segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Justiça na ação comunitária

* Wagner Dias Ferreira


Em tempos de programa do Governo de moradia denominado “Minha Casa Minha Vida”, muitos de nós poderíamos pensar que o tema da posse estaria fora de contexto nos ambientes urbanos e também que este tema não seria possível em uma capital do Brasil.

A recente ocupação da sede da prefeitura de Belo Horizonte, que obrigou o prefeito a alterar sua agenda para sentar-se com os manifestantes e despertar para as necessidades mais primárias dessas pessoas, mostrou que o tema é premente.
Noutro giro, a percepção de que o debate entre posse e propriedade revela, em pequenas realidades, a natureza extremamente conflituosa do capitalismo. Não o conflito saudável, que faz a humanidade crescer, mas aquele que desnuda o horror humano.
A região da Pampulha em Belo Horizonte possui ainda muitas realidades em que o debate de posse e propriedade encontra-se absolutamente precário. E esta realidade muitas vezes traz, a relevo, histórias de abuso da força e do poder econômico. O debate entre posse e propriedade sempre foi a luta do fraco contra o forte.
Recentemente, no bairro Enseada das Garças, um homem, já de idade avançada, foi beneficiado com uma liminar de manutenção de posse, expressando situação onde o fraco é fortalecido pela justiça no enfrentamento do forte.
Vivendo em um imóvel no bairro Enseada das Garças  há mais de 20 anos, este senhor idoso viu seu momento de vida, que deveria expressar certa tranquilidade, ser transformado drasticamente em uma batalha pela dignidade, honra e justiça.
Eis que foi interpelado por um jovem e milionário jogador de futebol arguindo que era o novo dono daquelas terras e que o velho deveria sair.
A comunidade dos vizinhos, que acompanhava o casal de velhinhos, integrando a ambos e a seus familiares a diversas atividades sociais imediatamente acionaram órgãos de Direitos Humanos que prontamente atuaram para a defesa daquelas pessoas.
Inicialmente, o jogador apresentou resistência em receber a comunicação de que havia contra si um processo de manutenção de posse. No entanto, ele promoveu ação de despejo contra o velho senhor que ele queria retirar do imóvel. Esse tipo de ação é permitida quando a pessoa pretende desocupar imóvel onde a posse foi cedida por meio de contrato de aluguel. Já a manutenção de posse visa proteger a posse adquirida licitamente, mas sem contrato, e que tenha se prolongado no tempo. Neste último caso, é uma proteção ao possuidor que é oponível inclusive ao proprietário do imóvel.
Diante da relutância do jogador de futebol em receber a notificação do processo possessório que era movido contra si e de sua ousadia em mover contra o idoso ação de despejo, a juíza responsável pelo processo possessório acolheu o pedido de liminar, mesmo sem ouvir antecipadamente o jogador. E ainda determinou a reunião dos processos, para que ela fosse a juíza a julgar os dois processos. Afinal de contas, as partes eram idênticas e, em ambos os processos, o debate é a posse do imóvel.
Esta é uma vitória importante para a dignidade humana, para a honra e para a justiça. O fato do senhor mais velho ter obtido apoio de pessoas integradas aos movimentos sociais, já que levava uma vida participante, engajada, evitando estar sozinho e isolado, foi de fundamental importância e continuará sendo (já que o processo não terminou) para que estas pessoas mantenham seus direitos, sua integridade, sua dignidade e porque não dizer suas vidas preservadas.
O judiciário sozinho é incapaz de alcançar realidades importantes e fundamentais da vida humana. É preciso que ativistas sociais e de direitos humanos estejam atentos àqueles setores que poderiam estar sendo alijados de direitos e garantias fundamentais para apoiar estas pessoas que muitas vezes não têm energia para superar a sufocação provocada pelo peso de uma sociedade desigual e excludente.
O excluído muitas vezes não tem forças para reagir e garantir o seu espaço e seus direitos necessitando que os grupos de promoção humana reajam primeiro e depois apoiem o empoderamento dessas pessoas para que elas se tornem agentes de seus próprios direitos e, defendendo a si mesmos, cresçam a ponto de se tornarem defensores de terceiros.


* Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG

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