quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A cada 11 minutos, pelo menos uma pessoa desaparece no Brasil


Levantamento em 19 estados indica que foram registrados, em 2011, 51.703 casos

Sandra Moreno mostra foto da filha, Ana Paula, desaparecida em 2009: quarto preservado
Foto: Michel Filho / Agência O Globo
Sandra Moreno mostra foto da filha, Ana Paula, desaparecida em 2009: quarto preservado
MICHEL FILHO / AGÊNCIA O GLOBO

SÃO PAULO - O número de casos de desaparecimento de pessoas no país é muito maior do que estimam o governo e entidades civis organizadas. Um levantamento inédito feito pelo GLOBO, em 19 estados, para identificar o tamanho desse problema revelou números alarmantes: em 2011, uma pessoa desapareceu no Brasil, em média, a cada 11 minutos. Foram 141 por dia e, ao todo, 51.703 mil casos registrados em delegacias de polícia. Para as estimativas oficiais, eles seriam cerca de 40 mil por ano.


No próximo mês, o cadastro nacional de pessoas desaparecidas completará dois anos do seu lançamento e, apesar de todas as promessas feitas pelo governo federal na época, o sistema, até hoje, não entrou em operação e o Ministério da Justiça sequer tem conhecimento de quantos são os casos de crianças e adultos nessa situação.

Para ter uma ideia de como o assunto tem sido tratado pelo governo, a mais recente iniciativa nessa área ocorreu em 2002, com a criação de um site para divulgar fotos e dados de desaparecidos. A página não é atualizada há pelo menos dois anos, e hoje tem 557 casos.

Na esfera estadual o descaso não é diferente. Oito estados não apresentaram ao GLOBO dados sobre esse tipo de ocorrência, revelando uma situação de total descontrole no trato da questão. Foram eles: Ceará, Alagoas, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraíba e Rondônia.
Isso significa que o número de desaparecidos no país é ainda maior do que os 51.703 — isso sem falar dos casos que não foram registrados.

Estatísticas confiáveis sobre o índice de casos solucionados não existem. Estima-se que cerca de 80% das pessoas acabam retornando para casa, seja de forma voluntária ou encontradas.
A falta de investigações e de ações integradas dentro dos estados e em âmbito nacional é apontada por entidades ligadas à causa como o principal entrave para a solução dos casos mais complicados. Não é raro uma criança que teve seu desaparecimento registrado pela família na delegacia ficar meses num abrigo público e a polícia desconhecer, mesmo assim, o seu paradeiro por não haver troca de informações entre as áreas do governo.

Falta sistema integrado para ajudar nas buscas

Se o desaparecido deixar seu estado de origem, então, as chances de localização tornam-se ainda mais reduzidas. Apesar de ter havido um lançamento em fevereiro de 2010 pelo governo federal do cadastro nacional de pessoas desaparecidas, não há hoje nenhum sistema integrado e público em funcionamento que possa ajudar nas buscas.

— Foi mais ou menos um ano e meio de trabalho para a criação do cadastro nacional de desaparecidos. Tinha tudo para dar certo, mas a coisa parou. Para funcionar tem que passar por determinação política, ser prioridade — afirmou o ex-secretário-executivo do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Benedito dos Santos, que participou do grupo que idealizou o sistema.

Para o psicólogo e autor de uma tese em 2010 sobre crianças desaparecidas no Brasil, Marcelo Moreira Neumann, também são necessárias mudanças na cultura policial.

— A cultura policial está prioritariamente voltada para casos de roubos e homicídios. Ainda é comum um delegado mandar a família esperar alguns dias para registrar um boletim de ocorrência. São raros os estados que, de fato, investigam esses casos.

As delegacias são obrigadas a registrar boletim de ocorrência nas primeiras horas do desaparecimento. Santos explica que é um mito a obrigatoriedade de esperar 24 horas ou mais.
Os motivos do desaparecimento são os mais variados. Entre crianças e adolescentes, é comum a fuga por conflitos familiares, violência doméstica e abuso. Há também os casos involuntários, em que a vítima é levada por desconhecidos ou até por um dos pais.

Para a presidente da Associação Brasileira de Busca e Defesa a Crianças Desaparecidas, conhecida como Mães da Sé, Ivanize Esperidião da Silva, o atendimento só mudará quando a questão dos desaparecidos for encarada como um problema social.
— Muita gente resiste, mas esse é um problema social.

Segundo o Ministério da Justiça, o cadastro não está em operação porque apresentou falhas no sistema de preenchimento de dados. Em resposta ao GLOBO, a pasta informou que outro problema é a falta de "metodologia unificada e aplicada aos estados". O ministério prometeu apresentar "nos próximos meses" uma "proposta de metodologia para aplicação em âmbito nacional".


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