terça-feira, 22 de abril de 2008

As gaúchas construtoras de uma nação

Há 23 anos, as primeiras irmãs gaúchas do Imaculado Coração de Maria começaram a chegar a Jérémie, no interior do Haiti. O país ainda não vivia o caos que se estabeleceu após a saída do presidente Jean-Bertrand Aristide, em 2004, e a posterior intervenção das forças da ONU, lideradas pelo Brasil. De lá para cá, as religiosas adaptaram-se à miséria para levar à população não apenas conforto espiritual, mas sobretudo noções de cidadania. Até terça-feira, você vai conhecer o Haiti dos haitianos, o coração do país mais pobre das Américas.

A poeira branca que toma conta de boa parte da paisagem no Haiti ainda não tinha assentado no aeroporto de Jérémie, a cidade dos poetas, localizada a 280 quilômetros da capital, Porto Príncipe. Passava das 10h do dia 17 de março. Logo que descemos do avião, uma mulher de sorriso espontâneo e feições delicadas veio nos encontrar. Até aquele momento nos conhecíamos apenas por fotos. Mas não havia dúvidas. A mulher que se aproximava era uma das "mè brèzilyen" (irmãs brasileiras, em créole). As religiosas gaúchas do Imaculado Coração de Maria deixaram suas famílias, o trabalho remunerado e uma vida no Brasil por um objetivo: ajudar os haitianos a reconstruir sua nação.

A irmã que nos recepcionou no aeroporto é a mais jovem do grupo de cinco religiosas gaúchas que vivem no país. Lorena Barbosa, 36 anos, de Nova Prata, vive há três anos no Haiti. Formada em Ciências Sociais, a freira chegou ao país caribenho quase por acaso:

- Minha idéia era atuar na missão em Moçambique. Sabia que, para vir para cá, teria de ter uma estrutura psicológica muito grande, sem falar nas barreiras culturais, que eram outro problema - recorda a religiosa.

Dificuldade com o idioma créole é um dos desafios

Lorena, contudo, acabou sendo indicada pela congregação para atuar no Haiti. Poderia ter recusado a missão, mas a opção sequer foi cogitada. Desde junho de 2005, o Haiti passou a ser a casa da religiosa.

- Cheguei há ficar três meses sem conseguir me comunicar. Não entendia o créole - recorda, referindo-se ao idioma (originado do francês) que é símbolo da resistência e da libertação do país.

Nos cinco quilômetros entre o aeroporto e o bairro de Karakoly, onde moram três das religiosas gaúchas, irmã Lorena provou estar completamente adaptada ao país. Por onde passava, era saudada pelos haitianos e sempre conversava com eles em um créole afiado. Foi assim até chegarmos à casa das religiosas, onde a irmã Adorema DallOngaro, de Faxinal do Soturno, aguardava-nos com um café da manhã tipicamente haitiano: omelete com cebolas e suco de veritab, fruta típica da região.

Aos 60 anos, a enfermeira formada em Santa Maria pela antiga Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira (Facem) - atual Unifra - é considerada uma estreante no Haiti. Está há 18 meses no país e ainda enfrenta problemas de adaptação com a língua. As dificuldades, contudo, não a impedem de realizar seu trabalho, voltado para a saúde do povo.

Irmã Neuza Lovis, 40 anos, de Frederico Westphalen, esperava-nos para a primeira atividade em Jérémie. Formada em Ciências Contábeis e há seis anos no Haiti, ela estava na companhia das pioneiras do trabalho da congregação no país caribenho: as professoras e religiosas Santina Perin, 67 anos, de Marau, e Davina Cardoso, 70 anos, de Torres. Começava, de fato, nossa aventura de cinco dias na companhia das "mè brèzylien".


Zero Hora, 22/04/2008.

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