terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Artigo: Posse ilegal de arma de fogo: prazo encerrado para entrega da arma sem ter que responder uma ação penal

De acordo com os artigos 30 e 32 da Lei n.º 11.706 de 19 de junho de 2008, as pessoas que possuíam arma de fogo em sua casa ou no seu local de trabalho, teriam até o dia 31 de dezembro de 2008, para registrá-la ou entregá-la a Policia Federal, sem com isto, responderem a um processo crime por posse ilegal de arma de fogo, conduta prevista no art. 12 da Lei n.º 10.826/2003.

A Medida Provisória n.º 417, publicada em 1.º fevereiro de 2008, convertida na Lei n.º 11.706, de 19/6/2008, alterou vários artigos da Lei 10.826/2003, dentre quais, importa consignar:

Art. 30 Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4.º desta Lei.

Art. 31. Os possuidores e proprietários de armas de fogo adquiridas regularmente poderão, a qualquer tempo, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e indenização, nos termos do regulamento desta Lei.

Art. 32 Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma.

Mesmo antes da edição da MP 417, já havia entendimento de que a posse ilegal de arma de fogo de uso restrito estava abrangida pela vacatio legis da Lei 10.826/003:

"I. A Lei n.º 10.826/03, ao estabelecer o prazo de 180 dias para que os possuidores e proprietários de armas de fogo sem registro regularizassem a situação ou as entregasse à Polícia Federal, criou uma situação peculiar, pois, durante esse período, a conduta de possuir arma de fogo deixou de ser considerada típica.

II. É prescindível o fato de se tratar de arma com numeração raspada e, portanto, insuscetível de regularização, pois isto não afasta a incidência da vacatio legis indireta, se o Estatuto do Desarmamento confere ao possuidor da arma não só a possibilidade de sua regularização, mas também, a de simplesmente entregá-la à Polícia Federal.

III. Tanto o art. 12, quanto o art. 16, ambos da Lei n.º 10.826/03, pela simples posse, ficam desprovidos de eficácia durante o período de 180 dias. Precedentes.

IV. Deve ser trancada parte da ação penal instaurada contra o paciente, quanto aos delitos tipificados no art. 12 e art. 16, ambos da Lei n.º 10.826/03, por atipicidade da conduta, mantendo-se, no entanto, a imputação de relativa à receptação.

V. Ordem concedida nos termos do voto do Relator. (STJ. HC 42374/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 1/7/2005, p. 586)."
Também na mesma linha de entendimento:

"As condutas previstas nos arts. 12 (posse ilegal de arma de fogo de uso permitido) e 16 (posse ilegal de armas de fogo de uso restrito) da Lei 10.826/03 praticadas dentro do período de regularização ou entrega de arma de fogo à Polícia Federal não são dotadas de tipicidade". (STJ. HC 42977/MS - Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima - Quinta Turma - Julgado em 4/10/2005, sem destaques).

Não paira dúvida de que o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido encontra-se abarcada pela abolitio criminis. Sendo assim, todos aqueles que responderam ou respondem algum inquérito policial ou ação penal pelos delitos do art. 12 e 16 (este na modalidade de posse) devem ser absolvidos pela prevalência da lei posterior mais benéfica.

O histórico legislativo do tipo penal (crime) de posse ilegal de arma de fogo surge com a Lei nº 9.437/97 que no seu artigo 10 tratava da posse e também do porte ilegal de arma de fogo. A Lei de Contravenções Penais previa no art. 18 a modalidade de "ter em depósito", mas, como é sabido, contravenção penal não é propriamente crime, prevalecendo a tese que o surgimento do crime de posse ilegal de arma de fogo, surgiu somente em 1997.

Após isto, o população foi convidada a votar no Referendo sobre a proibição ou não das pessoas possuírem arma de fogo, e de forma democrática o povo decidiu positivamente. Com isto, foi editado o Estatuto do Desarmamento pela Lei n.º 10.826/2003, que sofreu as alterações atuais da Lei n.º 11.706/2008, que regula o assunto.

São também atos legislativos que disciplinaram o tema as Leis n.º 10.884/04, 11.118/05 e 11.191/05, além das Medidas Provisórias n.º 379/04, 390/07, 394/07 e 417/08.

Mas para se saber ao certo, se o crime é realmente o de posse ilegal de arma de fogo, trazemos a baila um recente julgado do E. Superior Tribunal de Justiça, que bem explica isto:

HABEAS CORPUS N.º 92.369 - SP (2007/0239909-3)

RELATOR : MINISTRO FELIX FISCHER

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRAZO PARA A REGULARIZAÇÃO DA ARMA. ARTIGOS 30, 31 E 32, DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO.

I - Não se pode confundir posse de arma de fogo com o porte de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho. (Precedentes).

II - Os prazos a que se referem os artigos 30, 31 e 32, da Lei n.º 10.826/2003, só beneficiam os possuidores de arma de fogo, i.e., quem a possui em sua residência ou emprego. Ademais, cumpre asseverar que o mencionado prazo teve seu termo inicial em 23 de dezembro de 2003, e possui termo final previsto para 31 de dezembro de 2008 (nos termos do art. 1.º da Medida Provisória n.º 417, de 31 de janeiro de 2008, que conferiu nova redação aos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03). Desta maneira, nas hipóteses ocorridas dentro de tal prazo, ninguém poderá ser preso ou processado por possuir (em casa ou no trabalho) uma arma de fogo. (Precedente).

III - In casu, as condutas atribuídas ao paciente foram as de possuir munição e de manter sob sua guarda arma de fogo de uso permitido, ambos no interior de sua residência. Logo, enquadra-se tal conduta nas hipóteses excepcionais dos artigos 30, 31 e 32 do Estatuto do Desarmamento, restando, portanto, extinta a punibilidade, ex vi do art. 5.º, XL, da CF c/c art. 107, III, do Código Penal.
Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 26 de fevereiro de 2008 (Data do Julgamento).

Ministro Felix Fischer

Relator

O Tribunal de Justiça do Paraná acabou por acompanhar o entendimento dos Tribunais Superiores, vejamos:

APELAÇÃO CRIMINAL. (...) CONDENAÇÃO FULCRADA NO ART. 12 DA LEI 10.826/2003. MEDIDA PROVISÓRIA 174/2004 ALTEROU O ART. 30 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. OCORRÊNCIA DO ABOLITIO CRIMINIS. ATIPICIDADE DA CONDUTA DE GUARDA DE ARMAS DE USO PERMITIDO ATÉ O FINAL DE 2008. ABSOLVIÇÃO DECLARADA PARA AMBOS OS RÉUS DO DELITO DE GUARDA ILEGAL DE ARMA DE FOGO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJPR 3.ª C.Criminal - AC 0451720-4 - Ibaiti - Rel.: Des. Marques Cury - Unanime - J. 29/5/2008)

APELAÇÃO CRIMINAL -TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE E POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (...) AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE (...) POSSE DE UM CARTUCHO DE CALIBRE 357 - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVA DE MATERIALIDADE QUANTO AO CRIME DE TRÁFICO E POR NÃO CONSTITUIR O FATO INFRAÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO CRIME DE POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO - RECURSO PROVIDO.

(TJPR - Câmara Cri. Sup. Úni. (06) - AC 0393781-5 - Londrina - Rel.: Juiz Conv. Luiz Osorio Moraes Panza - Unanime - J. 10/3/2008)

Queira ou não com o advento da Medida Provisória n.º 417/2008, convertida em Lei n.º 11./2008, alterou-se o art. 32 do Estatuto do Desarmamento (Lei n.º 10.826/2003), tornando o art. 12 fato atípico penal, permitindo inclusive por economia processual, impetrar Habeas Corpus para trancar a ação penal, vejamos:

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE PROCESSO-CRIME. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ARTIGO 12 DA LEI 10.826/2003). ABOLITIO CRIMINIS TEMPORALIS CARACTERIZADO. MP 417/08 POSTERIORMENTE CONVERTIDA NA LEI 11.706/2008. DESCRIMINALIZAÇÃO TEMPORÁRIA DA CONDUTA DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 12 DA LEI DO DESARMAMENTO). TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. ORDEM CONCEDIDA. 1. Com advento da Lei 11.706/2008, a qual prorrogou o registro das armas de fogo de uso permitido até 31 de dezembro de 2008, houve uma descriminalização temporária da conduta contida no art. 12 da Lei 10.826/2003. Ou seja, as condutas praticadas neste período estão abrangidas pela "abolitio criminis", vez que o possuidor da arma de fogo de uso permitido poderá, de boa-fé, entregar a arma à polícia ou registrá-la até a data determinada. 2. Ainda que o réu tenha praticado a conduta em 12/11/2007, nesse caso, nos termos dos artigos 2.º, parágrafo único, do Código Penal e artigo 5.º, inciso XL2, da Constituição Federal, há de ser beneficiado com a retroatividade da lei penal, pois se cuida de lei posterior que não considera o fato mais como ilícito, logo, favorecido pela abolitio criminis temporária.

(TJPR 2.ª C.Criminal - HCC 0526812-0 - Foro Regional de Campina Grande do Sul da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. José Mauricio Pinto de Almeida - Unanime - J. 16/10/2008)

HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DE PROCESSO-CRIME. DENÚNCIA INEPTA POR CONTER, DENTRE OS FATOS NARRADOS, UM QUE NÃO CONSTITUI CRIME. POSSE ILEGAL DE ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO (ARTIGOS 12 E 16 DA LEI 10.826/2003). ABOLITIO CRIMINIS TEMPORARIS CARACTERIZADO COM RELAÇÃO A UM DOS FATOS. ADVENTO DA LEI 11.706/2008. DESCRIMINALIZAÇÃO TEMPORÁRIA DA CONDUTA DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 12 DA LEI DO DESARMAMENTO). TRANCAMENTO PARCIAL DO PROCESSO-CRIME. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PARA PERPETUAÇÃO DA DEMANDA CRIMINAL QUANTO AO OUTRO DELITO. CONDUTAS INDEPENDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Com advento da Lei 11.706/2008, a qual prorrogou o registro das armas de fogo de uso permitido até 31 de dezembro de 2008, houve uma descriminalização temporária da conduta contida no art. 12 da Lei 10.826/2003. Ou seja, as condutas praticadas neste período estão abrangidas pela "abolitio criminis", vez que o possuidor da arma de fogo de uso permitido poderá, de boa-fé, entregar a arma à polícia ou registrá-la até a data determinada. 2. Depois de 23/10/2005, a conduta contida no art. 16 da Lei 10.826/2003 voltou a ser típica, porquanto a Lei n.º 11.706/2008 (Medida Provisória 417/08) não contemplou as armas de uso restrito ou proibido, como acontecia na redação anterior do Estatuto do Desarmamento. 3. A extinção da punibilidade prevista no art.32 do Estatuto do Desarmamento (redação dada pela Lei 11.706/2008) está condicionada à entrega espontânea da arma 4. É perfeitamente possível o trancamento parcial da demanda criminal quando se tratar de crimes autônomos e persistirem elementos suficientes para prosseguimento do feito, quais sejam: indícios de autoria (confissão), materialidade (apreensão das armas) e justa causa.

(TJPR 2.ª C.Criminal - HCC 0517028-9 - Foro Regional de Pinhais da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. José Mauricio Pinto de Almeida - Unanime - J. 25/9/2008)

Posto isto, com o propósito de cumprir a lei e para evitar, cabia ao cidadão brasileiro, ter procurado uma Delegacia da Polícia Federal até o dia 31 de dezembro de 2008, para entregar sua arma ou registrá-la, sem com isto, responder criminalmente por tal fato.

Aqueles que assim não fizerem, e forem flagrados possuindo arma de fogo em casa ou no local de trabalho, poderão ser presos em flagrante, com a possibilidade de pagarem fiança na Delegacia de Polícia (arts. 322 e 325, "b" do CPP), para o fim de responderem o processo em liberdade.

Sendo assim, aqueles que não optaram pela entrega da arma, correrãp o risco de serem condenados criminalmente, perdendo o benefício da abolitio criminis temporária do art. 32 da Lei n.º 11.706/2008.


Jefferson Augusto de Paula é mestrando em Direito pela Univali/SC. Pós-graduado em Direito Constitucional pela ABDConst. Pós-graduado em Direito Criminal pela Unicuritiba. Pós-granduando em Teoria Geral do Direito pela ABDConst. Professor universitário. Advogado criminal.

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 11/01/2009.

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