ALICE BIANCHINI*
Pesquisador: Danilo Cymrot**
Em artigo anterior, verificamos que em2006 asociedade civil acreditava que as mulheres estavam denunciando mais seus agressores, principalmente em virtude de terem mais informação e serem mais independentes.
Tal percepção sofreu uma drástica redução no ano de 2009: somente 4% das mulheres entrevistadas acreditavam que as vítimas costumavam denunciar a agressão às autoridades. Outras 45% disseram que as vítimas denunciam “às vezes” (Pesquisa DataSenado). Em 2011 houve uma pequena recuperação, passando para 8% o percentual das entrevistadas que respondeu no sentido de que as mulheres que sofrem agressão denunciam o fato às autoridades na maioria das vezes; 63% das entrevistadas responderam que as mulheres denunciam o fato na minoria das vezes; 27%, que não denunciam (Pesquisa DataSenado).
Antes da vigência da Lei Maria da Penha, pesquisa DataSenado 2005 havia constatado que 22% das entrevistadas que se declararam vítimas de violência afirmaram que foram procurar ajuda da família após a última agressão; 22%, uma Delegacia da Mulher; 16%, uma delegacia comum; 6%, a ajuda de amigos; 19% silenciaram; e 15% não responderam. Dois anos depois (Pesquisa DataSenado 2007) tais dados mostram-se mais preocupantes: do total de vítimas, 27,6% não fizeram nada; 22,8% denunciaram em delegacia comum; 18,7% denunciaram em Delegacia da Mulher; 17,1% procuraram ajuda da família; 8,1% procuraram ajuda dos amigos; e 5,7% não responderam.[1] Já em 2009 (Pesquisa DataSenado), dentre as 160 entrevistadas que sofreram violência, 28% denunciaram o agressor.
O impacto da discussão acerca da natureza da ação penal (se incondicionada ou condicionada à representação) foi medido em 2009 pela Pesquisa DataSenado,ocasião em que 62% das entrevistadas acreditavam que o fato de a mulher não poder mais retirar a “queixa” fazia com que ela desistisse de denunciar o agressor. Em 2011 essa cifra aumentou para 64% (DataSenado).
Ainda sobre o tema, convém informar que, de acordo com pesquisa realizada pelo IPEA no final de 2010 agrande maioria da população brasileira (91%) entende que crimes de violência doméstica contra a mulher devem ser investigados independentemente da vontade da vítima (http://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/sips_genero2010.pdf). Homens e mulheres estão bastante concordes, com percentual equivalente (90,6% e 91,4%).
Outra análise importante para se entender o fenômeno relativo à falta de comunicação pela mulher acerca da violência de que é vitima, diz respeito ao apoio que ela deveria receber das instituições públicas (e privadas, em alguns casos). Dados da Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), mostram que a reclamação dos serviços da rede de atendimento à mulher totalizaram 5.302 registros, o que corresponde a um aumento de 91,1% quando comparados ao ano anterior (2.774). Dessas queixas, 85% se referem à segurança pública (4.510). As Delegacias Comuns tiveram 2.308 registros, o que corresponde a 43,5% do total; as Delegacias, Seções e Postos de Atendimento Especializados da Mulher tiveram 1.147 (21,6%) e o Disque 190, 1.055 registros (19,8%). Os tipos de reclamações mais freqüentes são: a falta de providências sobre o Boletim de Ocorrência (939 situações); a recusa em registrar o Boletim de Ocorrência (925); a omissão (691); o atendimento inadequado (563); e o despreparo em casos de violência doméstica (536).[2]
Pesquisa do ano de 2011 (DataSenado) revelou que 11% das mulheres que se declararam vítimas de violência denunciaram em Delegacia da Mulher após a última agressão, 17%, denunciaram em delegacia comum; 5%, procuraram ajuda dos amigos; 16%, procuraram ajuda da família; 5%, procuraram Igreja; 22% escolheram outra opção e 23% não fizeram nada. Trinta e seis por cento das vítimas responderam que procuraram ajuda quando foram agredidas na primeira vez; 5%, na segunda vez; 24%, na terceira vez ou mais; 29% não procuraram ajuda; e 5% não responderam ou não souberam responder.
Das que responderam que não fizeram nada, 31% responderam que foi por causa da preocupação com a criação dos filhos; 20%, por medo de vingança do agressor; 12%, por vergonha da agressão; 12%, por acreditar que seria a última vez; 5%, por dependência financeira; 3%, por acreditarem que não existe punição; e 17% escolheram outra opção.
Ainda segundo a mesma pesquisa (DataSenado 2011), das entrevistadas que se declararam vítimas de violência e que não denunciaram, 20% disseram que foi por causa do medo, enquanto que 68% das entrevistadas em geral (aqui computando, portanto, as vítimas e as que não estão nessa situação) acreditam que o que leva uma mulher agredida a não denunciar é o medo do agressor.
As motivações para a não comunicação da agressão acima mencionadas estão muito próximas à percepção da sociedade em relação ao mesmo fenômeno. Conforme artigo publicado anteriormente, foram mencionados pelos entrevistados como motivadores da passividade feminina frente ao problema da violência os seguintes fatores: medo do agressor, dependência financeira e afetiva em relação ao agressor, não conhecer os seus direitos, não ter onde denunciar, percepção de que nada acontece com o agressor quando denunciado, falta de autoestima, preocupação com a criação dos filhos e em preservar o casamento e a família, vergonha de se separar e de admitir que é agredida, acreditar que seria a última vez, ser aconselhada pela família ou pelo delegado a não “denunciar”, não poder mais retirar a “queixa”.
Como se pode perceber, seis são comuns tanto às vítimas de agressão, quanto à sociedade em geral. São eles: (1) medo do agressor, (2) dependência financeira, (3) percepção de que nada acontece com o agressor quando denunciado, (4) preocupação com a criação dos filhos, (5) vergonha de se separar e de admitir que é agredida e (6) acreditar que seria a última vez.
Em relação à agressão, tem-se, esquematicamente, o seguinte quadro de ações realizadas pelas vítimas, conforme dados trazidos anteriormente:
Analisando os dados acima, constata-se que, dentre as mulheres vítimas de violência, tem diminuído os casos de comunicação da agressão junto à autoridade policial. Ao mesmo tempo, constata-se que a quantidade de mulheres que se declaram vítimas de agressão aumentou de 17% (Pesquisa DataSenado 2005) para 19% (Pesquisa DataSenado 2011).
Sabemos os motivos pelos quais as vítimas não comunicam a agressão às autoridades policiais, mas não sabemos o que causou uma diminuição em relação a tal comunicação. Uma possibilidade: descrédito na Lei, no sentido de ela não estar atendendo aos anseios de proteção da vítima, ou seja, falta de eficácia das medidas protetivas de urgência.
* Alice Bianchini, Doutora em Direito Penal (PUC-SP). Mestre em Direito (UFSC). Diretora do Instituto LivroeNet e do Portal www. atualidadesdodireito.com.br. Coordenadora do Curso de Especialização em Ciências penais da Anhanguera-Uniderp/LFG. Presidenta do IPAN – Instituto Panamericano de Política Criminal. Possui diversos livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.
[1] Na época, o Brasil contava com 387 delegacias especiais.
[2]http://www.sepm.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2011/02/em-2010-a-central-de-atendimento-a-mulher-2013-ligue-180-2013-registrou-734-416-atendimentos
Ver, também, da mesma série, com a palavra a vítima:
Quais os tipos de violência praticados contra a mulher no âmbito doméstico? Com a palavra, a vítima.
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Fonte: Atualidades do Direito. Alice Bianchini.
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