sábado, 5 de abril de 2008

A ciência criminológica e o nosso tempo

MIGUEL ÁNGEL NÚÑEZ PAZ

Professor de Criminologia e Direito Penal da Universidade de Salamanca.

Doutor em Direito Penal pela Universidade de Salamanca.




Tradução de:

LÉLIO BRAGA CALHAU



Supõe-se um enorme privilégio receber agora o convite de meus alunos da Universidade de Salamanca para escrever umas linhas sobre nossa ciência em uma original e extraordinária iniciativa como esta: a primeira Revista científica elaborada por estudantes de Criminologia. Iniciativa que descarta uma vez mais o conceito tradicional de estudantes “acomodados” e “agrupadores de apostilas” de que – sem dúvida – hoje muitos daqueles renegam com fatos. Alunos que mostram nas ruas o coração que mantém com vida o espírito universitário e adicionam uma nova esperança pelos quais sentimos que a Universidade segue e seguirá viva, graças à necessidade de seguir aprendendo e ensinando.

É certo que, como afirma Beristain (Prólogo do livro Nociones de Criminología, de Núñez Paz – Alonso Pérez, Editora Colex, Madrid, 2002), nossa ciência do terceiro milênio está chegando muito adiante: cultiva o método multi e transdiciplinar e, ademais, pede a todos conhecer e aplicar mais as ciências sociológicas, as doutrinas da psicanálise, incluindo as que têm vinculações com conceitos espirituais, a teor de documentos vinculantes das Organizações das Nações Unidas, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (artigo 26) e da Convenção dos Direitos das Crianças de 1989 (artigos 2,14 e 17). Aos criminólogos compete conseguir que o Poder Judiciário preste mais atenção à pessoa do delinqüente e de suas vítimas, por serem pessoas merecedoras de reconhecimento para com a sua dignidade.

Logicamente, a sanção deve seguir orientada para a reinserção social do condenado. Entretanto, acontece agora uma preocupação que faz anos que vem orientando a Política Criminal e que deve assentar-se de uma vez por todas em nosso ordenamento jurídico e em nosso sistema social, que se trata de não esquecermos da reparação da vítima. Para alcançar isso será necessário que na eleição e criação da sanção restauradora, junto a magistrados de todas as instâncias, intervenham profissionais e técnicos capacitados em todos os saberes criminológicos, o que suporá uma análise desde os campos psicológicos, sociológicos, pedagógicos etc.



Temos de conseguir uma equipe de diversos especialistas (sem esquecermos dos médicos forenses ou dos assistentes sociais, entre outros) que colabore nos tribunais durante o processo penal e depois, por exemplo, na planificação dos trabalhos no serviço de comunidade, nos centros terapêuticos e nas prisões durante toda a execução da pena, com especial atenção para situações particulares como dependência de drogas, mães com filhos recém-nascidos nas prisões, imigrantes, etc.

Entretanto, a Criminologia insiste também em favor da melhora no campo sancionatório e penitenciário como aponta Nils Christie quando sugere que “busquemos opções aos castigos, não só castigos opcionais...”. A legislação das instituições penitenciárias, melhor chamadas de “de readaptação social” há de acolher com mais ambição a colaboração cotidiana de homens e mulheres formados em Criminologia.

Cabe fazer uma colocação também sobre a questão de apontar a quem serve a investigação criminológica, ao menos a quem deve servir, ou se carece em absoluto de conseqüências, precisando que existem experiências e análises que põem em manifesto que são equivocadas, inclusive ingênuas, as grandes expectativas sobre a possibilidade de influir a Criminologia na Política Criminal, pois os caminhos desta são demasiados intricados e plurais para ela. Por esta razão se compreende que em tempos recentes se admita com uma certa resignação que a investigação criminológica tenha lugar, em princípio por vontade do investigador, para si mesmo, e que, habitualmente, exerça uma influência indireta na socialização e legitimação.

Em outra ordem das coisas, como aponta Kaiser, os criminólogos correm o perigo de se converterem em defensores do status quo, de que a politização das ciências sociais transforme o criminólogo em um obediente e submisso executor das definições legais, em um agente inquieto da subversão social, em uma linha que manifesta Antonio García-Pablos de Molina, colocando-se a questão de ser admissível uma Criminologia conservadora que se limite a legitimar o status quo sem questionar seus valores e o funcionamento do sistema.

Trata-se de que o criminólogo leve a cabo uma missão nova, muito mais de acordo com as diversas Declarações dos Direitos do Homem, da Mulher e da Criança, de que aplique, como sugere Antonio Beristain, um novo princípio – in dúbio pro vitima -, em caso de dúvida a favor das vítimas, sobretudo quando são tão freqüentes e trágicas macrovitimizações femininas e infantis, a teor das estatísticas internacionais no campo da exploração sexual e dos maus tratos domésticos.

De igual forma e para finalizar esta breve reflexão, convém pôr em relevo a necessidade de que o ordenamento penal assuma e incorpore o atual saber empírico e interdisciplinário aos corpos legais através de uma Política Criminal de base criminológica, a qual obrigará a recordar a importância das relações entre Direito Penal, Criminologia e Política Criminal. Neste sentido, precisarei que comungo da opinião de que a Criminologia há de subministrar uma valiosa informação científica a Política Criminal sobre o delinqüente, o delito, a vítima e o controle social, informação que esta última deve transformar em opções, fórmulas e programas modelados depois pelo Direito Penal em suas proposições normativas e obrigatórias. E dizer, que a Criminologia, a Política Criminal e o Direito Penal representam três momentos imprescindíveis e inseparáveis no âmbito da resposta social ao problema do crime. A Criminologia implicará neste campo o momento explicativo-empírico, o decisivo o ostentará a Política Criminal e o instrumental o Direito Penal.

Façamos, pois, uma Criminologia verdadeiramente moderna e valiosa no campo prático e reflitamos sobre a transcendência social de outorgar definitivamente um papel preponderante ao nosso campo científico, no qual tantos alunos e estudiosos seguem trabalhando e se aprofundando hoje em dia.

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