Investigado por comitês de inteligência da Câmara dos Deputados e do Senado dos EUA e também pelo FBI por possível envolvimento com a interferência da Rússia nas eleições presidenciais americanas, o general reformado Michael Flynn, que foi demitido do cargo de assessor de segurança nacional no 24º dia do governo Trump, pediu imunidade para depor — um pedido que os congressistas e o FBI não sabem se devem ou não aceitar.
O pedido de imunidade para contar o que sabe não se enquadra no esquema de delação premiada, por dois motivos: os investigadores ainda não sabem o que Michael Flynn tem para revelar; imunidades só são concedidas, normalmente, em casos de delação premiada.
No caso, a delação teria de ser de um peixe grande, maior do que o próprio “assessor de segurança nacional”. E o único peixe maior que ele seria apenas o presidente Donald Trump. Em outras palavras, Flynn teria de ter informações que comprometessem Trump, o que poderia resultar em pedido de impeachment do presidente.
A história que Flynn poderia contar já é mais ou menos conhecida. Segundo os órgãos de segurança americanos, os russos invadiram o sistema de computação do Partido Democrata durante as eleições. Com o hacking dos computadores, foram divulgados e-mails comprometedores do comitê de campanha da candidata democrata Hilary Clinton, o que a prejudicou nas eleições.
Com a asserção dos órgãos se segurança, o então presidente Obama aprovou medidas punitivas contra a Rússia, antes da posse do presidente Trump. Nesse período de transição de governo, Flynn teria conversado, por telefone, com o embaixador da Rússia, Sergey Kislyak, possivelmente prometendo reverter as sanções impostas por Obama em retaliação à interferência da Rússia nas eleições americanas, assim que Trump assumisse o poder.
Ao discutir as sanções com o embaixador russo, Flynn violou a lei americana que proíbe a qualquer pessoa que não exerce um cargo público apropriado de exercer qualquer tipo de função diplomática, em nome do governo dos EUA. Quando essas negociações vieram à tona, Flynn as negou tanto em declarações oficiais, como em uma conversa com o vice-presidente Mike Pence. Os órgãos de segurança haviam gravado as conversas entre Flynn e o embaixador russo, o que evidenciou outro crime: mentir para autoridade governamental.
Imunidade ou não
No momento, não há sequer uma tendência de consenso sobre se o Congresso e o FBI devem ou não conceder imunidade para o general Flynn depor. As autoridades, que vão atuar como investigadores e, se houver crime, iniciar uma ação criminal, devem colocar na balança a obrigação de fazer justiça e punir quem violou a lei contra os benefícios de descobrir a verdade — e, quem sabe, punir outros violadores da lei.
“Normalmente, o governo não tem interesse em garantir imunidade a investigados. A função das autoridades governamentais é processar aqueles que cometem crime e não de simplesmente ouvir suas histórias. Conceder imunidade a um investigado não garante que ele irá dizer a verdade. E, com imunidade, é mais provável que o investigado irá adaptar suas palavras e sua história da maneira que lhe for mais conveniente”, disse ao Washington Post o advogado criminalista Todd Bussert.
Para ele, o governo não concede imunidade só para ouvir uma confissão. As autoridades governamentais só concedem imunidade quando eles sabem que informações a pessoa pode dar. “Os promotores, por exemplo, podem oferecer uma pena menor em troca de cooperação com as investigações, mas nunca irão deixar um culpado escapar da punição”, ele disse.
Mas Bussert reconhece que, no entanto, não é incomum que alguém sob investigação federal queira imunidade, antes de começar a depor. “Mesmo que você não fez nada errado, há um medo de que alguma coisa que diga possa ser usada contra você”, disse o advogado.
O advogado Robert Kelner, que representa o general Flynn, sustenta a mesma ideia: “Nenhuma pessoa razoável, que tem o benefício da representação por um advogado, iria se submeter a um questionamento em um ambiente altamente politizado, de caça às bruxas, como esse, sem garantias contra um processo injusto”, ele declarou.
O New York Times é a favor de conceder imunidade ao general Flynn. O jornal declara, em sua página de opinião, que esse é um caso diferente de investigações criminais comuns. “Encontrar a verdade é mais importante do que punir o culpado, porque isso é fundamental para a segurança nacional e para o futuro da democracia”, afirma o jornal, referindo-se ao fato de que os russos invadiram os computadores do Partido Democrata para interferir nos resultados das eleições presidenciais a favor de Trump.
Mas essa é uma experiência que os americanos já tiveram e não gostaram. Em 1990, o Congresso concedeu imunidade ao coronel Oliver North, que era parte do Conselho de Segurança Nacional do governo Reagan, foi o pivô do “escândalo Irã-Contras”, em um esquema de trocas de armas por reféns presos na Nicarágua pelos sandinistas.
Na investigação do Congresso, North contribuiu muito pouco para esclarecer a história, porque abusou da declaração de que não se recordava dos fatos. Mas a imunidade que lhe foi concedida serviu para atrapalhar as condenações criminais que lhe foram impostas. Ele foi condenado por suborno, destruição de documentos e obstrução das investigações do Congresso. Mas um tribunal de recursos anulou todas as condenações, porque seu testemunho ao Congresso estava protegido pela imunidade.
O advogado do general Flynn deve estar seguindo a mesma estratégia: conseguir imunidade para depor no Congresso e no FBI, falar o que sabe, tenha isso algum significado ou não, e deixar que a imunidade turve as águas de qualquer processo criminal contra ele.
Revista Consultor Jurídico, 4 de abril de 2017.
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