sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Bullying nas escolas

Cléo Fante, coordenadora da mais abrangente pesquisa sobre o tema, explica os desafios para combater o problema entre alunos.

Entrevistabullying

Cléo Fante, coordenadora da mais abrangente pesquisa sobre o tema, explica os desafios para combater o problema entre alunos
O bullying é um fenômeno que não faz distinção de camadas sociais e está presente em escolas públicas e particulares do mundo inteiro. Tem características semelhantes em qualquer país, mas no Brasil tem uma particularidade: só aqui a maioria dos casos – 21% – ocorre dentro da sala de aula, e não no pátio da escola. É o que mostra a pesquisa O Bullying Escolar no Brasil, organizada pela Plan Internacional, uma ONG voltada para os direitos da infância. O estudo é o primeiro a abranger escolas de todas as regiões do País: foram ouvidos 5.168 alunos, entre 5ª e 8ª série, professores, gestores de instituições de ensino e familiares de estudantes. Responsável pela aplicação e análise dos dados da pesquisa, Cléo Fante, consultora educacional e pioneira em estudos brasileiros sobre o bullying, ressalta que tanto o aluno-vítima quanto o agressor tendem a baixar seu rendimento escolar. O primeiro porque passa a maior parte do tempo angustiado, o segundo porque se distrai mais. Nesta entrevista, a pesquisadora explica essas e outras conclusões do estudo e aborda questões que os professores precisam saber para lidar com o problema na escola.
Carta Fundamental: Existe uma certa confusão sobre o que é exatamente o bullying. Como a senhora o define?
Cléo Fante: Especialistas costumam defini-lo como agressão física ou verbal de um ou mais alunos contra um mesmo colega, ocorrendo repetidamente e sem haver motivo para tal. Também é caracterizado por uma relação desigual de poder, apesar de ser praticada entre iguais, os estudantes. Se um professor pega no pé de um aluno, não é bullying. Na pesquisa, levam esse nome as ações com essas características que ocorreram ao menos três vezes durante o período letivo. Se dois alunos brigam por um motivo qualquer, não é. Se alguém é vítima de constrangimento por um ou mais alunos, várias vezes, é considerado bullying.
CF: Quando começou a haver uma preocupação no Brasil em relação ao problema?
CF: O bullying começou a ser estudado na Escandinávia, nos anos 70. O pesquisador sueco Dan Olweus, professor da Universidade de Bergen, na Noruega, organizava pesquisas para analisar o tema porque percebeu haver um alto índice de relação entre suicídios e vitimização de maus-tratos por colegas no ambiente escolar (a Finlândia, país escandinavo, registrou um massacre de aluno recente, em 2007). A partir desses estudos é que o assunto começou a ser analisado com mais intensidade em outros países. No Brasil, os primeiros estudos datam do ano 2000, e de lá para cá o assunto ganhou muita repercussão por conta de dois casos específicos, que ocorreram no intervalo de um ano. Em 2003, em Taiúva (SP), um ex-estudante de 18 anos foi até a escola onde concluiu o Ensino Médio portando uma arma. Feriu oito pessoas e cometeu suicídio. A polícia apurou que tudo ocorreu porque ele não tinha esquecido os maus-tratos que sofrera de colegas quando estudava naquela escola. Outro caso ocorreu em 2004, em Remanso (BA). Um aluno de 17 anos foi armado para a escola. Ele matou um colega e a professora de informática de quem não gostava, além de deixar outros feridos. Tudo ocorreu porque ele sofria gozações constantes dos colegas. Desde então, a repercussão na mídia aumentou muito.
CF: Em que o estudo da Plan difere das demais pesquisas que foram feitas sobre o tema?
CF: A diferença é a sua abrangência nacional: foram estudadas cinco escolas, cada uma de uma região específica do País, o que permite estudar o fenômeno nacionalmente. Isso nunca havia sido feito. Outra coisa é que agora foi feito em caráter exploratório. Além de convidar os envolvidos nessas escolas a preencher um questionário, houve uma fase qualitativa. Analisamos grupos de estudantes, professores, gestores de escola e pais. Também ouvimos as histórias, seus conceitos sobre o problema e as atitudes que eles costumam tomar a respeito.
CF: A pesquisa da Plan mostrou uma característica nos casos de bullying no Brasil: a maior parte dos maus-tratos ocorre dentro da sala de aula. É possível identificar a causa de tal peculiaridade?
CF: A pesquisa mostra que, no País, 21% dos casos relatados ocorreram dentro da sala de aula. Sobretudo em escolas públicas, muitas vezes os professores faltam e os alunos ficam dentro da sala sem supervisão, o que facilita a ocorrência de maus-tratos. No entanto, há também muitos casos que se dão mesmo com o professor presente. São vários os motivos para isso. Primeiro, às vezes, o professor dá aula para 50 alunos em um mesmo ambiente. É difícil monitorar todos. Mas os dados apontam que há casos de despreparo dos profissionais para lidar com a questão. Algumas vezes, os próprios professores têm uma postura um tanto agressiva em relação a um ou outro aluno, o que serve de exemplo negativo a outros estudantes. Há também professores que não percebem o bullying ou que não o diferenciam das brincadeiras comuns.
CF: Existe uma relação entre o bullying e problemas sociais enfrentados pelos estudantes?
CF: Não, o bullying, na verdade, existe desde que a escola existe. E é universal: em qualquer escola de qualquer país, desenvolvido ou não, o problema está presente. O que existe, em verdade, é uma desconfiança entre pais e escola. Um põe a culpa no outro: pais de alunos costumam achar que o problema está na escola, que não tem autoridade suficiente e não sabe lidar com os alunos. Já professores e escolas pensam que o problema vem de casa, que o aluno traz seus problemas para o ambiente escolar.
CF: Como a escola deve tratar os alunos agressores?
CF: Chamar os pais dos alunos que mais têm relação com os maus-tratos para conversar é uma ideia. Também existem escolas que dão palestras a respeito. Quando os pais são atuantes junto à escola, este problema tende a atenuar. Mas nem sempre os pais participam dessas conversas.
CF: Além dos problemas emocionais, a pesquisa mostra que existe relação entre sofrer maus-tratos na escola e mau desempenho?
CF: Sem dúvida, tanto no desempenho da vítima quanto do agressor. A vítima passa o tempo todo angustiada, pensando o que pode acontecer e quando vai ouvir xingamentos novamente. Quanto ao agressor, ele passa muito tempo distraído praticando o ato. Isso pode até gerar casos mais graves, como estudantes que deixam a escola porque, na cabeça dele, a instituição está associada a maus-tratos.
CF: Existe alguma fase da vida escolar em que o bullying é mais recorrente?
CF: Ele está presente em todos os anos, mas sua maior frequência ocorre da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental. Os picos são na 5ª série e, sobretudo, na 6ª série. O bullying segue presente pelo Ensino Médio, chegando até a faculdade. Mas nessas fases os alunos agressores acabam sendo repelidos com maior frequência. Os estudantes, a partir dos 15 anos, começam a priorizar várias coisas, como namorar, por exemplo, e acabam deixando de lado essa necessidade de autoafirmação em grupo. Os alunos que insistem no ato acabam sendo afastados do convívio da maioria.
CF: O que muda nos maus-tratos provocados por meninos daqueles provocados por meninas?
CF: Os meninos costumam apresentar maior frequência de atos físicos e, muitas vezes, batem e chutam. Não que isso deixe de ocorrer com as estudantes. Mas, as garotas costumam praticar atos ofensivos por meio de palavras, espalhando boatos maldosos, por exemplo.
CF: Sobre o número de alunos que viram colegas serem maltratados, a pesquisa revelou uma disparidade entre as regiões do País. No Sudeste, 47% dos estudantes declararam ter vivenciado situações assim. No Norte, este número cai para 23,7%. Que conclusões podemos tirar desta diferença?
CF: Primeiro, pode significar que, realmente, o bullying é mais comum na Região Sudeste em relação à Norte. Por outro, também deixa dúvidas sobre a definição de bullying entre os alunos. É possível que a percepção do que é um ato de violência gratuita persistente sobre um colega seja diferente entre as regiões.
CF: O bullying ganhou uma nova vertente: a das redes sociais. Como as escolas podem agir para combater a prática de maus-tratos entre colegas na internet?
CF: Esse problema existe e está cada dia mais forte. Alunos são maltratados por colegas no Orkut, Youtube etc. O agravante é que dificilmente um aluno é difamado por colegas dentro da escola. Geralmente, o cyberbullying, como é chamado, surge em casa ou nas lan houses. As escolas podem trabalhar a questão da conscientização junto aos alunos e suas famílias.
CF: Como o estudo sobre o bullying no Brasil é recente, os professores vêm sendo preparados para lidar com o problema?

CF: Apesar de recente, há cada vez mais cuidado com o tema. Há professores que incluem a discussão em suas respectivas cátedras. Há muitas palestras e workshops para os formandos e professores. Sei que a Unifran e a Unicamp, por exemplo, trabalham muito o assunto. O fato de a mídia falar bastante a respeito contribui para o conhecimento do problema. Os casos de Taiúva e Remanso levantaram muita discussão. Também existe um esforço governamental a respeito: em Santa Catarina, por exemplo, há agora uma lei que visa combater o bullying nas escolas do estado (Lei Estadual nº14.651, sancionada em janeiro de 2009, chamada de Programa de Combate ao Bullying). Cada vez mais, outros governos tomam atitudes semelhantes, o que indica uma evolução.

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