terça-feira, 15 de abril de 2008

Aprendendo com o crime

Por MOACYR SCLIAR



Agora: como poderia ele imaginar que um cego, e ainda por cima franzino, teria tamanha força nos braços?

1 - Evitando fatores de risco

Mulher branca e rica é maior vítima de crime. O fator que mais contribui para aumentar a chance de ser vítima de roubo, furto, assalto é portar armas. Outros fatores: freqüentar eventos sociais, morar em áreas de alto padrão, ser mulher. Cotidiano, 31 de março de 2008.

ELA ACREDITAVA MUITO em estudos e pesquisas científicas. Por isso, quando leu as estatísticas a respeito das vítimas mais freqüentes de crimes, decidiu tomar suas providências. Rica e viúva, era algo que sem dúvida precisava fazer.
Portar arma aumentava a chance de assalto? Imediatamente tratou de livrar-se da pequena pistola que usava na bolsa. Aliás, nem sabia usar aquela coisa. Mas, se um assaltante descobrisse que tinha arma, obviamente se transformaria em vítima preferencial. Naquela noite, voltando de uma festa, passou de carro por um pequeno lago; aproveitou a oportunidade, abriu a janela e jogou a pistola na água. Enquanto fazia isso, um homem se aproximou e assaltou-a. Tirou-lhe a bolsa, as jóias e deu-lhe uma surra.
O que serviu de advertência. Fora assaltada enquanto voltava da festa? Previsível: freqüentar eventos sociais era fator de risco. Deixou de fazê-lo. Já não saía mais da casa, situada num elegante bairro. E na casa foi assaltada. Como disse o ladrão, morando sozinha e sendo mulher, ela estava pedindo.
Resta outro fator de risco: ela é mulher. E está pensando muito a respeito. Ainda não decidiu nada, mas já tem o telefone de um cirurgião que faz operação de mudança de sexo.

2 - O pior cego

Quando viu Valtemir da Silva, 38, vendedor ambulante cego, caminhando pelo centro de São José do Rio Preto, César Pereira, 28, achou que ele seria alvo fácil para uma tentativa de roubo. Mero engano: ao levar um esbarrão e ter o telefone celular roubado, o franzino Silva reagiu, imobilizou o ladrão e pediu ajuda.
A Polícia Militar deteve Pereira. O assaltante negou o crime, mas foi descoberto quando, subitamente, o celular tocou: o aparelho estava na cueca dele. Cotidiano

AO DELEGADO, O assaltante contou que estava apenas começando na carreira do crime. E começando mal, tinha de reconhecer. Fracassara em sua primeira tentativa de assalto e agora estava ali, na delegacia, prestes a curtir uma temporada na prisão. Mas alguma coisa aprendera com o insucesso. Na verdade, duas coisas.
A primeira delas: facilidades são enganosas. Vendo o cego, achara que ali estava a vítima ideal: um homem que caminhava com dificuldade, tateando o chão com sua bengala.
E que levava um celular preso à cintura, pedindo para ser arrebatado. Agora: como poderia ele imaginar que um cego, e ainda por cima franzino, teria tamanha força nos braços? E fora exatamente isso que acontecera: o cego o prendera num abraço poderoso, que nada tinha de afetivo: queria apenas imobilizá-lo até que chegasse a polícia.
Segunda coisa: fora um erro colocar o celular na cueca. Aliás, isso ele já deveria saber, depois daquela experiência dos caras presos com um monte de dólares nas cuecas. Um incidente que divertira todo o país e que poderia lhe ter servido de advertência.
Esses erros ele não mais cometeria. Daí por diante, na senda do crime, manteria os olhos bem abertos. Como dizia um vizinho seu, o pior cego é aquele que não quer ver. E o vizinho seguramente sabia do que estava falando. Porque era cego e nunca fora assaltado.

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