quarta-feira, 30 de abril de 2008

Entrevista - Raul Jungmann

O Estatuto do Desarmamento, aprovado em dezembro de 2003, e a campanha de entrega voluntária de armas no Brasil são apontados como responsáveis por alterações significativas no mórbido índice de homicídios por armas de fogo no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, a queda em números absolutos foi de 12% entre 2004 e 2006.



Enquanto os números mostram que “menos armas = menos mortes”, o presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara Federal, deputado Raul Jungmann, cumpre sua parte em garantir que o Estatuto seja preservado em sua essência.



Sua liderança foi fundamental na aprovação pelo plenário da Câmara da Medida Provisória 417, que aguarda votação no Senado. A MP reedita a campanha de recolhimento de armas e prorroga o período para recadastramento de armas até 31 de dezembro de 2008. A MP garante que proprietários de armas de fogo tenham a chance de tirá-las da ilegalidade a taxas reduzidas (R$30) e sem necessidade de testes psicológicos ou de manuseio.



Segundo a Polícia Federal, existem hoje 14 milhões de armas ilegais em circulação no Brasil. A expectativa é que a medida provisória ajude as forças de segurança pública a trazer parte dessas armas para a legalidade.



A Comissão de Segurança Pública também discute no momento a volta da campanha de entrega voluntária de armas, mais uma ação no sentido de prevenir o aumento do arsenal do crime: só em 2003, também segundo dados da Polícia Federal, 27 mil armas foram roubadas de residências e entraram para o ciclo do crime.



Hoje no comando da Comissão de Segurança da Câmara, o deputado federal Raul Jungmann foi também sub-relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Tráfico de Armas, cujo relatório final trouxe informações sobre o caminho das armas desde a sua fabricação até seu destino final nas mãos de criminosos, e secretário-geral da Frente Parlamentar Brasil Sem Armas.



Em parceria com a sociedade civil, a Frente Parlamentar ajudou a trazer a público o debate sobre violência armada no país, que teve sua maior expressão na realização de um referendo popular – primeiro na história brasileira – sobre comércio de armas de fogo.



Jungmann conversou com o Comunidade Segura sobre segurança pública, desarmamento e a importância do trabalho parlamentar na redução da violência armada.



Quando o senhor foi eleito para a Comissão de Segurança, anunciou que pretendia dar prioridade ao pacote penal (mudanças no Código Penal) e ao pacote de segurança. Como está a tramitação desses projetos?



O Congresso não terminou de apreciar o pacote penal até hoje porque as Medidas Provisórias (MPs) vinham trancando a pauta de votações. Com a aprovação, na última quarta-feira (16/04), da proposta que acaba com o trancamento da pauta pelas MPs, abre-se um espaço para que possamos tratar de questões tidas como de fundamental importância para a sociedade brasileira.



Quais seriam os principais pontos dos pacotes?



Um dos principais projetos é o que proíbe o contingenciamento de recursos para a área de Segurança Pública. O segundo é o que aborda a questão da agilidade dos processos, pois precisamos buscar novas formas para dar maior celeridade aos processos, garantindo obviamente o direito de defesa a todas as pessoas.



Mais algum?



Outro projeto a ser discutido é a tipificação dos crimes cometidos por pessoas que levam aparelhos de comunicação – como celulares, rádios e pagers - para dentro de presídios. Esse crime já foi tipificado para presos sentenciados. Falta tipificá-lo para terceiros, que não estão presos, nem são funcionários públicos, mas levam os aparelhos para os que se encontram presos. É esse tipo de comunicação que fortalece o crime organizado. É dessa forma que as ordens de comando saem da cadeia e resultam em atentados, assaltos e seqüestros em todo o país. Precisamos tomar medidas firmes que coíbam esse tipo de comunicação.



Em 10/04 a Comissão de Segurança se reuniu com as de Direitos Humanos e Seguridade Social para debater a questão exposta no filme Juízo. Como a Comissão de Segurança pretende tratar a questão do jovem em conflito com a lei?



O filme mostra a realidade dos menores infratores no país. Vamos tratar essa questão, dos menores infratores, em conjunto com a comissão de Direitos Humanos. Primeiro, pretendemos aprofundar o debate em torno desse problema junto à sociedade. Depois, proporemos alternativas de políticas públicas voltadas para o enfrentamento de tal problema, assim como alternativas para a ressocialização destes adolescentes.



O senhor foi secretário-geral da Frente Parlamentar Brasil sem Armas durante a campanha do referendo das armas, realizado em 2005. Como era a relação da frente com a sociedade civil?



O relacionamento da frente com a sociedade sempre foi muito bom. O referendo tinha como objetivo a proibição da comercialização das armas, mas seu grande mérito foi o fato de levantar o debate sobre a questão, com ampla participação, tanto da sociedade em geral como entidades da sociedade civil organizada. Entidades como Sou da Paz, Viva Rio e outras tantas, de todos os estados, foram as grandes molas propulsoras desse debate.



Além disso, a sociedade civil foi a grande responsável pela aprovação do Estatuto do Desarmamento, que de vez em quando se tenta mutilar. Além de importante, acho fundamental essa participação e acompanhamento popular aos trabalhos dos parlamentares.



O senhor também liderou a CPI do Tráfico de Armas, que resultou em um relatório importante sobre a origem e o destino das armas fabricadas e vendidas legalmente no Brasil. O que o senhor destacaria entre as conclusões do relatório da CPI?



Demonstramos, com os trabalhos realizados, que a questão da informação é central neste setor, e que sem dados de qualidade e atualizados sobre armas torna-se inviável o combate aos seus desvios. Assim, usando poderes de investigação da CPI, pudemos mobilizar esforços, como da Polícia Federal, da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) e de algumas secretarias estaduais de Segurança e obter a colaboração dos fabricantes de armas, provando que é possível o rastreamento de grandes quantidades de armas ilegais, nunca antes feito neste país.



Como estudos deste tipo podem e devem auxiliar o poder público e a sociedade civil no combate à violência armada?



Acredito que cumprimos com nosso papel: pesquisamos, inquirimos, analisamos, revelamos e propusemos. A adoção de políticas, daqui por diante, compete aos outros poderes da República, que precisam cumprir o seu papel, também, sob risco de serem cobrados posteriormente pela opinião pública.



Qual é a importância do controle de armas para ações efetivas de segurança pública?



Muitas das armas usadas na criminalidade, não somente no crime organizado, foram vendidas legalmente e, posteriormente, roubadas e desviadas para o crime. Outra coisa é que, como a legislação permite que policiais comprem nas fábricas um determinado número de armas por ano, há maus policiais que revendem estas armas de modo irregular. Há, ainda, casos de armas brasileiras vendidas para fora do país que voltam contrabandeadas pelo crime organizado, o que mostra a importância de serem ampliadas medidas tarifárias que desestimulem essa compra.



Todos estes fatores mostram como é necessário o controle de armas e o rastreamento. É importante entender que esse rastreamento é o caminho para se desbaratar os crimes, reduzir a violência. Ao conhecer o caminho das armas, é possível tomar medidas para reduzir essa quantidade de armas e, com isso, reduzir a violência.



Há um projeto de lei em tramitação no Congresso sobre a reedição da campanha de recolhimento de armas. Que modelo o senhor acha mais apropriado?



A MP 417 reabre as campanhas de recolhimento de armas, que são importantíssimas. Esse é o seu objetivo. Só que a matéria acabou incluindo outras questões em seu teor. Apresentei uma emenda sobre um problema sério que temos hoje, que é o acautelamento de armas. Esse acautelamento não tem registro, as armas ficam muito mal guardadas e, por vezes, terminam voltando para o crime. O que sabemos a partir de registros e pesquisas realizadas é que não existe qualquer controle sobre isso. Se o Judiciário ficar obrigado a informar e mantiver os dados atualizados, conseguiremos fechar o ciclo da informação. Não se pode prescindir deste tipo de informação para a realização de um bom trabalho de Segurança Pública.



Qual é a relevância da participação da sociedade civil no trabalho da Comissão?



É de fundamental importância essa participação, tanto em relação aos trabalhos da comissão - que tratou do tráfico de armas - como fora dela. Tivemos várias iniciativas implementadas como resultado da comissão. Foi o caso, por exemplo, da criação da Subcomissão Permanente de Controle de Armas, no âmbito da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.



Que canais podem ser usados para comunicação entre a sociedade civil e a comissão?



Pretendemos utilizar todos os meios possíveis, desde as próprias audiências públicas e reuniões da Comissão de Segurança à divulgação e discussão das matérias em tramitação. Nosso objetivo é fazer com que a opinião pública continue dando sua contribuição no sentido de debater estas questões.



Comunidade Segura, 30/04/2008.

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