Dois fundamentos para manter um réu algemado em uma sessão do Tribunal do Júri caíram por terra na 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Para a maioria dos desembargadores, não se deve atribuir ao acusado a deficiência do Estado em não garantir a segurança do Fórum. Nem se pode fundamentar de modo genérico o uso das algemas devido à presença de outras pessoas.
“O fato de não haver policiais suficientes para garantir a segurança não constitui fundamento idôneo para a utilização das algemas. Ao contrário, atribuir ao acusado a deficiência do Estado acarreta violação ainda maior a seus direitos e garantias fundamentais”, disse o desembargador Geraldo Prado, relator do caso no TJ fluminense.
Para o desembargador, se faltaram policiais para a escolta do acusado, a sessão deveria ter sido adiada. Ele também afirmou que a fundamentação para a prisão cautelar do acusado não significa que haja requisitos para o uso das algemas. “A ausência desses requisitos implica grave violação à dignidade da pessoa humana, pois é nítida a humilhação a que se submete o preso quando exibido ou julgado sob o uso de algemas, especialmente quando desnecessário”, disse.
O desembargador afirmou que o uso das algemas, além de excepcional, deve ser cuidadoso, para que seja garantido ao acusado um julgamento justo e imparcial. No caso, o acusado responde por crime de homicídio praticado, segundo a acusação, quando estava bêbado.
Os desembargadores constataram que não havia circunstância concreta que sugerisse o risco de fuga ou perigo ao acusado ou a qualquer pessoa presente na sessão. Também afirmaram que a decretação da prisão preventiva foi fundamentada no suposto fornecimento de falso endereço de onde mora, o que foi esclarecido posteriormente.
“A imagem é um dado objetivo, sobre o qual dificilmente parece interferir qualquer nível de subjetividade.” Para o desembargador, se a imagem do acusado sentado no banco dos réus já é capaz de gerar várias impressões naquele que está acompanhando a sessão, quando o acusado permanece algemado, o efeito é ainda maior. “Considerando que já se construiu, por meio da arquitetura do medo , sobre o imaginário social uma série de pré-conceitos – senso comum – relativos ao fenômeno do crime, é natural que, algemado, o réu seja encarado, desde o princípio, como perigoso e culpado pelo Corpo de Jurados”, escreveu.
O desembargador lembrou que cabe ao juiz que preside o Júri cuidar para que a sessão de julgamento seja feita em um clima tranquilo. “Isso, porém, não importa deixar a seu exclusivo critério a determinação do uso de algemas, pois, como dito, ele está condicionado às hipóteses de efetiva ameaça à segurança do réu ou de terceiros e de manutenção da ordem durante o ato.”
As algemas, disse ainda, interferem na noção que o próprio acusado formula a respeito de si. “Assim é porque a posição ergonômica imposta ao acusado pelas algemas, consistente na curvatura do tronco, implica o um autorreconhecimento de inferioridade em relação aos outros”, disse.
Ele lembrou que o assunto não envolve apenas operações policiais que têm repercussão nacional e que envolvem “indivíduos socialmente privilegiados”. Também tem relevância, diz, quando se trata de pessoas de classes menos favorecidas.
O desembargador citou, também, lembranças da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, sobre a experiência quando ela ainda era estudante e acompanhava os tribunais do Júri, e o voto do ministro Joaquim Barbosa sobre o assunto. No julgamento do Habeas Corpus 91.952, o ministro afirmou que a apresentação do acusado algemado pode influenciar negativamente a decisão, já que cria a impressão de que o réu é perigoso.
No caso analisado pelo TJ do Rio, o acusado foi condenado por homicídio simples a seis anos de reclusão. A defesa recorreu contra a condenação. Sustentou que a sessão foi nula, já que o acusado permaneceu algemado durante todo julgamento.
Além de declarar nulo o julgamento que condenou o réu por homicídio doloso, a Câmara determinou o relaxamento da prisão por excesso de prazo. Vencido, o desembargador Cairo Ítalo França David, votou pela manutenção da sentença.
Clique aqui para ler a decisão.
Revista Consultor Jurídico, 8 de fevereiro de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário