sexta-feira, 25 de abril de 2008

Fome com comida estocada

Alberto Tamer*

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Enfim, a ONU e a FAO afirmaram que não têm nada contra o etanol de cana-de-açúcar. Não é ele, mas o de milho que está ajudando a provocar a espiral de preços dos alimentos.(Acho que andaram lendo os títulos desta coluna...) O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, foi incisivo e até agressivo. Acusou o petróleo, o protecionismo e os subsídios dos países ricos, leia-se Europa e EUA, de serem responsáveis não apenas pela explosão dos preços dos alimentos, mas também indiretamente pela fome.

Fome se combate com produção e preços livres. Cabe aos países ricos liderarem uma nova revolução agrícola para alimentar o mundo. As vítimas dessa política egoísta e insana são os povos mais pobres e famintos da África, da Ásia, da Índia. Falou a ONU. Tardou, mas agora falou. É oficial.

A ?BOLSA-VACA...?

Com isso, esperamos (no que não acredito...) que a imprensa mundial enterre de vez as acusações insidiosas do "conultor" (de quê?) da ONU, um tal de Jean Ziegler, para quem o biocombsustivel é um "crime contra a humanidade" e também para a leviandade de Strasus-Kahn, do FMI, que o acusa, sem distinguir a origem, de "problema moral".

Podemos retrucar com o prof. Antonio Márcio Buainain, em artigo no Estado de terça-feira, que "problema moral é manter a ?bolsa-vaca?, que distribui em média US$ 3,50 às vacas européias, enquanto 75% da população vive com menos de US$ 2 por dia". E as vacas pastam felizes pelo verde europeu, enquanto crianças africanas (e muitas das nossas nordestinas, na seca) comem terra.

O INVESTIDOR NEM LIGA

Enquanto os lobbies contra o etanol movimentam-se lá fora, só agora confrontados pela ONU, os investidores estrangeiros não estão nem aí. Correm acelerados para o Brasil, investindo somas bilionárias para produzi-lo em volumes cada vez maior. Até agora foram US$ 6 bilhões em apenas dois anos e nos próximos seis anos serão mais US$ 17 bilhões, entre capital nacional e externo.

Eles sabem que hoje produzimos mais de 20 bilhões de litros e estamos usando mais de 15 bilhões de litros. Mantendo-se, porém, o ritmo atual, precisaremos de mais 17 bilhões em apenas seis anos. Quase teremos de dobrar a produção atual.

É um mercado em expansão sem fim simplesmente porque estão sendo vendidos anualmente 2,3 mihões de veículos, a grande maioria movidos a álcool e gasolina.

Há ainda o enorme interesse da China, que importa 4 milhões de barris diários de petróleo e está desesperada com a explosão dos preços. É um mundo novo que os investidores estrangeiros acabaram de descobrir.

Todos sabem que não há outra saída se não o etanol de cana para atender, mesmo em parte, ao aumento da demanda de petróleo. A retração econômica ainda não atingiu a China, o Brasil e outros países emergentes, sedentos consumidores de combustíveis líquidos.

E A FOME, E A FOME?

Esta é a pergunta persistente dos leitores. E a fome, Tamer? Vamos continuar enchendo os carros enquanto a África morre faminta?

Aqui, uma confusão semelhante à do etanol de cana e o de milho. A ONU está corretíssima ao alertar para o "tsunamine silencioso" que ameaça o mundo. Cem 100 milhões a mais estão ameaçados de passar fome a cada ano. É verdade. É um desafio brutal. Mas por favor, atentem para isto, "Não é por falta de grãos e, sim, pelo aumento extraordinário dos preços. Há alimento à vontade, sim, só que 75% mais caro." E caro por quê? A comida, está estocada nos silos e armazéns do governo e dos agricultores do mundo todo, até mesmo nos nossos. Esperam até os preços aumentarem para ganhar ainda mais. Estão nadando em lucro.

HÁ SOLUÇÃO?

Sim. Muitas. Primeiro doar, segundo estimular as produções locais para que possam alimentar seu povo. Em um primeiro momento, a doação distorce pois é mais fácil receber grãos do que plantar. Aqui, a segunda etapa: subsidiar as produções locais! Subsidiar? Sim, sim. Por que a Europa e os EUA, ao mesmo tempo em que subsidiam seus ricos produtores, não dão, a custo zero, dinheiro para que os pobres europeus e asiáticos plantem para comer?Por que só comprar os estoques dos seus produtores a preços generosos e não fazer o mesmo com os que estão ameaçados de morrer de fome. Em alguns meses ou anos, eles já estarão produzindo para se alimentarem, pelo menos em parte.

O que estamos vendo aí é um crime contra a humanidade que pode ganhar a proporção horrificante para o mundo do Holocausto judeu, se nada for feito agora. E é fácil fazê-lo. Há comida para os famintos sim. Ela está estocada. A fome pode ser evitada. É só querer.

*E-mail: at@attglobal


Estadão, 24/04/2008.

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