Por Jadir Cirqueira de Souza*
Artigo publicado na 36ª edição do Jornal Estado de Direito.
A violência escolar praticada pelos alunos encontra-se na pauta diária meios de comunicação e nas universidades européias, segundo Éric Debarbieux, na obraViolência na escola: um desafio mundial? Nos debates travados, notadamente quando ocorrem homicídios e suicídios muitos especialistas apresentam soluções em duas vertentes: mais policiais nas escolas e a melhoria da qualidade da educação. Porém, passada a fase do interesse jornalístico, as propostas são esquecidas para serem reativadas, na próxima tragédia escolar.
Além delas, parece-me que as principais ainda passam distante dos debates: como tornarem-se efetivos os paradigmas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nas escolas brasileiras? os sistemas de educação e de justiça possuem condições de oferecer suficiente resposta às múltiplas formas de violência escolar? De outro lado, as escolas recebem muitos alunos, na qualidade de vítimas de maus-tratos, praticantes de atos infracionais e indisciplinados e não podem, por força de lei, abandoná-los à própria sorte. A partir do obrigatório conhecimento do ECA, como proteger as vítimas de maus-tratos, reduzir os índices de indisciplina e denunciar aqueles que praticaram atos infracionais (crimes e contravenções penais)?
Segundo o livro Violência escolar, algumas medidas são necessárias, sendo uma das principais a inclusão do ensino do ECA nos currículos, sobretudo nos cursos superiores de Pedagogia e Direito, posto que as discussões sobre as formas de violência, as definições mais importantes e os partícipes das relações jurídicas exigem o domínio dos fundamentos estatutários, sob pena da temática ficar no plano da retórica vazia.
Abstraindo-se da discussão relativa à necessária lei federal, a primeira medida centra-se na adequação do Regimento Interno escolar aos parâmetros legais vigentes. Regras claras sobre direitos e deveres dos alunos, pais, professores e direção; estabelecimento de regras de procedimento para apuração das infrações escolares, exclusivamente as mais graves; e a fixação de punições compatíveis formam o arcabouço administrativo, seguindo-se as lições de Odete Medauar no livro A processualidade no direito administrativo.
Além do excepcional aspecto punitivo de natureza administrativa, os dirigentes das instituições devem primar pela constante melhoria da qualidade do ensino, sob pena das escolas serem transformadas em tribunais, desfigurando-se suas reais funções. Escolas limpas e confortáveis, aulas interessantes, além de corpo docente motivado, na linha das lições do livro Aula nota 10, de Doug Lemov são excelentes antídotos contra a violência, sendo, na verdade, mais eficazes do que a mera punição.
Paralelamente, segundo o princípio estatutário da municipalização, o Poder Público deverá ser sensibilizado para criar dois programas de apoio às escolas, previstos no art. 90, I e II do ECA: o programa de orientação e apoio sócio-familiar(I) e o de apoio sócio-educativo em meio aberto(II), ambos voltados para a integral proteção dos direitos das vítimas.
Também deverá ser aperfeiçoado o sistema de apuração dos atos infracionais que ocorrem nas escolas. De modo contrário às regras preconizadas na legislação, nas hipóteses de atos infracionais graves, simplesmente o aluno-autor é convidado a retirar-se da escola, mediante a assinatura de um inválido pedido de transferência. A benevolente atuação escolar passa para vítimas e autores a forte sensação de impunidade e péssimo exemplo aos demais.
Todos os adolescentes que praticam injustificáveis atos infracionais, de acordo com a lei devem ser apreendidos pela Polícia Militar, indiciados e/ou autuados na Polícia Civil, representados pelo Ministério Público e punidos pelo Poder Judiciário. Além da punição estatal, os municípios e os estados-membros devem implantar as entidades e os programas para o cumprimento das medidas sócio-educativas em meio aberto e fechado.
Assim, a redução da violência escolar requer melhorias na qualidade da educação com a valorização e a formação continuada do corpo docente; elaboração da lei federal que trata das medidas disciplinares e, no vácuo legislativo, a reformulação do Regimento Interno com a fixação das penalidades, tipos de infrações e o devido processo administrativo interno; criação dos programas municipais previstos no art. 90 do ECA no sentido de proteger as vítimas do bullying; e, finalmente, a punição dos culpados com o cumprimento das decisões judiciais, a partir da implantação do sistema de cumprimento das medidas socioeducativas.
*Promotor de Justiça e autor dos livros Violência escolar(no prelo), Efetividade dos direitos da criança e do adolescente e Curso de direito constitucional, Ed. Pillares-SP.
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