sexta-feira, 4 de abril de 2008

'Dificuldade de impor limites incentiva violência'

Formada em psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná, especialista em psicologia hospitalar e mestre em saúde coletiva, Jane Biscaia Hartmann trabalha no Hospital Universitário de Maringá (HU) desde 1994. Profissional que integra a rede de atendimento a adultos e crianças vítimas de violência no HU implantada em 2004, ela acredita que a falta de capacidade e recursos emocionais para lidar com a imposição de limites influencia a agressão a que muitos pais submetem os filhos. "A família ideal deve planejar e se organizar para ter filho, mas quando isso não ocorre é preciso encarar a situação estabelecida. E aí começam os conflitos", diz a psicóloga hospitalar.

Agravados pela sutil linha que separa a educação da agressão, os conflitos ganham contornos de violência e podem chegar a extremos como manter uma criança acorrentada ao pé da mesa ou marcar outra a ferro como a um boi, como divulgado pela imprensa nacional nos últimos dias. "Filhos não vêm com manual e os pais não recebem cartilhas quando os filhos nascem. Muitos ensinam o que aprenderam."


O diário - A violência contra crianças tem a ver com a sensação de poder que o adulto sente em relação a elas?

Jane Biscaia Hartmann- Há muitas questões envolvidas. Uma têm a ver com a dificuldade de impor limites. Acredito que a falta de capacidade, de cultura, de orientação, de recursos emocionais para lidar com esse problema de outra forma influenciam. A família ideal deve planejar e se organizar para ter filho, mas quando isso não ocorre é preciso viver encarar a situação estabelecida. E aí começam os conflitos.


Quais são as formas de violência mais comuns que as crianças atendidas no HU apresentam?

Há crianças negligenciadas pela extrema pobreza da família ou pela drogadição dos pais, outras que vêm repetidamente ao hospital com fraturas, manchas pelo corpo.


Qual foi o caso que mais te emocionou nestes quatro anos em que o serviço está funcionando?

O de uma mãe que teve gêmeos prematuros, um era maior e mais forte que o outro. A situação sócioeconômica da família era baixa e havia outras crianças. Essa mãe interagia pouco com o filho menor, tinha muita dificuldade para se vincular com ele. Sempre nos preocupamos com ele. Meses depois da alta a criança menor voltou com fraturas, inclusive na cabeça, mordidas pelo corpo, em condições de maus-tratos graves. A mãe não reconhecia esse filho. Encaminhamos o caso para o conselho tutelar.


É justo culpar essa mãe?

É importante tentar entender porque isso ocorreu, tentar resgatar o vínculo e ensinar essa mãe a se aproximar do filho.


O instinto materno não deveria ser suficiente para formar o vínculo?

Às vezes sou levada a acreditar que o instinto materno é um mito. Há mães que não conseguem vincular com seus filhos, porque não tiveram essa relação com suas próprias mães ou porque têm limitações emocionais ou mentais que não permitem essa vinculação. Há mulheres que não conseguem cuidar de outras pessoas porque nã dão conta nem delas.


E qual é o papel do pai nesse processo?

O trabalho da psicologia hospitalar é identificar o núcleo familiar. Às vezes a parceira nem contou que estava grávida. Tentamos fazer o pai assumir a responsabilidade que tem com o filho. Mas não temos o poder de reaproximar o casal e nem é nosso papel juntar os dois.

Filho é coisa séria.

E não vem com manual, nem pais recebem cartilhas. Aprendemos a ser pais por que fomos filhos, não há nenhum curso disponível. Muitos ensinam o que aprenderam.



Fonte: O Diário do Norte do Paraná, 04/04/2008.

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