O Supremo Tribunal Federal pode determinar a prisão de um chefe de Estado estrangeiro em território brasileiro? A questão começou a ser examinada este mês pelo STF, em um despacho de 19 laudas assinado pelo ministro Celso de Mello, no exercício da presidência da corte. O ministro não levantou restrições nem fez ressalvas a respeito do Estatuto de Roma ou sobre o Tribunal Penal Internacional — órgão que pediu ao Brasil a prisão de Omar Al Bashir, presidente do Sudão, caso ele venha ao Brasil. Mas lançou luzes sobre aspectos ainda não considerados sobre a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro dos termos do Estatuto que criou o TPI.
Bashir foi acusado de crimes de guerra e da prática de crimes contra a humanidade por conta do morticínio verificado em Darfur. A Câmara Preliminar de Julgamento, da qual faz parte a brasileira Silvia Steiner, solicitou ao embaixador brasileiro na Holanda a captura de Al Bashir para que ele seja julgado. O mesmo pedido foi feito a outros países. Uganda e África do Sul já concordaram com o pedido. O Itamaraty e o Ministério da Justiça encaminharam o pedido ao STF para deliberação.
Será a oportunidade para que o tribunal defina os termos da constitucionalização do Estatuto de Roma no Brasil. Esta foi a primeira vez que o Tribunal Penal Internacional dirigiu-se ao governo brasileiro e será também a primeira vez que o Judiciário irá se posicionar a respeito. A largada é o exame preliminar, mas bastante avançado, feito por Celso de Mello.
O processo foi remetido ao Brasil em caráter supostamente sigiloso. O ministro Celso desqualificou o sigilo, uma vez que o mandado de prisão expedido contra o sudanês encontra-se no site do próprio TPI e todos os fatos em torno dele já se tornaram públicos. O governo sulafricano, por exemplo, ao convidar Al Bashir para a posse do novo presidente do país, advertiu-o que, caso ele atendesse o convite, seria preso ao pisar em território sul-africano. Uganda, onde haveria reunião de presidentes africanos, adotou a mesma postura. Já a União Africana que representa os presidentes do continente repudiou, por maioria, a atitude do TPI.
Com a Emenda Constitucional 45, no entendimento de muitos estudiosos, o Brasil submeteu-se à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. A EC 45 diz que o país se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional e não “do”, mas há controvérsias. Celso de Mello não se posiciona, mas elenca questões delicadas ou ambíguas que pedem reflexão. O ministro destaca os pontos que têm pertinência, como no caso de o perseguido ser brasileiro nato — o que ele não examina, apenas cita para mostrar a complexidade da matéria. O artigo 27 do Estatuto de Roma, por exemplo, estabelece que perante o TPI é irrelevante se a pessoa em julgamento é chefe de estado — enquanto a tradição brasileira reconhece a imunidade diplomática do dirigente.
A França, por exemplo, subscreveu o Estatuto de Roma. Mas, ao ratificar, o presidente da França o submeteu ao conselho constitucional porque, de acordo com a Constituição francesa, o presidente só pode ser preso por alta traição. Os franceses decidiram fazer uma emenda à Constituição para adaptar-se ao Estatuto.
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