quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Três propostas contra o caos

Três das principais instituições responsáveis pela segurança pública e pelo sistema prisional do país se reuniram ontem para lançar ideias que tentem resolver problemas crônicos do país

Ministério da Justiça, Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público fizeram três propostas para solucionar o caos em que se transformou o setor no Brasil. A carta de constituição da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) defende mais agilidade nas investigações, o esvaziamento das delegacias e um cadastro nacional de mandados de prisão. Especialistas procurados pela Gazeta do Povo consideram as medidas positivas. Desde que tenham investimentos suficientes em capacitação, tecnologia e estrutura. Confira as propostas e as opiniões:
Ideias em discussão

Quem entende do assunto diz que não há mágica – será preciso investimento para tirar as três propostas do papel:

Celas vazias
A proposta
> Lugar de preso é em penitenciárias, não em delegacias. A proposta do CNJ é pôr um fim às carceragens de distritos policiais. O plano prevê que o tempo de permanência das pessoas em delegacias seja apenas o necessário para lavrar a prisão e concluir outros procedimentos policiais.
Com isso feito, o preso deve ser encaminhado imediatamente para uma unidade penal adequada para recebê-lo. No Paraná, dos 37,4 mil presos, 15,2 mil estão em delegacias – o correspondente a 41% do total.
A medida diminuiria a permanência dos detentos em ambientes impróprios e vulneráveis a fugas, maus-tratos e superlotações.
É viável?
> A medida apontada pelo CNJ já deveria ter sido tomada há muito tempo, na opinião do advogado Maurício Kuehne, professor de Direito na UniCuritiba e ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional. “A polícia não foi criada para cuidar de preso. É como diz o ditado: ‘A mão que prende não pode ser a mão que cuida’”, considera Kuehne. “É uma aberração o Paraná ter 15 mil presos em delegacias”, avalia.
> Ele considera a proposta do CNJ viável, desde que haja investimentos de curto, médio e longo prazos em novas unidades prisionais, contratação e capacitação de funcionários e renovação tecnológica. Kuehne cita as penitenciárias federais como exemplo a ser seguido.
“É preciso colocar a tecnologia que temos em prática para inibir o ingresso de armas, drogas e celulares dentro dos presídios.” Entretanto, Kuehne defende ainda que seja criada uma secretaria responsável pela administração penitenciária, que se preocupe com a situação dos presos.
“É uma medida válida e salutar. Deve ser levada adiante. Alguém tem de começar para acontecer gradualmente”, defende.
Controle unificado
A proposta
> Um sistema integrado que facilite verificar mandados de prisão expedidos em todo o Brasil. A ideia do Ministério da Justiça é criar um cadastro nacional que ofereça maior efetividade e segurança no cumprimento de ordens de prisão, além de permitir maior controle das penas a serem cumpridas pelos presos e dimensionar os investimentos necessários para estruturar o sistema carcerário. Dessa forma, por exemplo, a polícia e a Justiça de qualquer localidade do país facilmente identificariam se um preso já tem algum mandado de prisão contra ele em outra região do país. Da mesma forma, ficaria mais simples saber qual a demanda de vagas em presídios caso todas as ordens de prisão sejam cumpridas.
É viável?
> O procurador de Justiça e coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) no Paraná, Leonir Batisti, considera a ideia do ministério positiva diante da grave situação em que o país se encontra, com crescente aumento da criminalidade. “Pior do que estamos hoje é difícil ficar. Essa não é uma solução radical. Tem caráter burocrático e muito positivo”, comenta. Para que a proposta funcione na prática, Batisti aponta a necessidade de investir o máximo em tecnologia. “Sou otimista quanto à implementação. A tecnologia existe, precisamos fazer com que esses bancos de dados conversem entre si”, afirma.
> Além do dinheiro necessário para tirar a ideia do papel, o procurador diz ser necessário haver um treinamento de pessoas consistente e nivelado em todos os estados. “Precisamos ter dados uniformes e contar com que ninguém boicote o sistema. A confiabilidade do sistema deve ser total”, comenta Batisti.
De acordo com Kuehne, estatísticas apontam que no Brasil há 500 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos. “Não adianta (unificar o sistema de mandados) se o Poder Judiciário e o Ministério Público não fiscalizarem”, acrescenta.
Mais agilidade
A proposta
> O Ministério Público quer acelerar investigações, denúncias e julgamentos de casos de homicídio, fazendo com que órgãos de Justiça e de segurança pública trabalhem de maneira mais próxima. A ideia é fazer com que inquéritos e ações penais deste tipo de crime sejam resolvidos e julgados com mais rapidez, evitando prejuízos à conclusão do caso e à aplicação das penas. De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público, quanto maior a demora na apuração do crime, mais difícil é obter provas, menores são as denúncias e maiores os pedidos de arquivamento e de extinção da punibilidade. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que no Brasil ocorrem 29 homicídios para cada 100 mil habitantes. A média mundial é de 8,8 homicídios para cada 100 mil habitantes. O conselho acredita que para reverter esse quadro é preciso investir em tecnologia, aparelhos e capacitação.
É viável?
> Para o advogado criminalista Dálio Zippin Filho, a proposta é inviável sem que haja investimento em material humano. “As delegacias não têm condições de investigar todos os homicídios. Não existe um número de delegados e investigadores suficiente”, afirma o advogado, membro do Conselho Penitenciário da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju) e da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. “Não adianta dizer que vamos agilizar todos os inquéritos se não temos escrivães e viaturas, se temos policiais cuidando das carceragens”, complementa.
> O advogado comenta que, hoje, no Paraná, há uma defasagem de 3 mil policiais civis nas delegacias do estado. Contudo, o déficit não está restrito às delegacias. “Faltam agentes nos cartórios e ainda faltam juízes. O Judiciário está marcando audiências para 60, 90 dias”, comenta. “No papel é muito bonito. Na prática, não vejo como agilizar isso”, conclui.


Em debate
Ocorre hoje às 14 horas, no Canal da Música (Rua Julio Perneta, 695), o seminário “Sistema Penitenciário – Desafios e Soluções”. Veja a programação:
> A mesa “Análise Crítica do Sistema Penitenciário” terá o doutor em Direito Penal Juarez Cirino, a coordenadora de Penas Alternativas do Ministério da Justiça, Márcia Alencar, e o coordenador nacional do Mutirão Carcerário, Erivaldo Ribeiro dos Santos.
> A mesa “Perspectivas para o Sistema Penitenciário” terá o mestre em Criminologia André Giamberardino, o ex-diretor do Depen Maurício Kuehne e o presidente da Comissão de Penas Alternativas, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos.
> Inscrições gratuitas podem ser feitas em seminário sistema penitenciário ou no local.
Começa hoje o mutirão
Chega hoje ao Paraná o Pro­grama de Mutirões Carce­­rários que, desde agosto de 2008, já analisou a situação de 95.912 presos de outros 19 estados do país. Os trabalhos terão continuidade até 14 de maio. Condu­­zido pelo Con­selho Nacional de Justiça (CNJ) e apoiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público e Tri­bu­nais de Justiça, o programa tem como objetivo rever processos de presos condenados e provisórios e inspecionar penitenciárias.
Parte do trabalho que será iniciado hoje já vem sendo feito pelo Ministério Público do Paraná, em parceria com o governo do estado. Desde setembro de 2008, o MP promove o Mutirão Judiciário, que faz a análise dos processos de presos custodiados em delegacias de polícia. Até 11 de fevereiro, o mutirão fez o levantamento de 3.969 presos, dos quais 974 já tinham condenação. Destes, 143 saíram da cadeia por terem direito ao livramento condicional ou à progressão de regime. Outros 366 foram encaminhados para o sistema penitenciário. No total, 52% dos detentos tiveram algum tipo de benefício. Dos casos analisados, 465 presos permanecem nas delegacias ou Centros de Triagem, em função de processos ainda em trâmite. 

Guilherme Voitch com colaboração de Jorge Olavo


Gazeta do Povo - 23/02/2009.
 

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