É um sinal dos tempos o acróstico(1) nacionalista de nossos irmãos do norte, parido 45 dias após os atentados contra o Pentágono, as Torres Gêmeas e o edifício nº 7(2) do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, vindo a ampliar o poder repressivo estatal e o nível de atuação de agências nacionais e internacionais de segurança e inteligência, conferindo-lhes poderes até então inéditos(3), eliminando diferenças entre órgãos de segurança nacional, de espionagem interna e a polícia(4), ampliando o conceito de terrorismo, em desfavor dos direitos fundamentais e, marcando o surgimento de um “novo” inimigo do Estado(5), a figura do terrorista internacional. Diante do choque entre o direito à segurança nacional e as liberdades civis, trazemos a memorável consideração de Benjamin Franklin, que nos serve de guia: “Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.”
Por aqui bafeja uma realidade orwelliana, à moda dos trópicos: com o fim da CPMF, a Instrução Normativa nº 802, da Receita Federal, de 27/12/2007, determinou às instituições financeiras que prestem informações sobre operações financeiras em que o montante global, no semestre, seja superior a 5 mil, para pessoas físicas, e a 10 mil reais, para pessoas jurídicas, atingindo assim até mesmo o cidadão cuja renda o enquadra como isento frente aos parâmetros do IR. Aplicou-se fórmula excepcional da quebra do sigilo bancário como primeira medida, para a busca de indícios mínimos, todos tratados como suspeitos, em estrita violação ao art. 5º, inciso XII, da Carta Magna.
O voyerismo estatal se desnuda na recente declaração do ministro da Justiça, de que temos de nos acostumar à devassa telefônica(6). Segundo dados coletados na CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas, somente em 2007 houve 409 mil autorizações judiciais de captação e gravação de conversas telefônicas; escutas que se eternizam, renovadas por vezes em despachos ordinatórios não fundamentados, em leitura por demais extensiva da legislação vigente, a qual, a rigor, estabelece o prazo máximo de 15 dias, prorrogáveis, em caso de demonstrada necessidade, por mais 15; basta lermos nos noticiários casos de escutas ambientais e ilegais que atingem a todos os Poderes da República, quiçá os citadinos e suas frágeis correspondências eletrônicas.
No Reino Unido, que conta com mais de 4 milhões de câmeras de segurança em locais públicos, o professor Conor Gearty, especialista em terrorismo da London School of Economics, sinaliza que “as liberdades individuais em nosso país são podadas, de forma sistemática, lenta e segura, por meio da vigilância e da escuta inescrupulosas”(7). A lei antiterror inglesa, aprovada logo após os ataques de 11.09.2001, ao permitir a prisão de estrangeiros suspeitos por tempo indeterminado, sem acusação formal ou julgamento, foi declarada, por nove juízes da Câmara dos Lordes, violadora dos preceitos democráticos e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Nos EUA, diversos dispositivos violadores de direitos civis, constantes do Ato Patriótico, levaram os tribunais a declarar a sua inconstitucionalidade. Vários projetos de leis tramitam com o fim de revogar e/ou modificar seus dispositivos.
Importante observar o recuo das nações diante de suas leis antiterror criadas no calor dos acontecimentos, neste momento em que o nosso governo acaba de criar comissão com representantes de oito ministérios e das três Forças militares, para a atualização da Lei de Segurança Nacional, definindo as novas ameaças ao Estado brasileiro, em substituição à lei atual, nascida às vésperas de 1984. O projeto deve ser levado ao Congresso em 2009.
A lei anterior, impregnada da doutrina da segurança nacional, antidemocrática e tirânica, vinha sendo empregada “(...) para perseguir operários, jornalistas, estudantes e religiosos por fatos que nada têm a ver com a segurança do Estado. O processo contra os metalúrgicos de São Paulo, por realização de greve pacífica sem qualquer conotação política, foi apenas um escândalo”(8).
A atual lei, embora tenha alterado substancialmente a filosofia das leis de segurança nacional desde 1967, analisada em primoroso estudo pelo professor Heleno Fragoso(9) ,possui graves defeitos, que podem ser corrigidos, entre os quais: a) a utilização de termos genéricos, expressões vagas e indeterminadas (e.g. o termo sabotagem, constante do art. 15); b) a subsidiariedade do Código Penal Militar e não do Código Penal comum; c) a punição dos atos preparatórios (art. 15, § 2º), que não se encontrava na lei anterior, “nem no draconiano Decreto-Lei 898”; d) a manutenção de crimes de manifestação de pensamento praticados através da imprensa; e) a definição legal do terrorismo.
A definição de terrorismo talvez seja a questão de maior relevo das mencionadas. Neste tocante, Fragoso afirmava ser ela “extremamente imperfeita, porque segue a linha casuística de nossas leis de segurança, misturando terrorismo com crimes violentos contra o patrimônio, com finalidade subversiva, que não constituem terrorismo. (...) a lei reproduz o defeito máximo das leis que têm estado em vigor, pretendendo definir o crime com referência genérica a ‘atos de terrorismo’. Isso numa lei penal é inadmissível, sobretudo porque não se sabe com segurança o que são atos de terrorismo”(10).
Criticando o projeto que resultou na atual lei, o professor apresentou sugestão, ainda atual e tecnicamente muito mais adequada, para a redação do tipo, que assim resultaria: “Praticar atentado contra a vida, a integridade corporal ou a liberdade; causar destruição e dano, através de meios capazes de provocar perigo comum ou que conduzam à difusão de enfermidades, para a criação real ou potencial de intimidação generalizada, com finalidade político-social. Pena: reclusão de 3 a 10 anos. § 1º Nas mesmas penas incorre quem pratica roubo ou extorsão, para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. § 2º Se resulta lesão corporal grave, a pena pode ser aumentada até o dobro; se resulta morte, pode ser aumentada até o triplo”(11).
É importante que se busque um caminho moderado, atualizando a nossa legislação, não olvidando nosso papel na geopolítica mundial, mas atendendo, principalmente, as necessidades nacionais, sem recair na tentação de macaquear normas estrangeiras ou ceder a impulsos, mais populares e menos benéficos à população, de se fabricar penas e tipos; como mudanças em leis especiais dessa natureza são inspiradas no aumento da repressão, exige-se, mais uma vez, por parte da sociedade civil, através de seus entes representativos, que se acompanhe este debate.
NOTAS
(1) “USA PATRIOCT Act: Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Ac”t. Ou melhor: Unindo e Fortalecendo a América mediante a Provisão de Apropriadas Ferramentas Requeridas para Interceptar e Obstruir o Terrorismo.
(2) JOSEPH, Peter. Zeitgeist. Jun. 2007. Disponível em: www.zeitgeistmovie.com. Acesso em 30 ago. de 2008.
(3) VIZZOTO, Vinicius Diniz. A restrição de direitos fundamentais e o 11 de setembro: breve análise de dispositivos polêmicos do Patrioct Act. Revista de Ciências Jurídicas – ULBRA. Vol. 5, nº 1. jan. a jun. de 2004.
(4) THAMAN, Stephen C. “Patriot act: L’impatto dell’ 11 settembre – sulla procedura penale Americana”. Rio de Janeiro: Lumens Juris. Revista Ultima Ratio. 2006. Ano 1. nº 0, p. 156.
(5) DAL RI JUNIOR, Arno. O estado e seus inimigos: a repressão política na histórica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2006. p. 296.
(6) Tarso diz que ideia de sofrer grampo tem de virar costume – Tarso prega cuidado ao falar ao telefone. http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2008/7/25/tarso-diz-que-ideia-de-sofrer-grampo-tem-de-virar-costume/> Acessado em 30.08.2008.
(7) Leis antiterror ameaçam democracia.http://www.deutsche-welle.de/dw/article/0,2144,1438074,00.html
(8) FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da liberdade: a defesa nos processos políticos. Rio de Janeiro. Forense. 1984. p. 237-238.
(9) FRAGOSO, Heleno Cláudio. A nova lei de segurança nacional. Revista de Direito Penal de Criminologia. nº 35, Ed. Forense, Rio de Janeiro, jan-jun. 1984. Quanto à competência da Justiça militar, dizia: “A evolução de nosso direito, nesta matéria, certamente conduzirá no futuro ao retorno à competência da justiça civil, pelo menos para o processo e julgamento dos crimes contra a segurança interna.” Defendia, também, que tais crimes voltem ao Código Penal, constituindo o último título da Parte Especial, e que as disposições de natureza processual fossem eliminadas, em especial às que se referem à prisão especial e a incomunicabilidade. Como dizia, demos “um passo largo. Temos de prosseguir na caminhada.”
(10) Ibidem, p. 5.
(11) Idem.
Rodrigo de Oliveira Ribeiro
Advogado.
Advogado-Delegado da Comissão de Defesa Assistência e Prerrogativa da OAB-RJ.
RIBEIRO, Rodrigo de Oliveira. O nosso 1984 – a nova lei de segurança nacional. Boletim IBCCRIM : São Paulo, ano 17, n. 201, p. 18, ago. 2009.
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