terça-feira, 22 de abril de 2008

Enfim, a dignidade

Para um povo que vive, em sua maioria, mergulhado na miséria, a morte pode significar, enfim, a dignidade. É no momento em que a vida deixa o corpo que o haitiano ganha o direito de ser esticado em um local confortável, o que talvez nunca tenha conseguido fazer em vida, já que as casas geralmente são muito pequenas para o tamanho das famílias.

Os haitianos costumam pagar preços altos pela tradição de honrar os mortos. Os caixões podem custar até US$ 9 mil, como os que encontramos disponíveis em uma casa fúnebre na pequena cidade de Arcahaie, localizada a cerca de 50 quilômetros de Porto Príncipe. Lá, os carros disponibilizados para carregar os mortos são Cadillacs, que, de tão bem cuidados, refletem bem mais que o cortejo fúnebre. São como o símbolo de uma esperança para os haitianos.

A cerimônia fúnebre é como uma grande festa: há banda de música ao vivo, e o tempo de duração do funeral varia de acordo com o bolso da família. Há velórios que duram horas. Outros podem chegar a até 60 dias. A regra é velar o morto o tempo em que o dinheiro durar. Acreditam os haitianos que, diante de um grande funeral, o espírito do morto vai para um "local bom". Caso contrário, ele pode voltar e atormentar seus familiares. No preço do funeral está incluído até mesmo um livro com fotos do morto e uma fita de vídeo com a gravação da cerimônia. O morto é sempre vestido de branco e maquiado. O rosto adquire uma coloração serena, como se a pessoa estivesse apenas dormindo. Essa costuma ser a última imagem para o haitiano.

- Também fornecemos para as famílias uma espécie de certificado do morto, tudo junto com a filmagem e as fotos do velório - conta Antoine Willy, diretor técnico de uma funerária de Arcahaie.

O enterro também é diferenciado no Haiti. Existem muitos cemitérios familiares, erguidos nos pátios das casas. E também não raros são os cemitérios melhores do que as próprias casas. Jazigos feitos de cimento e pedra, com pintura retocada, contrastam com casebres feitos de qualquer material que possa ser encontrado. Até mesmo folhas secas são usadas como cobertura. As mesmas folhas que cobrem as casas dos vivos são apenas detalhes jogados pelo vento sobre os jazigos. E ajudam a aumentar ainda mais os contrastes desse país.

- Quem não entende como a morte é tratada pelo haitiano, o valor que ela tem, jamais será capaz de conhecer o Haiti - avalia o conselheiro jurídico da Organização dos Estados Americanos (OEA), o gaúcho Ricardo Seitenfus.

Beleza na tela

É como uma grande exposição a céu aberto. Pelas ruas de Pétionville, na região metropolitana de Porto Príncipe, telas tomam os muros (ao lado). Muitas são pintadas ali mesmo, na rua. O traço firme e a cor intensa retratam as realidades do povo: mulheres carregando bacias na cabeça, os mercados de rua, a busca pela água, a escuridão da falta de eletricidade. As telas são atração para quem vai ao Haiti, geralmente integrantes de missões internacionais. Os vendedores aprenderam o básico nas diferentes línguas para sobreviver. Basta chegar diante dos quadros e a pergunta é feita em inglês ou francês, geralmente:

- Que língua você fala?

Havia até vendedor que falava algumas palavras em árabe. Tudo pela sobrevivência.

Os costureiros

Se no Brasil o mais comum é encontrarmos mulheres costureiras, no Haiti são os homens que se destacam nessa função. Eles costumam colocar suas máquinas manuais na rua. Lá, diante do vaivém da população, eles produzem seu trabalho. As mulheres, nesse caso, é que são as ajudantes.

A praia

A água ainda preserva um azul encantador. Mas a areia há muito deixou de ser branca. Em Jérémie, a 280 quilômetros da capital, Porto Príncipe, a beira-mar é um verdadeiro colapso. O lixo se acumula, disputando espaço com as mulheres. Elas transformaram a beira-mar em um mercado público que tem de tudo um pouco. Menos limpeza.

Água para tudo

Como água no Haiti é artigo de luxo, os rios do país são usados tanto para tomar banho quanto para tomar água.

No distrito de Léon, a cerca de 300 quilômetros da capital haitiana, Porto Príncipe, uma mulher banha-se, enquanto outra bebe água. Uma terceira carrega roupas para lavar.

Incorporada ao meio

Roseana Kipman, mulher do embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman, ainda pode ser considerada uma estreante no país, mas sua vontade de conhecer cada dia mais a cultura haitiana a aproxima da comunidade local.

Paranaense, ela mudou-se para o Haiti no começo de março, depois que o embaixador assumiu a representação, no final de fevereiro. Roseana não perde a chance de provar a culinária local. Quando esteve no centro de triagem de lixo de Carrefour, a brasileira logo sentiu o cheiro da comida que estava sendo feita pelos funcionários e pediu para provar. Comeu na panela mesmo.


Zero Hora, 22/04/2008.

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