Em junho de 2008, foram editadas três leis ordinárias federais que promoveram reformas relativamente amplas no processo penal brasileiro, a saber: Lei n. 11.689, de 09 de junho de 2008, que “Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências”; Lei n. 11.690, de 09 de junho de 2008, que “Altera dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências”; e Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008, que “Altera dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos”.
Como destaca Andrey Borges de Mendonça (2008, p. XI), a reforma processual penal objetivou o fortalecimento do sistema acusatório, o reforço às garantias do acusado, a celeridade, a efetividade na busca da prestação jurisdicional e a revalorização do papel da vítima no processo penal.
Essa legislação é de grande importância para o aprimoramento da justiça criminal brasileira, que se ressente da lentidão na tramitação dos feitos e da falta de efetividade do processo penal.
Contudo, afastando-se de uma simples análise técnico-jurídica, é de se perquirir o locusem que se situa a recente reforma processual penal na intrincada teia de ações tendentes a solucionar a complexa questão criminal brasileira.
Inicialmente, deve-se sublinhar a teoria desenvolvida por Marcelo Neves (2007) acerca da função simbólica da política e do direito.
Segundo o referido autor, todo texto legal, para além de sua eficácia jurídica, tem uma função simbólica, de caráter político-ideológico.
A reforma processual penal em análise possui forte função simbólica, sendo vista, por muitos, como uma peça fundamental para a prevenção e repressão dos delitos.
Contudo, deve-se alertar que a hipertrofia da função simbólica da presente reforma processual penal não afasta sua importante função jurídico-instrumental, nem deve desviar o foco das demais frentes relacionadas à administração da questão criminal brasileira, sendo certo que simples edição de novas leis penais e processuais penais não é capaz de, num passe de mágica, resolver todos os problemas referentes à criminalidade no Brasil.
É dizer, para um problema complexo, como o é o problema da criminalidade brasileira, a resposta Estatal deve, igualmente, ser complexa, de modo que o Poder Público, a pretexto de prevenir e reprimir os delitos, deve atuar, necessariamente, em várias frentes, de forma simultânea.
Essas frentes podem ser divididas, basicamente, em três, que, obviamente, comportam diversos desdobramentos: (1)criação de políticas sociais inclusivas; (2) aumento da eficiência dos órgãos ligados à segurança pública; e (3) incremento da eficiência da execução penal.
De saída, deve-se compreender que a questão criminal é, prioritariamente, questão de política, e não de polícia.
De fato, a criminalidade origina-se, grosso modo, da profunda falta de oportunidades decorrente de um perverso sistema social, excludente e desigual.
Numa sociedade abissal, onde poucos se apropriam da quase totalidade das riquezas e dos benefícios da modernidade, relegando para uma massa disforme de miseráveis pequenas migalhas que mal garantem a sobrevivência, como exigir destes o incondicional respeito às leis sociais?
Não é por outra razão que se observa, no campo jurídico, a criação, por pessoas sensíveis a esses problemas, de teorias capazes de atenuar a injustiça social para com os excluídos, sendo de se destacar, de forma exemplificativa, no orbe do direito penal, as noções de coculpabilidade e de inexigibilidade de conduta diversa.
Enfim, a questão criminal reclama, antes de tudo, políticas sociais inclusivas, como o adequado oferecimento, pelo Poder Público e pela sociedade, de educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, tudo nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo de se destacar, aqui, o importantíssimo papel do Poder Judiciário na concretização corajosa do que plasmado constitucionalmente.
Em segundo lugar, o combate à criminalidade demanda o aumento da eficiência dos órgãos ligados à segurança pública.
Cumpre, aqui, relembrar Cesare Beccaria (2005), importante pensador iluminista do século XVIII, para quem a prevenção, objetivo primordial das sanções criminais, é alcançada não pela imposição de penas cruéis e indignas, mas sim pela certeza e eficácia da punição do infrator pelo Estado.
É exatamente neste ponto que se insere a reforma processual penal em comento, que, como já ressaltado, sem agredir as garantias constitucionais do acusado, e reforçando o sistema acusatório, acelera a tramitação dos feitos e incrementa a efetividade do processo criminal.
Ainda quanto à presente frente de combate à criminalidade, é de se sublinhar o necessário – e ainda inexistente – incremento no combate às organizações criminosas e aos chamados crimes do “colarinho branco”, que, estatisticamente, quando envolvem desvio de verbas públicas, são muito mais graves e hediondos do que a criminalidade “a varejo”, pois sufocam políticas sociais em larga escala, em prejuízo direto de uma multidão de excluídos.
Por fim, o adequado tratamento da questão criminal passa pelo incremento da eficiência da execução penal.
O tema é profundamente delicado, tendo em vista a banalização dos inúmeros e graves problemas existentes no sistema penitenciário brasileiro, marcado pela superlotação e pelo desrespeito aos direitos humanos.
Num Estado Democrático de Direito, não se admite que a sanção penal assuma, exclusivamente, caráter retributivo, o que tem sido uma prática no Brasil, tendo em vista que o nosso sistema penitenciário não tem a menor condição de ressocializar aqueles que possuem comportamento social desviante.
O Estado não pode, em relação ao sistema prisional brasileiro, adotar dois pesos e duas medidas, exigindo, de um lado, absoluto respeito às leis criminais por parte da população, inclusive dos excluídos e dos miseráveis, e consentindo, de outro, relativamente à execução penal, com o flagrante desrespeito ao que fixado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assegura, no inciso XLIX de seu art. 5º, aos presos, o respeito à sua integridade física e moral.
No tocante à execução criminal, é de se ressaltar e enaltecer o trabalho desenvolvido pela Assessoria de Gestão da Inovação, subordinada à 3ª Vice-Presidência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que acompanha o inovador “Projeto Novos Rumos na Execução Penal”, que possui o objetivo de incentivar a criação e expansão da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – Apac, como alternativa de humanização do sistema prisional no Estado.
Conforme se colhe em cartilha relacionada ao projeto em tela e sugestivamente intitulada “Todo homem é maior que o seu erro”, “A Apac – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – é uma entidade civil de Direito Privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade. O trabalho da Apac dispõe de um método de valorização humana, vinculada à evangelização, para oferecer ao condenado condições de se recuperar. Busca também, em uma perspectiva mais ampla, a proteção da sociedade, a promoção da Justiça e o socorro às vítimas”.
Os resultados são impressionantes: gastando-se três vezes menos do que o sistema penitenciário tradicional, que logra êxito em ressocializar apenas 15% (quinze por cento) dos sentenciados, as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados – Apac ressocializam até 90% (noventa por cento) das pessoas que ingressam na instituição.
Por todo o exposto, percebe-se que a questão criminal brasileira é intrincada e exige pronta e eficiente atuação do Poder Público e da sociedade em diversas áreas.
A reforma processual penal resultante das Leis n. 11.689/08, 11.690/08 e 11.719/08 está inserida numa complexa rede de enfrentamento da criminalidade, que condiciona a sua eficácia e serve de baliza na sua interpretação pelos Tribunais.
Sua importância para uma eficiente administração da justiça criminal no Brasil é grande, mas não se deve enxergar a reforma como uma solução pronta e acabada para a criminalidade, sob pena de exponenciar sua função simbólica, com a consequentemente frustração de expectativas e, quiçá, com o indesejável comprometimento de sua relevante função jurídico-instrumental.
Como destaca Andrey Borges de Mendonça (2008, p. XI), a reforma processual penal objetivou o fortalecimento do sistema acusatório, o reforço às garantias do acusado, a celeridade, a efetividade na busca da prestação jurisdicional e a revalorização do papel da vítima no processo penal.
Essa legislação é de grande importância para o aprimoramento da justiça criminal brasileira, que se ressente da lentidão na tramitação dos feitos e da falta de efetividade do processo penal.
Contudo, afastando-se de uma simples análise técnico-jurídica, é de se perquirir o locusem que se situa a recente reforma processual penal na intrincada teia de ações tendentes a solucionar a complexa questão criminal brasileira.
Inicialmente, deve-se sublinhar a teoria desenvolvida por Marcelo Neves (2007) acerca da função simbólica da política e do direito.
Segundo o referido autor, todo texto legal, para além de sua eficácia jurídica, tem uma função simbólica, de caráter político-ideológico.
A reforma processual penal em análise possui forte função simbólica, sendo vista, por muitos, como uma peça fundamental para a prevenção e repressão dos delitos.
Contudo, deve-se alertar que a hipertrofia da função simbólica da presente reforma processual penal não afasta sua importante função jurídico-instrumental, nem deve desviar o foco das demais frentes relacionadas à administração da questão criminal brasileira, sendo certo que simples edição de novas leis penais e processuais penais não é capaz de, num passe de mágica, resolver todos os problemas referentes à criminalidade no Brasil.
É dizer, para um problema complexo, como o é o problema da criminalidade brasileira, a resposta Estatal deve, igualmente, ser complexa, de modo que o Poder Público, a pretexto de prevenir e reprimir os delitos, deve atuar, necessariamente, em várias frentes, de forma simultânea.
Essas frentes podem ser divididas, basicamente, em três, que, obviamente, comportam diversos desdobramentos: (1)criação de políticas sociais inclusivas; (2) aumento da eficiência dos órgãos ligados à segurança pública; e (3) incremento da eficiência da execução penal.
De saída, deve-se compreender que a questão criminal é, prioritariamente, questão de política, e não de polícia.
De fato, a criminalidade origina-se, grosso modo, da profunda falta de oportunidades decorrente de um perverso sistema social, excludente e desigual.
Numa sociedade abissal, onde poucos se apropriam da quase totalidade das riquezas e dos benefícios da modernidade, relegando para uma massa disforme de miseráveis pequenas migalhas que mal garantem a sobrevivência, como exigir destes o incondicional respeito às leis sociais?
Não é por outra razão que se observa, no campo jurídico, a criação, por pessoas sensíveis a esses problemas, de teorias capazes de atenuar a injustiça social para com os excluídos, sendo de se destacar, de forma exemplificativa, no orbe do direito penal, as noções de coculpabilidade e de inexigibilidade de conduta diversa.
Enfim, a questão criminal reclama, antes de tudo, políticas sociais inclusivas, como o adequado oferecimento, pelo Poder Público e pela sociedade, de educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, tudo nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sendo de se destacar, aqui, o importantíssimo papel do Poder Judiciário na concretização corajosa do que plasmado constitucionalmente.
Em segundo lugar, o combate à criminalidade demanda o aumento da eficiência dos órgãos ligados à segurança pública.
Cumpre, aqui, relembrar Cesare Beccaria (2005), importante pensador iluminista do século XVIII, para quem a prevenção, objetivo primordial das sanções criminais, é alcançada não pela imposição de penas cruéis e indignas, mas sim pela certeza e eficácia da punição do infrator pelo Estado.
É exatamente neste ponto que se insere a reforma processual penal em comento, que, como já ressaltado, sem agredir as garantias constitucionais do acusado, e reforçando o sistema acusatório, acelera a tramitação dos feitos e incrementa a efetividade do processo criminal.
Ainda quanto à presente frente de combate à criminalidade, é de se sublinhar o necessário – e ainda inexistente – incremento no combate às organizações criminosas e aos chamados crimes do “colarinho branco”, que, estatisticamente, quando envolvem desvio de verbas públicas, são muito mais graves e hediondos do que a criminalidade “a varejo”, pois sufocam políticas sociais em larga escala, em prejuízo direto de uma multidão de excluídos.
Por fim, o adequado tratamento da questão criminal passa pelo incremento da eficiência da execução penal.
O tema é profundamente delicado, tendo em vista a banalização dos inúmeros e graves problemas existentes no sistema penitenciário brasileiro, marcado pela superlotação e pelo desrespeito aos direitos humanos.
Num Estado Democrático de Direito, não se admite que a sanção penal assuma, exclusivamente, caráter retributivo, o que tem sido uma prática no Brasil, tendo em vista que o nosso sistema penitenciário não tem a menor condição de ressocializar aqueles que possuem comportamento social desviante.
O Estado não pode, em relação ao sistema prisional brasileiro, adotar dois pesos e duas medidas, exigindo, de um lado, absoluto respeito às leis criminais por parte da população, inclusive dos excluídos e dos miseráveis, e consentindo, de outro, relativamente à execução penal, com o flagrante desrespeito ao que fixado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assegura, no inciso XLIX de seu art. 5º, aos presos, o respeito à sua integridade física e moral.
No tocante à execução criminal, é de se ressaltar e enaltecer o trabalho desenvolvido pela Assessoria de Gestão da Inovação, subordinada à 3ª Vice-Presidência do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que acompanha o inovador “Projeto Novos Rumos na Execução Penal”, que possui o objetivo de incentivar a criação e expansão da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – Apac, como alternativa de humanização do sistema prisional no Estado.
Conforme se colhe em cartilha relacionada ao projeto em tela e sugestivamente intitulada “Todo homem é maior que o seu erro”, “A Apac – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – é uma entidade civil de Direito Privado, com personalidade jurídica própria, dedicada à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade. O trabalho da Apac dispõe de um método de valorização humana, vinculada à evangelização, para oferecer ao condenado condições de se recuperar. Busca também, em uma perspectiva mais ampla, a proteção da sociedade, a promoção da Justiça e o socorro às vítimas”.
Os resultados são impressionantes: gastando-se três vezes menos do que o sistema penitenciário tradicional, que logra êxito em ressocializar apenas 15% (quinze por cento) dos sentenciados, as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados – Apac ressocializam até 90% (noventa por cento) das pessoas que ingressam na instituição.
Por todo o exposto, percebe-se que a questão criminal brasileira é intrincada e exige pronta e eficiente atuação do Poder Público e da sociedade em diversas áreas.
A reforma processual penal resultante das Leis n. 11.689/08, 11.690/08 e 11.719/08 está inserida numa complexa rede de enfrentamento da criminalidade, que condiciona a sua eficácia e serve de baliza na sua interpretação pelos Tribunais.
Sua importância para uma eficiente administração da justiça criminal no Brasil é grande, mas não se deve enxergar a reforma como uma solução pronta e acabada para a criminalidade, sob pena de exponenciar sua função simbólica, com a consequentemente frustração de expectativas e, quiçá, com o indesejável comprometimento de sua relevante função jurídico-instrumental.
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008.
NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
VILHENA, Marina Carneiro de Rezende de (coordenação editorial). Projeto Novos Rumos na Execução Penal – Todo homem é maior que o seu erro. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br/terceiro_vice/novo_rumos_execucao_penal/cartilha_apac.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2008.
MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008.
NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
VILHENA, Marina Carneiro de Rezende de (coordenação editorial). Projeto Novos Rumos na Execução Penal – Todo homem é maior que o seu erro. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br/terceiro_vice/novo_rumos_execucao_penal/cartilha_apac.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2008.
Gustavo Henrique Moreira do Valle
Juiz de Direito – MG.
VALLE, Gustavo Henrique Moreira do. A recente reforma processual penal e a questão criminal. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 210, p. 18-19, mai., 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário