sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Artigo: Lei n° 11.941/2009 (refis 4) e suas implicações aos crimes tributários

Entrou em vigor no Brasil em 28 de maio de 2009 a Lei n° 11.941/2009 que modificou a legislação tributária federal e instituiu novo regime de parcelamento de débitos tributários.
Seguindo nomenclatura de legislações anteriores que também criaram programas de parcelamento ou refinanciamento fiscais, a recente legislação vem sendo chamada de Lei do Refis 4(1).
Trata-se de diploma legal oriundo de projeto de lei de conversão n° 2/2009, decorrente de medida provisória n° 449/2008, que possibilita o parcelamento de débitos junto a Secretaria da Receita Federal do Brasil e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive saldos remanescentes de parcelamentos anteriores (REFIS, PAES e PAEX)(2).
Considerando que a supressão ou o não pagamento daqueles tributos configura, via de regra, crime previsto no Código Penal(3) ou em legislação extravagante(4), o estudo das disposições desta nova legislação torna-se imprescindível.
Após a previsão quanto às formalidades do parcelamento (adesão, valor da parcela, taxa de juros), a Lei n° 11.941/2009 dispõe, já em seu artigo 68, sobre a suspensão da pretensão punitiva dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei n° 8137/90, bem como do crime de apropriação indébita previdenciária previsto no art. 168 do Código Penal.
Mas a suspensão da pretensão punitiva é “limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”(5), e enquanto não houver rescisão.
Em seguida, o parágrafo único do mesmo artigo 68 dispõe que “a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva”. Neste ponto, a Lei do Refis 4 seguiu orientação já trazida pelo art. 9º, §1º da Lei n° 10684/2003 (PAES), cuja redação é idêntica.
Entretanto, em que pese identidade das leis neste tópico, o novo diploma divergiu quanto ao tratamento das contribuições previdenciárias, pois possibilitou o parcelamento de débitos delas decorrentes.
Sabe-se que até então, por força do art. 7º da Lei 10666/2003(6), o parcelamento daquelas contribuições era vedado, tendo sido, inclusive, o parágrafo 2º do art. 5º da Lei 10684/2003, alvo de veto presidencial. Assim, as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados foram naquele momento excluídas do rol dos débitos tributários passíveis de parcelamento. Exceção surgiu, mas apenas para algumas pessoas jurídicas(7), com a entrada em vigor da Lei 11.345/2006, chamada de Timemania(8).
Já a recente legislação trouxe nova disciplina para a questão, pois possibilitou o parcelamento de diversos tributos, inclusive das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados.
Portanto, em havendo adesão a este novo parcelamento, suspender-se-á a pretensão punitiva dos crimes previstos no art. 168-A e 337-A do Código Penal, ou nos art. 1º e 2º da Lei 8137/90.
Assim, resta superada a discussão existente quanto ao crime do art. 168-A do Código Penal quando da adesão da pessoa jurídica ao parcelamento da lei anterior (PAES)(9).
Em seguida a Lei do Refis 4, no caput do seu artigo 69 determina a extinção da punibilidade dos mesmos crimes quando do pagamento integral dos débitos, inclusive com os acessórios(10).
Apesar da previsão de que o pagamento deve ser daqueles débitos “que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”(11), entende-se que a extinção da punibilidade deve ser reconhecida quando do pagamento do tributo ao crime relacionado, independentemente de parcelamento anterior.
Isto significa afirmar que mesmo que não haja adesão ao parcelamento até a data limite (30 de novembro de 2009) o pagamento do tributo e dos acessórios deve acarretar a extinção da punibilidade do respectivo crime.
Importante trazer, ainda, que no projeto inicial para conversão da medida provisória em lei este artigo 69 era apenas formado pelo caput, entretanto, a emenda n° 01 aprovada pelo Senado Federal, incluiu no texto do projeto de lei a possibilidade de parcelamento do débito pela “pessoa física, responsabilizada pelo pagamento ou não recolhimento de tributos devidos pela pessoa jurídica” (art. 1º, §15).
Em decorrência desta disposição, há menção expressa no parágrafo único do art. 69 de que na hipótese de pagamento feito pela pessoa física a extinção da punibilidade ocorrerá quando da quitação integral do débito descrito na ação penal(12).
Conclui-se, portanto, que tanto a adesão ao parcelamento previsto nesta nova Lei do Refis 4 quanto o pagamento integral dos débitos trazem benefícios àqueles investigados ou processados pelos crimes do art. 168-A e 337-A do Código Penal ou do art. 1º e 2º da Lei 8137/90.

NOTAS

(1) Tal expressão vem sendo comumente usada pelos periódicos nacionais: Jornal Gazeta do Povo, Prazo para refinanciar dívida federal vai até novembro, publicada em 18 de agosto de 2009; e Jornal Folha de São Paulo, Parcelamentos com data programada, publicada em 14 de maio de 2009.
(2) Instituídos pelas leis no 9964/2000, 10684/2003 e 11371/2006, respectivamente.
(3) Art. 168-A e art. 337- A do Código Penal.
(4) Art. 1o e 2o da Lei no 8137/90.
(5) Redação do artigo 68.
(6) Dispõe o art. 7o da lei no 10666/2003: “Art. 7o. Não poderão ser objeto de parcelamento as contribuições descontadas dos empregados, inclusive dos domésticos, dos trabalhadores avulsos, dos contribuintes individuais, as decorrentes da sub-rogação e as demais importâncias descontadas na forma da legislação previdenciária.”
(7) Entidades desportivas, Santas Casas de Misericórdia, entidades hospitalares sem fins econômicos, entidades de saúde de reabilitação física de deficientes sem fins econômicos, e outras entidades filantrópicas portadoras de Certificado de Entidade Beneficente da Assistência Social – Cebas.
(8) Sobre esta lei vide GALVÃO, Danyelle. Crime de apropriação indébita previdenciária: considerações sobre a Lei 11345/2006 (Timemania) Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, no 186, p. 10-11, maio 2008.
(9) Isto porque apesar da vedação quanto ao parcelamento de débitos decorrentes das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, o art. 9o da Lei 10.684/2003 dispõe quanto a suspensão da pretensão punitiva do crime previsto no art. 168-A do Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente do aludido crime estiver incluída no regime de parcelamento. Assim, necessário foi o posicionamento da jurisprudência de que “(...) o parcelamento dos débitos relativos às contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, deferido pela autoridade administrativa, permite a suspensão da pretensão punitiva, nos termos do art. 9º, caput e § 1º, da Lei 10.684/03, mesmo que realizado após o recebimento da denúncia” (STJ – 5a T. - REsp. 88.4057/RS – rel. Gilson Dipp – j. 10.05.2007 - DJ 29.06.2007 - p. 708).
(10) “Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”.
(11) Previsão do artigo 69.
(12) “Art. 69, parágrafo único. Na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no §15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal”.

 
Danyelle da Silva Galvão
Advogada, mestranda em Direito Processual na Universidade de São Paulo

Marlus H. Arns de Oliveira
Advogado, mestre em Direito Sócioeconômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná


Boletim IBCCRIM nº 206 - Janeiro / 2010

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