sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Elas estão perdendo o medo de pedir ajuda


Registros de crimes contra a mulher sobem a cada dia. No primeiro semestre de 2009, 1761 queixaram-se de ameaças no Tocantins e 42 mulheres morreram vítimas de violência
 
Na última semana o Brasil parou para assistir as cenas em que o borracheiro Fábio Willian Soares disparou nove tiros na ex-mulher Maria Islaine de Morais, morta no salão de beleza onde atuava como cabeleireira. O crime aconteceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, depois da vítima ter feito oito queixas à polícia contra o ex-marido.
Infelizmente, casos como esses não são tão raros no Brasil. De acordo com a campanha nacional de não-violência à mulher – Bem Querer Mulher, a cada 15 segundos uma mulher é agredida no país. A Sociedade Mundial de Vitimologia revelou que o Brasil é o país que mais sofre com a violência doméstica: 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas a este tipo de violência. E o pior: um levantamento feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou que cerca de 70% das vítimas de assassinato do sexo feminino foram mortas por seus maridos.
Divulgado pelo Conselho Estadual dos Diretos da Mulher (CEDIM), o relatório de crimes de violência contra a mulher revela que no Tocantins, 65 mulheres foram mortas em 2008 vítimas deste tipo de violência. No mesmo ano, 63 tocantinenses sofreram tentativas de homicídios e 1733 registraram ocorrência de lesão corporal. Em todo estado, 2736 foram à delegacia registrar queixas de ameaças.
Só de janeiro a julho de 2009, 42 mulheres foram assassinadas.  Outras 31 foram à delegacia denunciar tentativas de homicídios; 1124 registraram crimes de lesões corporais e 1761 queixaram-se de ameaças.
“O índice é elevado, como em todo o Brasil. A cada ano as “notícias” de violência contra a mulher aumentam”,   diz a delegada Maria Haydee Alves Guimarães, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (D.E.A.M) de Palmas. Segundo Haydee, que também exerce a função de vice-presidência do CEDIM, hoje há um número cada vez maior de mulheres que denunciam a violência doméstica. “Não houve um aumento de violência, o número de “notícias” e de processos é que aumentou. Isso porque a Lei Maria da Penha é uma lei eficaz, mais rigorosa, que dá um melhor resultado”, explica.
Ainda assim, há quem prefira guardar o segredo dos maus-tratos. A Anistia Internacional afirma que os números de mulheres agredidas representam apenas “a ponta do iceberg”, já que nem sempre a violência é reportada, pois muitas vítimas ainda se sentem envergonhadas ou sentem medo.
Para a delegada Haydee, houve um aumento considerável de mulheres que optam por fazer a denúncia, porém, quando elas chegam a “é porque a situação já esta insuportável”, diz. “Uma característica desse tipo de violência é que ela é continuada, às vezes é depois de 20 anos que a mulher toma coragem para sair do ciclo. E é uma violência que não acontece só na classe menos favorecidas, atingindo mulheres de todas as classes sociais”, completou.
A presidente do CEDIM, Tereza Cristina Ibiapina, alerta as mulheres que necessitarem de auxílio para por um basta na violência doméstica. “Existem sete delegacias especializada no Estado, mas a mulher pode fazer a queixa em qualquer delegacia, ou ainda pelo Ligue 180, que é nacional, gratuito e mantém o anonimato do denunciante. Nós damos auxílio e temos um abrigo para as mães e os filhos quem precisarem sair do meio social”, ressalta Ibiapina.
Sobre o caso de Minas Gerais, citado no início desta matéria, a presidente nos conta que é “humanamente impossível” disponibilizar proteção pessoal para todas as mulheres vítimas que sofrem ameaças desse tipo. “Não tenho nem como te dizer se há ou não solução. Acredito que a grande falha foi ele não estar na cadeia antes desse acontecimento, já que especialistas afirmam que houve motivos para ele estar preso”, finaliza.



Depoimento

Terror e pânico: “nunca imaginei que fosse sofrer tanto”

Andressa* tem 25 anos e um filho de seis. Conheceu o ex-marido numa igreja evangélica que ambos freqüentavam. “Queria casar com alguém da mesma religião que eu”, disse à essa reportagem, após deixar a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. Separada há seis meses, ela luta para se livrar das agressões do ex-marido. “A primeira vez que ele me agrediu eu estava de resguardo. Ele me deu duas bofetadas que eu cai no chão”, lembra. Ela diz que a segunda vez foi pior: “ele chegou a quebrar meu nariz e me bateu com a mangueira do tanquinho de lavar. Nessa época a gente conversou e aí nós voltamos a morar junto”. A decisão da separação e da primeira queixa veio depois que o agressor “rasgou” os lábios de Andressa. “Agora ele me procura, diz que vai me bater até eu ficar mole. Ele me procura na rua e me chama de vadia, prostituta, puta e diz: Você não sabe o que te espera. Nunca imaginei que fosse sofrer tanto”


Ligue 180
Chamadas aumentaram 24,64%
De acordo com o relatório divulgado em 2009 pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, o número de chamadas para a Central de Atendimento a Mulher (Ligue 180) aumentou 24, 64 % no ano passado, em relação à 2008, contabilizando 269.258 atendimentos em todo o Brasil. A busca de informações sobre a Lei Maria da Penha, que aumenta a pena para os autores de violência doméstica, cresceu 245%. 
Os dados mostram que nos últimos anos houve uma mudança de comportamento das mulheres, que segundo o coordenador da central, Pedro Ferreira, estão perdendo o medo de falar e de buscar ajuda.
O relatório divulgado pela SPM, diz que a maioria das mulheres que ligaram para o 180 entre 2007 e 2009 é negra (43,3%), tem entre 20 e 40 anos (56%), está casada ou vive em união estável (52%) e possui nível médio de escolaridade (25%).
Parte significativa do total de atendimentos (57,7%) refere-se a solicitação de informações, isto é, 155.340 atendimentos de janeiro a outubro de 2009, contra 110.260 de janeiro a outubro de 2008. O crescimento corresponde, de um ano para o outro, a 40,89%.
No Ligue 180, a maior parte das solicitações de informação refere-se à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) – 127.461, isto é, 82,5%. De 2008 para 2009 o crescimento é de 37,59%.
Segundo a pesquisa, dos 86.844 casos de violência registrados pelo serviço entre 2007 e 2009: 53.120 foram de violência física; 23.878 de violência psicológica; 6.525 de violência moral; 1.645 de violência sexual; 1.226 de violência patrimonial; 389 de cárcere privado; e 61 de tráfico de mulheres.
Do total de denúncias, 93% foram feitas pelas próprias mulheres agredidas, sendo que a maioria dos casos relatados (78%) é de crime de lesão corporal leve e ameaça. A metade dos agressores são os próprios cônjuges, dos quais 39% não fazem uso de substâncias entorpecentes ou álcool e 33% vivem com a vítima há mais de dez anos.
Das mulheres que recorreram ao serviço, 69% declararam sofrer agressões diariamente e 34% afirmaram sentir-se sob risco de morte. (fonte: Bem Querer Mulher)

Fonte: Jornal O Girassol. Publicada em 27/01/2010. 

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