda que não tivesse colocado em risco a vida de alguém especificamente. “A peça exordial apenas afirma ter o paciente ingerido álcool e mais nada, o que constitui simples infração administrativa.” Ele votou no sentido de declarar inepta a denúncia, mas sem prejuízo de que outra seja apresentada.
A desembargadora Denise Bruyère Rolins acompanhou a decisão, mas quis ressalvar seu entendimento. Ela lembrou que as blitz que pretendem dar efetividade à chamada Lei Seca ocorrem, muitas vezes, com retenções no trânsito. “O momento da verificação da conduta não estará a coincidir com o prévio, em que o condutor estava efetivamente guiando e não trafegando em via de retenção”, afirmou. Para ela, sinais, como pessoa trôpega, com a língua enrolada, voz pastosa e ausência de coordenação motora, que demonstram incapacidade para a direção normal, deixam claro o perigo concreto.
No caso analisado pela Câmara, o motorista foi parado em uma blitz da chamada Lei Seca e submetido ao teste do bafômetro. Depois, foi denunciado pelo Ministério Público por dirigir embriagado. A Defensoria Pública, responsável por sua defesa, pediu Habeas Corpus depois que o juízo da 41ª Vara Criminal do Rio aceitou a denúncia. A Defensoria sustentou que o motorista estava sofrendo constrangimento ilegal, já que não obteve absolvição sumária no caso. Para a juíza Leila Santos Lopes, a concentração de álcool no sangue acima do previsto em lei configura fortes indícios de materialidade, suficiente para abrir a Ação Penal.
Lei contestada
Desde que entrou em vigor, em junho de 2008, a Lei 11.705/08, criada para punir com mais rigor motoristas que tenham consumido bebida alcoólica, tem sido contestada no Judiciário. Tribunais do país inteiro passaram a receber pedidos de Habeas Corpus preventivos para que os motoristas, ao serem parados em blitz, não fossem obrigados a fazer o teste do bafômetro. O próprio teste passou a ser contestado sob a alegação de que não se pode obrigar o motorista a produzir provas contra si.
Desde que entrou em vigor, em junho de 2008, a Lei 11.705/08, criada para punir com mais rigor motoristas que tenham consumido bebida alcoólica, tem sido contestada no Judiciário. Tribunais do país inteiro passaram a receber pedidos de Habeas Corpus preventivos para que os motoristas, ao serem parados em blitz, não fossem obrigados a fazer o teste do bafômetro. O próprio teste passou a ser contestado sob a alegação de que não se pode obrigar o motorista a produzir provas contra si.
Os HCs preventivos têm sido negados pelos tribunais. A maioria tem entendido que não cabe o Habeas Corpus já que não está em jogo a liberdade de locomoção. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça também já negaram recursos cujo objetivo é se livrar do teste do bafômetro pela alegação de que a obrigação ser inconstitucional.
No Supremo Tribunal Federal, a Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel) contestou alguns dispositivos da lei por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.103. O relator da ADI é o ministro Eros Grau.
Revista Consultor Jurídico, 16 de janeiro de 2010
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