terça-feira, 22 de abril de 2008

TIRANIA - Combatendo o ‘bullying’ escolar

Seja a Mudança’, adaptação de um programa americano, está sendo desenvolvido com turmas do Ensino Médio no Colégio Aplicação, em Londrina.

Nova no colégio, Camila logo começou a ser chamada insistentemente de ‘‘magrela’’ pelos colegas da sala para diferenciá-la de uma outra aluna com o mesmo nome. ‘‘O apelido me incomodava’’, desabafa. Naiome era a ‘‘emo’’ por conta do estilo fora do convencional e gostar de ouvir Fresno. ‘‘Mesmo protestando aos gritos que não era ‘‘emo’’ o pessoal insistia no apelido e tirava sarro’’, conta. Até os 14 anos Priscilla era chamada pelos colegas de ‘‘toto bola’’. ‘‘O apelido discriminatório colaborou para abalar a minha auto-estima. Uma época até parei de comer. Fiz tratamento psicológico, mas até hoje sou preocupada com o meu peso’’, confessa.

Apelidos jocosos, discussões com o colega por conta de uma brincadeira ou tarefa são situações comuns no ambiente escolar. Porém, casos repetitivos e sem motivo aparente de humilhação, constrangimento, apelido, intimidação, perseguição e agressão física caracterizam-se como bullying (termo em inglês que significa tiranizar, intimidar). Adotada por um ou mais alunos contra outro(s), a atitude causa dor, angústia e sofrimento, executada numa relação desigual de poder entre iguais, tornando possível a intimidação da vítima.

Segundo a psicóloga Milene Ferrazza Thomas, geralmente a vítima do bullying é escolhida conforme características físicas, psicológicas ou comportamentais. ‘‘O alvo da agressão costuma ser quem o grupo considera diferente. O gordo ou muito magro, o que usa óculos, o negro, o homossexual...’’, exemplifica Milene. Menos sociável e insegura, a vítima costuma suportar a opressão silenciosamente. Um estudo realizado pela Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia) revelou que 40,05% dos alunos estão diretamente envolvidos em situações relacionadas ao bullying. Os meninos estão mais envolvidos do que as meninas, tanto como atores quanto vítimas.

Geralmente, os estudantes das séries iniciais são mais vitimizados. Às vezes, ressalta a psicóloga, o agressor intimida para se defender. ‘‘Já ouvi relatos de praticantes do bullying que disseram agredir porque já haviam sido vítimas anteriormente.’’ Estes têm grandes chances de se tornarem adultos com comportamentos anti-sociais, podendo vir a adotar, inclusive, atitudes delinqüentes ou criminosas.

Problema mundial, o bullying não se restringe apenas ao ambiente escolar, mas pode ocorrer no trabalho, em casa. Na escola, o bullying não afeta apenas o agressor e a vítima, mas também as testemunhas, que, por medo de se tornarem as próximas vítimas, calam-se diante da agressão. O convívio num ambiente de ansiedade, medo e agressividade, afeta os processos de desenvolvimento e aprendizagem. A vítima do bullying sofre comprometimento da saúde emocional, da qualidade das relações interpessoais e ruptura no processo educacional. Em casos extremos, a pessoa sente-se tão oprimida que pode tentar ou cometer suicídio.

‘‘Seja a Mudança’’

É possível discutir e tentar combater o bullying escolar? Desde o ano passado a psicóloga Milene Ferrazza Thomas desenvolve o ‘‘Seja a Mudança’’, adaptação de um programa americano implantado em 1987. ‘‘As ações intensificaram-se depois do aumento dos casos de suicídio entre crianças e adolescentes e os massacres promovidos por alunos em escolas dos Estados Unidos. Profissionais de diversas áreas, agressores e vítimas do bullying integram o programa. Os resultados são muito positivos’’, conta a psicóloga. Única autorizada no Brasil a desenvolver o programa, Milene diz ter feito algumas adaptações à realidade nacional, como o tipo, a seqüência e o processamento das atividades.

Basicamente, o trabalho é feito com dinâmicas de interação, jogos de aproximação e descontração. ‘‘O objetivo é combater o comportamento agressivo, o pré-julgamento, oportunizando às pessoas se conhecerem melhor e resolverem suas questões’’, explica. Coordenada por Milene, a equipe que desenvolve o programa é formada pela também psicóloga Aglaê Ferreira Lopes e três recém-formadas em Psicologia.

Há pouco mais de duas semanas Milene desenvolve voluntariamente o ‘‘Seja a Mudança’’ com quatro turmas de Ensino Médio do Colégio de Aplicação, em Londrina. São realizados dois encontros em cada sala, com três horas de duração. Ela confessa que inicialmente enfrentou resistência do grupo, que a testava tirando sarro e promovendo conversas paralelas. Porém, com o desenvolvimento do trabalho o comportamento deles mudou já no segundo encontro. ‘‘Os alunos ficam sensibilizados, abertos à discussão. A pessoa que é alvo do bullying tem a oportunidade de quebrar o ciclo de silêncio e falar o que a incomoda sem ser repreendida. Eles pedem perdão uns para os outros e se comprometem a não julgar os colegas’’, relata.

Os alunos são unânimes ao afirmar que antes do programa a sala era dividida em ‘‘panelinhas’’ e havia o julgamento do colega sem conhecer. ‘‘A turma mudou. Não estamos mais desunidos e todos conversam’’, avalia Kauane Caroline Carvalho Romagnoli, 16 anos, do 2º ano. Natália Simões Marquine, 16 anos, se comoveu com a história de uma colega da qual não se aproximava. ‘‘Não tinha idéia do que ela já havia passado. Meu conceito sobre ela mudou’’, observa.

‘‘Além de mudar com os colegas da sala, percebi que estou mais sociável com os alunos das outras turmas’’, ressalta Ivana Villas Boas, 15 anos. Camila Marques Honorato, 17 anos, e Naiome Alves Pereira, 15 anos, apelidadas de ‘‘magrela’’ e ‘‘emo’’, respectivamente, contam que agora têm sido chamadas pelo nome. ‘‘As pessoas aprendem que é possível parar de aceitar as gozações. A vítima do bullying não deve acusar o agressor, mas dizer que a atitude a incomoda e ela está mal com isso. Muitas vezes as barreiras são criadas sem saber o porquê. Com o programa, todos percebem que são iguais e passam a acolher os que são excluídos’’, ressalta.

A vice-coordenadora do Colégio de Aplicação, Eliane Guimarães de Oliveira, diz que apesar de nova, a idéia interessou a direção da escola por perceber que a convivência entre os colegas poderia melhorar, além de contribuir para a relação do aluno com outros grupos sociais fora do ambiente escolar. ‘‘Caso a avaliação do programa com o Ensino Médio seja positiva, vamos estendê-lo ao Ensino Fundamental. Há casos de crianças mais agitadas que promovem brigas com alunos de outras escolas na saída da aula’’, afirma.


Folha de Londrina, 22/04/2008.

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