segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Com mudança da lei, 70% de presos por tráfico estariam livres

Nas celas superlotadas dos presídios brasileiros, cerca de 80 mil detentos estão presos por tráfico de drogas. Ao contrário de estruturas complexas como a do narcotraficante Fernandinho Beira-Mar, 70% dos homens e mulheres que estão no cárcere por vinculação com entorpecentes não têm, via de regra, ligação com o crime organizado, antecedentes criminais ou foram presos com armas de fogo. Para o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, a prisão dessas pessoas, ao invés de servir como punição, só contribui ainda mais para a formação de mão-de-obra de grandes organizações criminosas.

Uma possível mudança da atual Lei de Drogas, que não estabelece claramente a proporção da pena para quem é pego transportando substâncias ilícitas, poderia, na avaliação do Ministério da Justiça, fixar penas alternativas, como prestação de serviços comunitários, para pessoas pegas com pouca quantidade de droga.

"Estão prendendo as pessoas erradas. Qual é o benefício para a sociedade o fato de se colocar na prisão essas pessoas e depois as devolver para a sociedade? Na prisão estão sendo formados criminosos. Estão entregando de graça para o crime organizado a mão-de-obra", diz Abramovay.

Atualmente, a legislação brasileira não permite que pessoas presas por tráfico de drogas eventualmente tenham direito à liberdade provisória, benefício concedido no caso de outros crimes, como corrupção ou assassinato. Aliado a uma formação cultural e, muitas vezes, preconceituosa do agente policial ou do Poder Judiciário, são levadas à cadeia pessoas pegas com quantidades irrisórias de drogas e a elas não é dado o direito de responder ao futuro processo em liberdade.

"A definição para traficante ainda é subjetiva e se percebe que várias vezes, em função da classe social, a pessoa vai ser classificada como traficante ou usuário", alerta o secretário de Assuntos Legislativos. A lei brasileira não pune com prisão usuários de drogas, mas, por não explicitar claramente o que é um traficante, chegou ao ponto de, segundo Abramovay, levar para atrás das grades uma pessoa que portava apenas um grama de maconha.

"É preciso que se saia de um debate preconceituoso ou ideologizado sobre drogas, argumentando que é coisa do demônio ou que faz ou não faz mal. Temos que ter um debate em cima de dados. Não podemos aceitar teses do tipo 'sou contra porque isso é do mal' ou 'tem que mandar para a pena de morte o traficante'", ressalta Abramovay. "Todas as instituições precisam refletir sobre como lidar com pessoas que levaram drogas para alguém e não têm ligação com o crime", diz.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, reconhece a complexidade do debate sobre as drogas e sobre uma possível descriminalização da maconha e diz que muitas vezes o Poder Judiciário erra, por conta de uma lei vaga, na fixação das penas para pessoas pegas transportando substâncias tóxicas.

"Há essa zona cinzenta do que é tráfico, o que é propriamente uso. O tema é extremamente complexo. Não é fácil porque não se trata apenas de resolver esse tipo de discussão, de controvérsia. Aqui a gente não tem uma balança para dizer que a partir de tal quantidade não é caso de tráfico", afirma o magistrado.

"Há uma reclamação geral de que jurisprudência está muito radical na distinção entre o usuário e o traficante, de que ela não é muito segura ou de que muitas vezes os juízes não fazem a adequada distinção", observa o ministro, que pretende colocar o tema em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que se possa avaliar a possibilidade de pequenos traficantes poderem responder a seus processos em liberdade.

*Marcha da Maconha*
Independente do debate sobre o direito de liberdade provisória ou da fixação de penas alternativas para pessoas pegas com pouca quantidade de drogas, o STF tem em sua pauta dois processos que solicitam que manifestações em favor da descriminalização das drogas, como a Marcha da Maconha, sejam interpretadas apenas como exemplos de liberdade de expressão, e não como apologia ao uso de tóxicos.

A procuradora-geral interina na época, Deborah Duprat, argumentou, ao encaminhar as duas questões do Supremo, que o Poder Judiciário tem interpretado erroneamente manifestos desta natureza e violando o direito à liberdade de expressão.

"O fato de uma ideia (uso de drogas) ser considerada errada ou mesmo perniciosa pelas autoridades públicas de plantão não é fundamento bastante para justificar que a sua veiculação seja proibida. A liberdade de expressão não protege apenas as ideias aceitas pela maioria. É perfeitamente lícita a defesa pública da legalização das drogas, na perspectiva do legítimo exercício da liberdade de expressão", disse Duprat na ocasião.

A Marcha da Maconha foi proibida por decisões do Judiciário, em 2008, nas cidades de Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Salvador, João Pessoa e Fortaleza. Em 2009, foi vedada por decisões judiciais em Curitiba, São Paulo, Americana (SP), Juiz de Fora (MG), Goiânia, Salvador, Fortaleza e João Pessoa. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, chegou a ter sua postura questionada no Congresso Nacional por participar do movimento em prol da liberalização do entorpecente.

Redação Terra. 31 de agosto de 2009

Lei transfere para vítima decisão de mover ação

A vítima de violência sexual é que terá de decidir se quer processar, criminalmente, o agressor. O artigo 225 da Lei 12.015, que entrou em vigor no início de agosto, transfere a decisão para a vítima mesmo em casos de estupro qualificado, em que há lesões graves. Com a nova regra, vítimas de agressores que já estão sendo processados poderão, ainda, ter de confirmar à Justiça, no prazo de seis meses, se querem continuar com a ação.

De acordo com a regra antiga, no caso de violência que resultasse lesão grave, a ação penal era pública incondicionada, ou seja, não dependia da vontade da vítima para processar o agressor. De acordo com a nova lei, apenas casos que envolvam menores de 18 anos não dependerão de queixa ou representação da vítima para que seja movida a ação. "Antes, na grande maioria dos casos de estupro, a ação penal era privada, hipótese que não mais existe, porém, em relação a forma qualificada, a ação penal passou a ser condicionada à representação", explicou o advogado Sergio Pita.

Contra esse dispositivo da Lei 12.015/09, o procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro Artur Gueiros entrou com representação na Procuradoria-Geral da República para que a instituição questione no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade da lei neste ponto.

Embora reconheça os avanços da legislação quanto à proteção de crianças e adolescentes, Gueiros afirma que o legislador cometeu um grande equívoco ao mudar os dispositivos que tratam da atuação do Estado, independentemente da vontade da vítima, nos casos de estupro que geraram lesões graves como aborto e contaminação por HIV, entre outros.

Para Gueiros, este dispositivo atenta contra a dignidade humana, garantida na Constituição Federal. “Tal disciplina legal afronta flagrantemente a dignidade sexual, parcela relevante da dignidade da pessoa humana, bem jurídico consagrado pelo Constituinte de 1988”, disse o procurador na representação.

Além disso, o procurador chama a atenção para os efeitos que podem acarretar a nova lei em casos que já tramitam no Judiciário. Como a lei penal retroage em benefício do réu, disse, as vítimas de casos em que a ação penal não era condicionada à representação, terão de manifestar a vontade de que a ação prossiga.

“Isso pode gerar um caos na Justiça”, disse Gueiros. Isso porque, explica, o Judiciário terá de intimar as vítimas, que, às vezes, decidem mudar de região por conta do que aconteceu. Como o prazo para a representação ao Ministério Público sobre a vontade de mover a ação é de seis meses a partir da revelação da identidade do autor da agressão, o procurador disse que, com a nova regra, a vítima deverá se manifestar no prazo de seis meses a partir do momento em que a lei entrou em vigor.

Para o professor da FGV Direito Rio, Thiago Bottino, se for considerado apenas o texto da lei, a situação da vítima melhora em parte. “Em vez de contratar advogado, basta representar para que o MP promova a ação penal”, diz. A advogada Kátia Tavares, do Instituto dos Advogados Brasileiros, concorda. “Muitas pessoas sem recursos não conseguiam apresentar a queixa-crime no prazo. Com a nova regra, isso acaba. A vítima não precisa ter advogado, basta entrar com representação”, afirma.

Thiago Bottino acredita que a lei também piorou em parte a situação das vítimas. “A lei passou a exigir representação para aquelas vítimas pobres e também nos casos em que o crime foi cometido com abuso de pátrio poder e figuras equiparadas”, explica.

"Os casos de violência sexual que resultem lesão de natureza grave ou a morte da vítima, deveriam continuar sendo processados em ação penal pública incondicionada, dada a gravidade do resultado", disse Sergio Pita. Entretanto, ele entende que nos casos de vítimas menor de 18 anos ou pessoa vunerável, a ação deveria ser condicionada à representação. "Os crimes sexuais estão ligados a intimidade da vítima, dessa forma, não vejo, com bons olhos, a possibilidade do Ministério Público promover ação penal quando não está respaldado expressamente pela vítima ou por seus representantes legais", afirmou.

Interpretação constitucional

O professor Bottino explica, que além da lei, já há uma interpretação jurisprudencial sobre o assunto. “O Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacificado que o estupro é crime de ação penal pública incondicionada quando praticado com violência real”, afirma. Ele citou o Verbete 608, da Súmula do STF, e que violência real é o efetivo emprego de força sem a qual o crime de estupro não se consumaria.

O professor também entende que as vítimas que não se enquadrarem nas hipóteses do verbete 608 deverão ser intimadas para manifestar o interesse de que o autor do crime continue sendo processado. “Aconteceu um processo semelhante nos crimes de lesão corporal culposa quando da edição da Lei 9.099/95.”

“Vai dar um certo trabalho cartorário, mas não é algo tão complicado considerando que o volume de casos de estupro não é tão grande como os de tráfico, furto, roubo, estelionato ou homicídio. Talvez, o maior problema fique concentrado nos casos que ainda estão na delegacia, mas uma campanha de informação ajudaria bastante”, afirmou Bottino.

O promotor de Justiça do Rio de Janeiro Paulo Rangel considera a mudança uma “monstruosidade jurídica”. “Se a vítima, maior e capaz, morrer, quem vai representá-la? O crime ficaria impune”, disse. Para o promotor, a interpretação que deve ser dada à lei é a de que a ação pública é condicionada, salvo se resultar em lesão grave, morte ou a vítima for menor. Se a lei veio para punir casos que são gritantes, diz, não há porque entender de forma diferente.

Para Rangel, não seria necessário uma representação sustentando a inconstitucionalidade do dispositivo. “Basta aproveitar o máximo do texto legal e interpretá-lo conforme a Constituição.”

Clique aqui para ler a representação.

Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2009

Lei de estupro pode dar interpretações ambíguas

Quem cometeu crimes sexuais graves poderá ter a pena diminuída e aqueles que cometeram delitos de menor potencial podem ter a punição agravada. A constatação é da procuradora em São Paulo Luiza Nagib Eluf, após uma leitura atenta de artigos da Lei 12.015/09. O texto passou a valer a partir de 7 de agosto deste ano e promoveu alterações no Código Penal e na Lei de Crimes Hediondos, com o objetivo de tornar mais severas as punições aos crimes de estupro e pedofilia. As informações são da Agência Brasil.

Os crimes antes considerados atentado violento ao pudor, enquadrados no artigo 214 do Código Penal, agora serão contemplados no artigo 213, referente ao estupro. Com isso, estupro e atentado violento ao pudor, que eram dois crimes autônomos com penas somadas, devem resultar na aplicação de uma única pena.
“Realmente corremos o risco de as penas serem menores. Antigamente aplicávamos concurso material de delitos. Quem praticou [de forma forçada] sexo vaginal [que era estupro] e depois oral [que era atentado violento ao pudor] podia receber seis anos por causa de cada delito. Sempre pedi condenação pelos dois delitos com penas somadas. Agora eles passaram a ser a mesma coisa”, afirma Luiza, especialista em direito penal e autora de diversas publicações sobre crimes sexuais.

Segundo a procuradora, a nova lei também peca ao não corrigir a ampla abrangência do atentado violento ao pudor. O artigo 213 faz menção a “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal“ ou a praticar “outro ato libidinoso”. As penas previstas são reclusão de seis a dez anos; de oito a 12 anos se a vítima tiver idade entre 14 e 18 anos; e de 12 a 30 anos se o crime resultar em morte. “Outro ato libidinoso pode ser um beijo e aí não dá para aplicar seis anos de prisão a quem beijou uma pessoa à força. Isso não pode ser tão grave quanto a conjunção carnal e outros tipos de violação”, argumenta.

“[A lei] tinha que ter detalhado melhor o que são esse atos libidinosos. Quando fala em outro ato libidinoso pode ser qualquer ato. O direito penal tem que ser muito preciso e claro. Relação oral ou anal forçada é sim comparável ao estupro, mas outros atos já não são”, acrescenta.

Luiza também considera equivocada a proibição instituída no Artigo 217 pela lei, que criminaliza qualquer prática sexual com menor de 14 anos ou pessoas com deficiência mental, definindo-as como estupro de vulnerável. A procuradora lembrou que hoje muitas meninas de 13 anos já têm namorado e mantêm relações sexuais regulares e consentidas. “Seria mais razoável definir que até os 12 anos, período da infância definido no Estatuto da Criança e do Adolescente, a relação sexual seria sempre considerada violência”, opina a procuradora, ao ressaltar a pena de oito anos de reclusão prevista para o estupro de vulnerável.

Em relação às pessoas com deficiência mental, a procuradora avalia que a lei partiu de um pressuposto errôneo de que elas não possuem desejo sexual e, na prática, declarou-as impedidas de ter relação sexual. Para ela, as brechas deixadas pela nova legislação para análises subjetivas exigirão maior prudência dos operadores do direito penal na avaliação dos casos. “A lei é taxativa, mas a interpretação terá que se razoável, seguir o bom-senso na sua aplicação. Infelizmente essa nova lei perdeu a oportunidade de solucionar antigas controvérsias jurisprudenciais”, ressaltou.

A unificação dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor vai na contramão de uma decisão tomada em 18 de junho deste ano pelo Supremo Tribunal Federal, quando os ministros da Corte decidiram por seis votos a quatro que atentado violento ao pudor e estupro não são crimes continuados. Pela manifestação do STF, quem praticar os dois crimes deve ter as penas somadas, já que os delitos, embora ambos sejam crimes sexuais, não são da mesma espécie.

Para a ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Nilcéa Freire, que diz ter opinado pela sanção integral do projeto enviado pelo Congresso, a nova legislação é um avanço e aumenta o rigor punitivo. "Nós opinamos pela sanção dessas modificações que hoje constituem o novo Código Penal brasileiro. À medida que se amplia a visão do que significa o crime sexual, ele não é mais somente a partir da questão física, mas também a própria intenção e subjugação do outro no sentido da violência sexual é considerada crime", argumentou a ministra. Sobre os riscos de criminosos se beneficiarem com as mudanças na legislação, Nilcéa ressaltou que as alterações ainda estão entrando em vigor e “isso não está efetivamente comprovado."

Parcimônia
O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski recomenda prudência aos julgadores das matérias penais com base na Lei 12.015. Segundo a Agência Brasil, o ministro recomenda bom senso. “Sem dúvida nenhuma é preciso interpretar a lei, sobretudo com essas mudanças que podem levar a conclusões mais radicais, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, critérios muito utilizados na hermenêutica moderna”, defendeu Lewandowski, que evitou tecer considerações de mérito sobre a nova lei.

Ricardo Lewandowski é autor do voto vencedor em julgamento realizado em 18 de junho deste ano no STF, em que os ministros decidiram por seis votos a quatro que atentado violento ao pudor e estupro não são crimes continuados. Pela manifestação do Supremo na ocasião, quem praticar os dois crimes deve ter as penas somadas, já que os delitos, embora ambos sejam crimes sexuais, não são da mesma espécie.

Segundo o ministro, a nova lei poderá ser discutida no STF “muito rapidamente, por meio de um Habeas Corpus que vem da primeira instância e é julgado nas turmas do Tribunal”.

Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2009

domingo, 30 de agosto de 2009

A pena é uma resposta da dor com mais dor

Qual a finalidade da pena? Rios de tinta derramados por uma resposta. Teorias que chegaram ao nazismo foram ensaiadas e aplicadas. Se, todavia, colocarmos frente a frente nosso dilema com todas as experiências passadas, nenhuma resposta dará conta de nos satisfazer. Independentemente de que teoria seja adotada, indubitavelmente a pena é uma resposta dada em sofrimento para um mal causado. É a dor com mais dor. E, por outro lado, a pena é um instrumento de poder.

Os filósofos já ensaiaram muitas justificativas, na certeza de que uma explicação é necessária. A retribuição foi a primeira resposta encontrada na modernidade. Não uma paga com bases morais e religiosas, mas uma compensação em parâmetros legislativos, predeterminados. Ultrapassada a retribuição, ficou como avanço a independência entre o sistema penal e conceitos subjetivos ligados ao transcendente. E isso foi uma enorme contribuição para a humanidade que creditava aos deuses o direito de punir.

De então, a prevenção tomou conta de nosso imaginário e dele nunca mais se desalojou. Prevenção geral e prevenção especial, ou seja, para todos e para o próprio acusado. Para a sociedade, a pena teria uma dupla função: ou faz com que a coletividade tenha receio e calcule os malefícios da pena com relação ao ato criminoso ou reforça coletivamente valores eleitos como relevantes (teoria contemporânea). Noutras palavras – desestimulo ao ato proibido pela lei e estímulo aos valores adequados.

Ocorre que está mais que demonstrado não haver qualquer cálculo humano no qual a pena seria um vetor importante. Ao contrário. Ainda que haja aumento dos limites penais, a violência cresce, porque nem a pena, nem a perspectiva de ser processado, nem muito menos de ser condenado são, de fato, elementos inibidores. Uma multa, por exemplo, pode ter mais impacto do que a criminalização da conduta. Sociólogos e estudiosos de criminologia têm demonstrado (com rigor científico) serem outros valores sociais muito mais relevantes na vedação de um ato humano. Costume, família, clubes e escolas são milhares de vezes mais eficientes.

Sobraram duas possibilidades. A prevenção especial, negativa e positiva. Por estas teorias, a pena serve para neutralizar ou reformar o criminoso, respectivamente. A neutralização foi infelizmente conhecida da humanidade em manifestações de ódio político, racial, sexual e social. Milhões de pessoas foram exterminadas para que o “mal” fosse neutralizado, pura e simplesmente. O problema é quem escolhe o “mal” e o porquê. Uma vez mais, está demonstrado que há exército de substitutos para cada ser humano neutralizado, além de ser eticamente inaceitável. A morte, isolamento indefinido, mutilações, são exemplos de neutralização.

O que restou? A prevenção especial positiva que tem mais de duzentos anos de idade e que é abraçada pela legislação e doutrina brasileiras. Pune-se para recuperar. Equipes multidisciplinares devem atuar não no corpo, mas na alma do condenado. O mais interessante dessa hipótese é que, sem muita consciência, rompemos com aquele antigo pacto, exposto no primeiro parágrafo desse artigo. O Estado não tem o direito de penetrar na moral, personalidade ou credo de qualquer cidadão. O discurso medicalizante do direito retira parte da responsabilidade do jurista, fazendo migrar poder para a figura do técnico. Não só perniciosa estratégia, como sedutora.

O maior perigo da hipótese do “tratamento”, onde a cadeia vira uma espécie de hospital-escola, é que as penas passam a ser indeterminadas. O cidadão não é posto em liberdade quando expira o tempo da condenação: fica refém da fala médica, psicológica, assistencial. Ele somente poderá sair quando o técnico atestar sua “cura”. Tal procedimento rompe completamente com a previsibilidade penal, uma das mais caras garantias universais dos direitos humanos.

Então, ora bolas, para que serve a pena? Ao contrário do que se pensa, a pena não está voltada contra quem delinqüe e sim contra o Estado. Basta estudar história. A pena foi criada (e deveria servir) para que o arbítrio estatal fosse mitigado, impondo limites ao poder de perseguir, acusar e condenar. A pena está voltada como garantia e não como sofrimento, retribuição ou prevenção. Não há explicações melhores do que simplesmente afirmar que a pena é um instrumento de poder, de submissão. Mas, ainda assim, deve ter limite. Visualizar a pena como garantia é dificílimo para a sociedade nascida no caldo autoritário. Aliás, atualmente, a pena está sendo justificada como vingança, com a exposição latente de vítimas: isso é perigoso. Nunca acabou bem.

Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso e Brasília, doutorando em Direito Penal e membro da Academia Mato-Grossense de Letras.

Revista Consultor Jurídico, 30 de agosto de 2009

Curso de Criminologia Penitenciária e Execução Penal

Coordenação

Dra. Mônica Soligueto
Dr. Filipe Fialdini

Horário

16h-18h

Carga horária

51 horas - aula

Programa


Objetivos
Além de propiciar conhecimentos teóricos gerais de criminologia, o curso tem como principal objetivo promover uma nova forma de comunicação entre o cárcere e a sociedade livre, através de um trabalho interventivo, que proporcione aos envolvidos um espaço de discussão e reflexão concernente à dinâmica criminal e ao processo de reintegração social, pressupondo-se um papel ativo de todos os participantes do grupo.

Público-alvo
Estudantes, advogados, sociólogos, psicólogos e demais interessados em criminologia penitenciária.

Carga-horária
O curso terá a carga de 51 horas, divididas em 9 horas de aulas expositivas, 22 horas de visitação à Penitenciária Feminina de Santana e 22 horas de supervisão.

Dia 9/9 - quarta-feira
1ª aula: A experiência do Grupo de Dialógo Universidade-Cárcere-Comunidade (GDUCC).
Dra. Ana Gabriela Mendes Braga
Dra. Maria Emília Accioli Nobre Bretan

2ª aula: Teorias do consenso e do conflito
Dra. Ana Paula Zomer Sica


Dia 15/9 - terça-feira
1ª aula: A mulher encarcerada e a Criminologia Feminina
Dra. Fátima França

2ª aula: Conselho da Comunidade na Comarca de São Paulo
Dr. Otoniel Katumi Kikuti


Dia 16/9 - quarta-feira
1ª aula: Justiça Restaurativa
Dr. Leonardo Sica

2ª aula: Reintegração Social
Dr. Alvino Augusto de Sá


Dia 22/9 - terça-feira
1ª aula: Instituições Totais
Dra. Mônica Soligueto

2ª aula: Recentes Mudanças na Execução Penal
Dr. Filipe Fialdini


Dia 23/9 - quarta-feira
Dinâmicas de Grupo
Dra. Mônica Soligueto


VISITAÇÃO À PENITENCIÁRIA: Serão 11 (onze) visitas semanais, com duração de duas horas cada, sempre às terças-feiras, das 14h00 às 16h00, entre setembro e dezembro de 2009, nas seguintes datas: 29.09.2009; 06.10.2009; 20.10.2009; 27.10.2009; 03.11.2009; 10.11.2009; 17.11.2009; 24.11.2009; 01.12.2009; 08.12.2009 e 15.12.2009.

Observação: o custo de traslado das visitas semanais não será suportado pela AASP ou pela coordenação do curso.


SUPERVISÕES: Serão 10 (dez) encontros semanais de supervisão, com duração de duas horas cada, sempre às quartas-feiras, das 16h00 às 18h00, nas seguintes datas: 30.09.2009; 07.10.2009; 21.10.2009; 28.10.2009; 04.11.2009; 11.11.2009; 18.11.2009; 25.11.2009; 02.12.2009; 09.12.2009 e 16.12.2009.


Local
Associação dos Advogados de São Paulo
Rua Álvares Penteado, 151 - Centro

Taxas de inscrição

Associado: R$ 100,00
Estudante de graduação: R$ 120,00
Não associado: R$ 150,00

Site: www.aasp.org.br/aasp/cursos/crs_visualizar.asp?ID=4086

sábado, 29 de agosto de 2009

'A reforma é inevitável'

ENTREVISTA / Ethan Nadelmann.

O Comunidade Segura entrevistou Ethan Nadelmann, especialista em política de drogas e diretor-executivo da Drug Policy Alliance, organização crítica do proibicionismo nos EUA. Nadelmann veio ao Brasil para o lançamento da pesquisa do Ministério da Justiça sobre o impacto da lei de drogas na população carcerária brasileira, como um importante representante do novo pensamento em política de drogas no seu país.

"O fato de o consumo de drogas continuar a crescer é prova de que a política proibicionista fracassou", disse Nadelmann. "A população precisa se conscientizar de que a atual política causa mais danos que o uso das drogas em si, e que agora precisamos de controles sobre o uso das drogas", completa.

Segundo o especialista, o clima já é de mudança no seu país: dois governadores - da Califórnia e de Nova York - já falam em abrir o debate e um senador da Virginia apresentou um projeto de lei para reavaliar o impacto da atual política sobre o sistema carcerário do país.

A legalização, a seu ver, é a solução para acabar com o mercado negro de drogas, bloquear o acesso dos traficantes a vastas fortunas, além de desfazer nos dependentes químicos a ilusão de que o usuário de drogas é um rebelde.

Nadelmann acredita, ainda, que, juntamente com o crescente uso de drogas ilícitas, a utilização de substâncias psicoativas da indústria farmacêutica já é um fato consumado. É hora de uma tomada de posição. Apesar de implicar em um processo possivelmente lento e confuso, "uma reforma da política de drogas é inevitável", disse Nadelman.

O senhor é a favor da legalização de todas as drogas ou apenas algumas? Como seria o processo de legalização?

Eu acho que não existe alternativa ao processo gradual. Nos EUA, quando acabamos com a proibição ao álcool, foi bem dramático. A respeito da questão de quais drogas legalizar, eu sou a favor da legalização de algumas, mas não todas as drogas. Tampouco recomendo que todas as drogas sejam tratadas como o álcool e o tabaco. É possível tornar legalmente disponíveis algumas drogas que hoje são ilegais, mas de maneira muito mais restrita. Os dependentes químicos receberiam drogas apenas através de clínicas.

Ou seja, há formas de se reduzir o mercado negro e transferir o mercado da ilegalidade para a legalidade. Mas eu também não recomendo que o crack, a cocaína e as drogas em geral sejam vendidas como o álcool e os cigarros.

A descriminalização do uso de drogas ilícitas não levaria a um aumento do uso de drogas?

Não porque a descriminalização se resume essencialmente a acabar com as penas criminais por simples uso ou posse. Por outro lado, ao torná-las legalmente disponíveis, é possível que exista um risco de aumentar o número de pessoas que usam drogas. Mas é importante entender que a legalização resultaria em mais pessoas usando drogas, mas menos pessoas sofrendo danos por causa delas.

Poderia explicar?

Se, por exemplo, se eu tivesse que escolher entre uma sociedade em que um milhão de pessoas são viciadas em heroína ilegal, comprando suas drogas no mercado negro, sustentando a indústria do crime, sendo contaminadas com HIV ou hepatite C por causa de seringas não-esterilizadas, sujeitas a overdose, e talvez roubando para sustentar seus hábitos. Ou, por outro lado, um mundo em que dois milhões ou até mesmo três milhões de pessoas usem heroína, mas de uma fonte que esteriliza as agulhas, sem o risco de contrair ou difundir o vírus do HIV ou a hepatite C, sem o risco de ter uma overdose - porque os usuários conhecem as drogas que compram, sem pagar o preço dos mercados negros, e sem sustentar criminosos, diria que mais usuários legais de drogas pode ser mais vantajoso para a população que um grupo menor de usuários ilegais.

Como é que a descriminalização afetaria os mais jovens?

Acredito que o jovens já têm um acesso muito fácil a drogas como a maconha. Não imagino que a legalização leve a um aumento no uso de maconha entre os jovens. Pode ser que aumente o uso entre as pessoas mais velhas, mas não entre os jovens.

O uso de drogas caiu em Portugal desde 2001 graças à descriminalização do uso e a investimentos em políticas preventivas. O senhor acredita que essa é uma solução?

Portugal é um ótimo modelo. E é bom, porque, por muitos anos, falamos na maioria das vezes sobre os Países Baixos e a Suíça como modelos. É bom ver que Portugal tem se destacado na liderança na descriminalização da posse para uso pessoal de todas as drogas, sob uma abordagem de saúde pública.

E por que houve essa queda no uso de drogas em Portugal?

Essa queda relatada do uso e abuso de drogas em Portugal me lembra do que aconteceu nos Países Baixos. Os holandeses afirmam que, quando descriminalizaram a maconha, conseguiram tornar a maconha sem graça, chata. Ela perdeu sua atração.

Do mesmo modo, se olharmos para a Suíça, por exemplo, onde muitos dependentes obtêm sua heroína legalmente nas clínicas, vemos que lá o mercado negro de heroína perde seu dinamismo, não é mais a droga dos rebeldes. Se você pode ir a uma clínica para consegui-la, então para que usar drogas nas ruas? É um lado da descriminalização... Da mesma forma que reduz as penas e, às vezes, torna as drogas fáceis de se obter, também reduz o apelo da ilegalidade - reduz a sedução de "fruto proibido" da droga.

Se a legalização oferece melhoras na qualidade da droga, quais seriam as conseqüências?

Para muitos dependentes da heroína, quando finalmente têm a oportunidade de obter a droga legalmente - como na Suíça, nos Países Baixos, na Alemanha, e no Canadá - é a primeira vez que se olham no espelho e se perguntam "por que estou fazendo isso?". É quando muitos deles percebem que o vicio para eles é não tanto a droga, mas o estilo de vida como transgressão - isso se torna uma razão para sair da cama de manhã, dá sentido a vida... Quando eles podem ter sua heroína de graça ou a baixo custo de uma fonte legal, é como se eles perguntassem a si mesmos: "o que é que eu estava pensando? Por que eu estava fazendo isso?".

E o mesmo se aplica a maconha?

Bem, a maconha é um pouco diferente, porque a maconha é...

Menos proibida?

Sim, e grande parte das pessoas não constroem seu estilo de vida ao redor da maconha. Para muitas pessoas, a maconha é mais semelhante ao álcool, é algo que se usa para relaxar, ocasionalmente... E do mesmo modo em que há os dependentes, como há pessoas dependentes do álcool, e embora esse vício possa ser um problema sério, ele não leva à morte, não está associado à violência. Claro que não é bom ser viciado, mas a maconha é uma das drogas menos perigosas do ponto de vista da dependência.

O senhor recomenda a legalização do comércio de drogas? Qual é a lógica de se descriminalizar o uso de drogas, mas não o comércio?

Seria bom ir diretamente da proibição à regulamentação, mas o processo político não permite isso. Inevitavelmente, este vai ser um processo gradual, e cheio de contradições. A evolução da reforma da política de drogas exige primeiro, que descriminalizemos e legalizemos a posse para uso pessoal. O que gera um conflito com a proibição criminal sobre a venda. É uma tensão necessária para se progredir politicamente. Não há alternativa a não ser atravessar a fase absurda em que a posse é descriminalizada, enquanto a venda continua a ser criminalizada.

E como seria o processo de legalização da venda?

Eu defendo a regulamentação das drogas. Precisamos de uma regulamentação sensata e pragmática. Acredito que precisamos taxar e controlar as drogas que são ilegais hoje, a maioria delas. Isso significa limitar sua disponibilidade, exigir licença de quem vende. Deve ser permitido o cultivo de pequenas quantidades de maconha para uso pessoal do mesmo modo que é lícito guardar bebidas alcoólicas em casa. Mas, no caso de venda a terceiros, seria preciso uma licença, supervisão e garantia de qualidade.

E as taxas?

É bem interessante: há algumas semanas, em Oakland, Califórnia, o público aprovou um referendo para introduzir impostos sobre maconha para uso medicinal. E o referendo foi apresentado pelas pessoas que vendem essa maconha. É um exemplo bastante raro de pessoas lutando pelo direito de pagar impostos. Quem luta pelo direito de pagar impostos? No caso deles, é um elemento de legitimização.

O senhor acha que um processo de legalização seria demorado ?

Bem, eu gostaria que tudo fosse baseado na ciência e na discussão racional... Infelizmente, como em qualquer evolução política, vai ser complicado com muito vai-e-vem. Assim como qualquer movimento por liberdade e justiça, à medida que ele cresce, as pessoas divergem, porque isso faz parte da natureza humana.

A discussão atual sobre questões como o tipo de manifestações públicas, "deve haver uma marcha da maconha? Deve haver protesto público?", ou de linguagem "devemos usar a palavra 'legalizar' ou não, apenas descriminalizar?“ Vai sempre gerar debate... Isso vai se encaminhar para o processo político, com toda a negociação do processo legislativo. Então o processo de reforma vai ser lento, vai ser confuso, mas é inevitável.

Inevitável significa daqui a quantos anos?

É impossível dizer. Se voltássemos no tempo até 1800 e perguntássemos quando a escravidão iria ser abolida, alguns responderiam "nunca" e outros, "em cinco anos". E, de fato, levou poucos anos em alguns países, e, em outros, três ou quatro gerações. Então não sabemos. Temos uma certeza: a proliferação de drogas psicoativas, em sua maioria, drogas farmacêuticas, é inevitável.

Então o crescente uso de drogas não se limita às substâncias ilícitas?

O uso e o abuso de drogas vão levar cada vez mais às drogas farmacêuticas. Isso vale tanto para as drogas que são prescritas legalmente pelos médicos quanto para as drogas desviadas ilegalmente por pacientes e farmacêuticos. Mas esse é o futuro. De forma que não vamos ter alternativa a não ser descobrir como conviver com isso, como reduzir os danos. E esse é um problema para o qual as leis criminais são particularmente mal articuladas.

A única alternativa vai ser contar cada vez mais com uma regulamentação sensata, consumidores mais conscientes. E essa abordagem vai levar diretamente a estratégias para drogas como a heroína, a maconha, a cocaína e entre outras.

A legalização ajudaria a reduzir a violência em cidades afetadas pelo tráfico?

A legalização ajudaria de maneira significativa, porque seria possível obter drogas nas clínicas, farmácias e lojas. Ninguém iria a uma favela para comprar suas drogas ilegalmente. O mercado ilegal desapareceria com o tempo.

O senhor recomenda a legalização para o Brasil?

Sim, é essa a direção a seguir. É importante encontrar diversas maneiras de permitir às pessoas que querem - ou são dependentes e por isso precisam – obter suas drogas de fontes legais. Isso não significa que você deve equiparar essas substâncias ao álcool ou tabaco, mas que precisamos ser criativos ao competir com e minar o mercado negro.

E o que fazer com os traficantes?

No início dos anos 30, quando o debate sobre a proibição do álcool estava acontecendo havia essa preocupação com os traficantes de álcool, Al Capone, e os outros. E você sabe o que aconteceu? Muitas pessoas que faziam bebidas alcoólicas ilegalmente, em seus quintais, simplesmente pararam suas atividades com a legalização.

Um segundo grupo estava ligado às oportunidades que surgem com o mercado negro. Estavam envolvidos no crime por causa do lucro fácil. Alguns deles tentaram migrar para outros crimes, mas nada era tão lucrativo e tão fácil quanto o álcool, (e o tráfico de drogas). O resultado foi que muitos perderam o interesse e abandonaram as atividades... Por fim havia aqueles criminosos "comprometidos" e, com a legalização, tentaram se envolver na distribuição legal. Eles extorquiam dinheiro de donos de bar e distribuidores.

Por isso imagino que alguns dos narcotraficantes optariam por esse caminho. Tentariam se envolver no ramo legal, ou, talvez, em outros crimes, que eles já praticam de qualquer jeito. Mas eu acho que não há nada que dê tanto dinheiro ilegal, nada que tenha um mercado negro tão dinâmico. Não há nada tão fácil de acessar como o mercado ilegal de drogas. Então, se não houver mais esse mercado, pois as drogas se tornariam legais, acarretaria em uma perda de bilhões de dólares no Brasil, dezenas de bilhões de dólares nos EUA, e centenas de bilhões de dólares no mundo. Fortunas que deixariam de sustentar o mercado negro.

A legalização nos EUA está ganhando força?

Bem, a legalização da maconha está agora se tornando uma possibilidade real. Como eu mencionei, o governador Schwarzenegger, da Califórnia, disse que precisamos de um debate. O governador Paterson, em Nova York, disse a mesma coisa. Há um senador de Virginia, James Webb, que é bem conservador e introduziu um projeto de lei para criar uma comissão para pesquisar como a guerra às drogas afeta o problema da superpopulação das prisões. Quando lhe perguntaram sobre a legalização, ele respondeu que "todas as opções devem estar sobre a mesa".

Os EUA estão no início de um debate muito mais sério e centralizado sobre a legalização da maconha. Com relação às outras drogas os debates devem enfocar medidas de redução de danos, clínicas para obtenção de heroína, por exemplo.

Se o uso de drogas está aumentando na América Latina, como convencer a sociedade a legalizar ou mesmo a descriminalizar o consumo?

Primeiramente, se o consumo de drogas cresce, é uma prova adicional de que a proibição fracassou. Se funcionasse, o consumo estaria caindo, e ele não está. Em segundo lugar, o público precisa entender que há dois problemas: um é a questão do abuso de drogas, e outro é diz respeito à política de proibição. Quando a mídia começar a associar a proibição e a criminalização como parte do problema, o público vai entender melhor. E é aí que o público vai entender que o uso de drogas varia, mas o mais importante é gerenciar isso do melhor jeito possível para reduzir os problemas das drogas e reduzir os problemas das nossas políticas de drogas.

O público precisa entender como funciona a política de drogas?

Como eu disse, para a maioria das pessoas que usa maconha, a maior ameaça para suas vidas e sua saúde não vem do uso da maconha, mas das leis que regem o uso da maconha. Para muitas pessoas envolvidas com a cocaína - que pode ser uma droga muito mais perigosa -, os danos da ilegalidade são ainda maiores que os danos do uso da droga.

Outra coisa a se pensar é que se a cocaína se tornar legal, o seu uso iria se diversificar... Há o chá de coca que contém cocaína, não é um problema. Coca-cola costumava conter cocaína, e não era um problema. Havia um vinho chamado Vin Mariani na França que continha cocaína. Esse não é o problema. Se fosse legalizada, é possível que ela seja usada de outros modos.

Em alguns lugares, as pessoas beberiam chá de coca, ou mascariam chiclete de coca durante a tarde. E talvez até vá competir com o café expresso. Não é como se todo mundo fosse começar a usar a cocaína aspirada ou injetável. A maioria das pessoas não quer injetar drogas, não quer fumar crack, legal ou ilegalmente, e não quer colocar pó pelos seus narizes. A maior parte das pessoas prefere consumir drogas de modos que sejam menos destrutivos para suas vidas.

Tradução: Pedro Vicente


Fonte: Comunidade Segura.

20 maneiras de reduzir o estresse e a ansiedade

1. Tenha controle da situação: fazer uma reflexão sobre o momento do vestibular é importante para mensurar os desafios; lembre-se de que imprevistos como as mudanças dos vestibulares e o recesso extra da gripe suína aconteceram com todos os candidatos.

2. Reserve tempo para fazer o que gosta: ir ao cinema, passear com os amigos e tocar violão são atividades relaxantes que podem ser conciliadas com o estudo. “O ser humano não pode dedicar todo o seu tempo, esforço e energia para uma única causa. Seu desempenho será melhor se ele for uma pessoa mais completa”, diz a psicóloga Marilda Lipp, do Centro Psicológico de Controle do Stress.

3. Pratique exercícios físicos: correr, caminhar, nadar e andar de bicicleta são atividades leves, não produzem muito cansaço e podem ser encaixadas em qualquer rotina.

4. Estude em um lugar iluminado, arejado e silencioso: escolha um local agradável onde você possa ficar por um longo período de tempo sem ser incomodado.

5. Estabeleça horários de estudo: manter a disciplina é fundamental para esses últimos meses antes do vestibular; se possível, faça uma lista de atividades e programe o que você vai estudar no dia.

6. Seja organizado: deixe o material sempre arrumado e acessível; na hora do estudo, separe tudo o que possa ser necessário (fichas de estudo, atlas, dicionário etc.). Isso aumenta a segurança.

7. Faça pausas: o ideal é fazer intervalos de 15 minutos a cada uma hora e meia de estudo; após esse período, o rendimento tende a cair.

8. Controle o tempo gasto com televisão e computador: são atividades que distraem a atenção e perturbam o ambiente; reserve um horário no dia para assistir ao seu programa preferido, mas deixe a conversa com os amigos na internet para o final de semana.

9. Durma bem: o ideal é estabelecer horários fixos para o sono, para regular o organismo; o descanso deve variar de sete a oito horas por dia.

10. Tenha uma alimentação saudável: evite alimentos que não fazem bem a você; não deixe de fazer refeições para estudar nem desconte sua ansiedade na comida.

11. Evite café: a bebida é estimulante e pode aumentar a ansiedade; o mesmo serve para outros produtos com cafeína.

12. Elimine compromissos desnecessários: evite marcar muitas tarefas, como cursos fora da escola, quando você sente mais culpa do que prazer em executá-las.

13. Faça uma coisa de cada vez: respeite seus horários de estudo e de descanso; cumpra cada tarefa em etapas.

14. Ouça música: no período de descanso, numa caminhada ou durante o banho, a música relaxa e ajuda a preparar a mente para uma próxima atividade.

15. Diversifique a leitura: durante o descanso, leia revistas, jornais e contos que não estejam relacionados ao estudo.

16. Estude sozinho: reservar um momento para estudo individual ajuda na aprendizagem e aumenta a autoconfiança.

17. Mude de assunto: fora do horário de estudo, evite conversar sobre provas e outras questões que causem preocupação.

18. Seja flexível: a disciplina é importante para o bom desempenho, mas não se torture quando não conseguir cumprir o que planejou; sinta-se livre para rever prioridades de estudo e descansar quando for necessário.

19. Relaxe o corpo: o relaxamento muscular progressivo, técnica de contrair e relaxar os membros, ajuda a aliviar a tensão.

20. Respire: especialistas recomendam a respiração profunda (diafragmática) como forma de reduzir a ansiedade; pode ser feita nos momentos de tensão ou nos intervalos entre um estudo e outro. Aprenda como:

- Inspire lentamente pelas narinas, contando até três, até encher o abdômen;
- Prenda a respiração também contando até três;
- Expire lentamente pela boca, contando até seis;
- O ideal é seguir essa série três vezes.

Fontes: psicólogos Bernard Rangé (UFRJ), Marilda Lipp (Centro Psicológico de Controle do Stress - SP), Patrícia Tasca (Santa Casa do Rio de Janeiro) e Helder Kamei (Anglo)

(DANIELA MERCIER)


Fonte: Estadão. Blog do Fovest.

Quando gritar não é suficiente

De crime contra os costumes, o estupro passou a crime contra a dignidade sexual.

SÃO PAULO - "Será justo, então, o réu Fernando Cortez, primário, trabalhador, sofrer pena enorme e ter a vida estragada por causa de um fato sem consequências, oriundo de uma falsa virgem? Afinal de contas, esta vítima, amorosa com outros rapazes, vai continuar a sê-lo. Com Cortez, assediou-o até se entregar. E o que em retribuição lhe fez Cortez? Uma cortesia..."

A gentileza de Fernando Cortez indignou a jurista Silvia Pimentel. Tanto que, ao lado das pesquisadoras Valéria Pandjiarjian e Ana Lúcia Schritzmeyer, ela decidiu escanear outras cortesias do gênero pelas cinco regiões do Brasil. Diante de 50 decisões de tribunais de Justiça, as três compilaram tudo em livro e confirmaram o seguinte: o crime de estupro era o único do mundo em que a vítima é acusada e considerada culpada da violência praticada contra ela.

Isso foi em 1997. Silvia diz hoje ter vontade de fazer outra pesquisa, mas é bem possível que a essência do problema dispense atualização. Por sua experiência como vice-presidente do Cedaw, Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, organismo da ONU, o estupro continua entre o crime e a cortesia pelos hemisférios afora. Aqui, a lei nº 12.015, do último 7 de agosto, tenta apertar o cinto em torno da violência sexual, acomodando o atentado violento ao pudor sob a premissa do estupro no Código Penal. De crimes autônomos, tornaram-se um só. É por causa dessa mudança que o médico Roger Abdelmassih foi acusado de 56 estupros contra pacientes, e não de 53 atentados ao pudor e 3 estupros.

Uma das criadoras do Conselho Estadual da Condição Feminina, do Estado de São Paulo, fundadora do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), professora de filosofia do direito da PUC-SP, Silvia se diz uma aprendiz contumaz. A lição mais recente veio da última reunião do Cedaw, em Nova York, da qual é recém-chegada. Ali confirmou que o estupro ainda é estratégia poderosíssima em conflitos armados: "O inimigo acaba com a autoestima da outra parte, as mulheres estupradas perdem a autoestima, seus maridos também, seus pais idem". No âmbito doméstico, ele continua abafado pelas conivências familiares. No meio jurídico, se não for por cortesia, por vezes vigora pelo padrão. "In dubio pro stereotypo", diz Silvia, em frase de sua autoria, que ela aos poucos destrincha na entrevista a seguir.

A lei 12.015 é uma conquista das mulheres na medida em que suprime o atentado violento ao pudor e o inclui no artigo que trata do estupro?

É uma conquista, em primeiro lugar, porque os crimes sexuais deixaram de ser crimes contra os costumes. Até este mês, estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude e assédio estavam sob essa rubrica no Código Penal. A minha hipótese é a de que isso acontecia porque o estupro, em especial, é visto como um ato disfuncional da sociedade ofensivo aos seus bons costumes. Daí a veemência e repúdio ao delito em si, havendo o uso de expressões contundentes e desqualificadoras em relação ao estuprador. Contudo, ainda se expressa desrespeito também à parte ofendida, levantando dúvidas quanto às suas declarações e à sua própria moralidade.

O fato de unificar a expressão ‘atentado violento ao pudor’ com o estupro fará diferença quanto ao tratamento da vítima?

Acho que essa unificação responde de imediato a uma crítica quanto à linguagem. No ideário popular, a violência sexual máxima é o estupro. E ele designa mais do que a conjunção carnal com a penetração vaginal. Entendemos também como estupro a penetração anal, por exemplo. Ofende tanto quanto. Nos Estados Unidos, ambos são rape. Na Inglaterra, também.

Por que fazemos diferença aqui?

O direito brasileiro definia assim porque está ligado de uma maneira muito forte à ideologia patriarcal. A legislação penal que vigorou entre nós nos primeiros anos do Brasil foram as ordenações filipinas, e essas expressões todas derivam delas. A ideia de pudor, por exemplo, está intimamente ligada a recato, honestidade, virgindade, defloramento. Antes, cabia ao marido pedir a anulação do casamento caso sua mulher tivesse sido deflorada por outro homem. A questão da virgindade era o ponto alto. O estupro, visto apenas como penetração vaginal, é aquele que de fato compromete essa noção familiar porque a vítima pode perder a virgindade e ainda correr o risco de ficar grávida. Mas a nossa sociedade se transforma, e o direito existe para acompanhá-la. Hoje a palavra "estupro" designa mais do que designava. No artigo 213 da mesma lei, por exemplo, estupro significava "constranger a mulher". Agora é "constranger alguém", pode ser de ambos os sexos.

Nesse mesmo artigo, estende-se também como estupro ‘praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso’. De que ato libidinoso se trata aqui?

Se você quer saber se eu acho essa linguagem boa, eu vou dizer que não. Não acho. Primeiro, precisamos ler duas ou três vezes para entender quem é esse "ele". Depois, "ato libidinoso" é muito amplo. No direito, muitas vezes existe indeterminação numa norma legal. Onde está a definição de ato libidinoso? Não está. Já deve existir uma definição por parte dos penalistas para isso, mas não é uma definição legal. Por não estar definida, paira certa vaguedad. Não gosto de traduzir para o português essa vagueza, é estranho demais. Os juristas argentinos, aliás, há muito tempo trabalham bem com esse conceito. De qualquer forma, a linguagem jurídica tem sempre de ser muito comunicativa.

Alguns homens já dizem que um beijo roubado pode torná-lo um criminoso...

Um beijo roubado não vai torná-lo criminoso da noite para o dia, isso não deve ser encarado como estupro. Agora, não podemos nos esquecer do assédio sexual. Nesse sentido, meu projeto vai mais no sentido educativo do que o atual, propondo políticas internas nas empresas para uma atenção maior para o tema. Acho mais rico que trabalhem a questão do que punam. A ideia que temos é de que assédio sexual não é crime, mas é. Para caracterizar assédio sexual ele precisa ser de um superior, e muitos chefes têm esse tipo de procedimento. Eles se valem da relação de poder que têm no ambiente para obter isto ou aquilo em troca de benesses. Não é nada fácil comprovar um assédio sexual. É mais fácil comprovar o estupro, que deixa evidências para o IML.

Antes da lei, podia-se somar as penas de estupro com a de atentado ao pudor. Ou seja, chegaríamos a 20 anos de reclusão máxima, e não a 10. A pena foi, de certa forma, atenuada. Seria uma falha da unificação?

Em termos de Direito Penal, não me preocupo tanto com a quantidade da pena, e sim com uma tipificação clara, com uma penalização razoável e uma punição efetiva. E não estou dizendo, com isso, que os colegas que criticaram esse ponto estejam juridicamente incorretos. Ocorre que, muitas vezes, quando se estabelecia a soma das penas de estupro e atentado violento ao pudor, a pena ficava tão imensa que descaracterizava até o crime.

A senhora mencionou, no início da entrevista, que se levantam dúvidas quanto às declarações da parte ofendida. Isso ainda acontece com frequência?

Existem pesquisas, como a minha, que mostram que a palavra da mulher, especialmente a da mulher adulta, não é levada a sério. Muitos ainda dizem que ela quis ser estuprada ou se insinuou além da conta. Com as crianças, há uma boa vontade por parte dos operadores do direito. Ainda assim, se a boa vontade fosse tão grande, não teríamos uma prostituição de menores do tamanho da que existe no nosso país. Essa prostituição significa estupro reiterado pelos homens que mantêm relações sexuais com menores.

Em relação aos demais poderes, o Judiciário ainda é o mais resistente a essas reivindicações de gênero?

O Judiciário tem sido tradicionalmente apontado como poder conservador. Ao mesmo tempo, é ele, principalmente por meio das suas instâncias primeiras, que está trazendo luz a uma série de temas polêmicos. Um exemplo é a união civil homoafetiva. Esse projeto de lei, apresentado por Marta Suplicy há tantos anos, não consegue ser aprovado no Legislativo. Ao mesmo tempo, em nove Estados brasileiros e no Distrito Federal, temos decisões judiciais reconhecendo a união, de fato, de um par homossexual como aspecto de relação familiar.

Vem também da desconfiança quanto ao Judiciário a dificuldade de denunciar?

Existe essa dificuldade em todas as regiões do mundo, dos países mais modernos aos menos desenvolvidos. A violência sexual é algo muito íntimo, muito privado. Não raro a mulher evita contar sobre essa violência até mesmo para o marido. Ela se envergonha. Por quê? Porque está no inconsciente que, quando o estupro acontece, a mulher deu causa. Vou dar um exemplo. Uma aluna minha foi estuprada na Praça da Sé por volta das 18h30 num dia da semana. No seguinte, ela foi à faculdade. Estava mal, com a cabeça encostada na parede. No final da aula, ela e uma colega vieram até mim. A colega disse que ela queria contar do estupro. A menina estava tão chocada que nem retirou a calça jeans para ir ao banheiro desde a noite anterior. Ainda assim, não quis denunciar o caso na delegacia da mulher nem contar para os pais. O máximo que consegui foi orientá-la na parte médica. Pois a menina tinha um namorado. Três meses depois o menino terminou o relacionamento. Ela disse que ele passou a olhá-la de forma diferente depois que soube do estupro. Ela estava se sentindo culpada de alguma maneira. Ou seja: gritou, mas não gritou o suficiente. Impediu, mas não como devia.

O estupro é um crime que envolve muita reincidência?

Li muito a respeito, e em diferentes perspectivas, mas existe pouco estudo e conhecimento a respeito da reincidência. Agora, é fato que essas relações sexuais se dão muitas vezes com pessoas das próprias relações, como amigos e parentes. Isso torna a situação ainda mais difícil porque implica estabilidade de um relacionamento social que transcende o relacionamento com aquele tio ou aquele pai. A família inteira se envolve. É altamente provável que as mães saibam quando os pais reiteradamente têm relações com suas filhas. Dizer que não sabiam? Você acredita nisso? Eu, desde que tenho filho, tenho sonho leve. A gente fica atenta. Até porque isso se dá na própria casa, que em geral não é do tamanho de um Palácio de Versailles. Para manter o status quo, há interesses os mais óbvios, como os econômicos e financeiros, até dependência emocional e psicológica. Conheço casos de mães que praticamente negociavam a filha de 2 anos com o marido/amante/namorado para não perder o parceiro.

A senhora acha que a mudança da lei pode provocar protestos em torno do estigma de ser chamado de estuprador? Quem praticava atentados violentos ao pudor não recebia essa denominação...

Eu acho que a notícia de que alguém teria praticado mais de 50 atos hoje categorizados como estupros determina uma decisão diferente. Pode-se, pelo menos, mudar essa naturalização da violência sexual. Ser chamado de estuprador é, sim, muito forte, tanto que, quando o acusado chega à prisão, ele recebe uma sanção dos próprios presidiários no sentido do que os presos entendem por estupro. Veja o disparate, o nonsense da situação. Esses mesmos homens que estupram um estuprador que vai para a cadeia talvez tenham tido relações nunca sabidas com as próprias filhas. Onde está a lógica? O pai que tem relações incestuosas entende que tem o direito de fazê-lo. As meninas seriam suas coisinhas. Por que os homens têm essa compreensão e, na cadeia, se julgam no dever ético de punir o estuprador? Acham que os outros estupradores estariam colocando em risco suas próprias filhas e mulher, que são propriedade deles. Se o outro estupra minha propriedade (filhas e mulher), ele está invadindo/usurpando a propriedade alheia.

Pode ser que o agressor ache que não estuprou.

Em 1996 estive no Peru, onde um jovem sociólogo havia entrevistado presos estupradores. Dali saiu um livro. Enfim, seus entrevistados eram presos condenados por estupro, todos na cadeia. O autor dizia que o mais chocante para ele foi olhar nos olhos desses homens e perceber que eles não tinham a mínima noção da ofensa que faziam. Diziam: "Mas eu nunca machuquei a minha filha". Alguns não machucam mesmo, isso se dá pela sedução. Freud veio mostrar que existe o complexo de Édipo e o complexo de Electra. Nossa condição humana, o instinto do seres humanos, nos leva à atração. Agora, somos seres humanos, não somos animais irracionais. Devemos articular as nossas ações, que são razão e não-razão. Daí a importância de vivermos numa sociedade que tenha claro, como valor social e jurídico, o não-incesto. Qual é a primeira ação tipificada como crime na sociedade? O incesto. As pessoas têm que se organizar internamente, saber que uma sociedade civilizada repudia não só o incesto, mas qualquer violência sexual contra as mulheres, sejam elas pequenininhas, adolescentes, mulheres maduras ou idosas.

São muitos os casos de violência sexual contra mulheres idosas?

Em dados numéricos, não. Mas existe sim. Algumas pesquisas mostram que o estuprador compulsivo violenta a primeira mulher que aparece. Claro que as bonitas estão mais vulneráveis, e as crianças mais ainda, isso em todas as sociedades. Na ONU, venho falando muito nesse tema e vejo que minhas palavras causam mal-estar porque as pessoas não querem dar nome às coisas. A primeira coisa que devemos fazer quando descobrimos um problema é nomeá-lo.

A violência sexual permeia todas as camadas sociais?

Várias colegas minhas da área de psicologia e alguns de pesquisas dizem que é provável que os dados mostrando alta incidência de estupro nas camadas menos favorecidas têm relação com a menor intimidade delas. Nas camadas sociais mais altas, as questões vão para os divãs dos psicólogos e psiquiatras. Muitas mulheres de classe média alta podem não ter contado o que viveram aos maridos, mas certamente o fizeram aos seus terapeutas. O importante é lembrar que a divisão entre o mundo privado e o público sempre existiu, mas essa divisão foi questionada em termos históricos pelas mulheres feministas. Elas perceberam que o historicamente privado não pode continuar a sê-lo porque as maiores violências que acontecem contra as mulheres se dão dentro de casa. E em todas as camadas sociais.

Uma maior educação pode diminuir a incidência desse crime?

Não existe nenhuma pesquisa sobre isso. Na minha percepção, a educação precisa ter um papel nisso tudo, que é o de contribuir para o domínio sobre os próprios instintos.

Há dados a respeito de violência sexual praticada por médicos?

Eu desconheço. Talvez procurando no Conselho Federal de Medicina... O que posso dizer é que nunca vi ninguém fazer intervenção cirúrgica sem ter um assistente. Mas muitas pessoas não querem perder o emprego. Ao mesmo tempo, a mulher dizer que um médico tentou uma violência sexual contra ela é muito difícil. O parceiro sempre pode ter dúvida. Não é que o cara seja louco, mas isso está consoante com a maneira de se interpretar o fenômeno que mencionamos anteriormente. Além de se sentir culpada por causa do marido, ela se percebe muito coitada, fica fragilizada, machucada no âmago.

O estupro é a forma mais intensa de submissão?

Sim, é a forma mais intensa de submissão, uma arma muito usada na guerra, inclusive. O inimigo acaba com a autoestima da outra parte. As mulheres estupradas perdem a autoestima, seus maridos também, seus pais idem. Veja você o caso congolês. Há um filme chamado Rape in Congo, que foi passado para nós na última reunião da ONU. É uma grita geral porque os homens estão sendo estuprados. É óbvio que estou de acordo com que a gente grite por eles, mas por que não gritam igualmente pelas mulheres estupradas? Lembra-se das comfort women, famosas na 2ª Guerra Mundial? Justificou o ódio de uma grande região da Ásia em relação aos japoneses, que tomavam as meninas dos povos conquistados e as levavam aos locais onde estavam os guerreiros para que servissem de prostitutas. Têm sido feitos livros e pesquisas para que essas mulheres contem suas histórias.

Além do Congo, que outro caso recente de violência sexual foi ouvido pela ONU?

Foi um caso que envolve liberianos num campo de refugiados no Arizona (EUA). Uma menina liberiana de 9 anos foi estuprada por liberianos. Quando a família soube do fato, pôs a menina pra fora de casa. A Libéria tem uma presidente mulher. Ela se manifestou publicamente fazendo o seguinte: passou uma mensagem à família da menina dizendo que ela não poderia ter feito isso, mas passou outra ao governo do Estado americano no sentido de que deem a esses rapazes estupradores a possibilidade de se reinserirem culturalmente na sociedade. Como recebemos a Libéria exatamente agora, levantei o tema. Foi lembrado pela delegação deles que deveríamos considerar que o país ficou 14 anos em guerra civil e que ambas as facções ou grupos que brigavam entre si, partidos políticos que sejam, estupravam as mulheres da outra facção. O que estou verificando pouco a pouco é que o estupro em conflitos armados é um dos problemas mais universais e um dos que mais precisam ser trabalhados.

E como o Comitê Cedaw lida com esses casos?

Bom, nós lidamos diretamente com todos os países que ratificaram a Comissão da Mulher. Eles são obrigados a nos entregar relatórios de cumprimento dos 16 artigos de substância sobre os direitos femininos, dizendo o que fizeram e o que deixaram de fazer e apontando os obstáculos. Nós analisamos esses relatórios e encaminhamos perguntas a eles. Depois chamamos os representantes desses países e mantemos um dia inteiro de diálogo construtivo. Nesse trabalho na ONU, aprendi muito escutando grupos de ONGs que trouxeram mulheres violentadas. Vi que o curative rape ainda vigora em algumas regiões do mundo, em diferentes versões. Numa delas, meninas que chegam à puberdade e ainda não definiram sua sexualidade são violentadas para que optem pela heterossexualidade. Já em alguns grupos étnicos do Laos, as meninas são disponibilizadas para o estupro coletivo e até agradecem por isso. Se não forem estupradas, não viverão além de 35 anos. Acho que nenhuma sobrou para contar história diferente. Já na região da Mauritânia as meninas, quando fazem 9 anos, são amarradas a uma cadeira durante o dia. Em volta são colocados 18 litros de leite, uma quantidade enorme de cereais, isto e aquilo, para que engordem até 120, 130 quilos. Quando atingem esse peso, estariam no ponto para serem dadas aos seus esposos. Qual é a crença? Quanto maior forem, maior será o tamanho do lugar que ocuparão no coração do marido. O que cada vez mais aprendo dessas situações horrorosas a que as mulheres são submetidas é que há sempre uma justificativa comum: a sublimação é boa para a sociedade.


Estadão. Aliás. Sábado, 29 de agosto de 2009.

O déficit de vagas nas prisões

Três semanas após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter divulgado o relatório sobre os mutirões que promoveu nos superlotados estabelecimentos penais de diferentes unidades da Federação, mostrando a situação degradante em que vive a maioria esmagadora da população encarcerada, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado ao Ministério da Justiça, lançou outro estudo revelando que os problemas do sistema prisional podem se agravar ainda mais, por causa do déficit de vagas.

Em dezembro de 2008, havia 469 mil pessoas presas, vivendo em condições deploráveis nas 295 mil vagas oferecidas em 1.771 presídios no País. Segundo as estatísticas do Depen, o déficit de vagas, que era de 150 mil, em 2007, ficou em mais de 174 mil no final de 2008. E a estimativa é de que a situação vá se agravar, uma vez que há cerca de 490 mil mandados de prisão expedidos pela Justiça, que ainda não foram cumpridos pela polícia.

Somente no Estado de São Paulo, onde há 149.647 pessoas encarceradas, cumprindo pena ou aguardando julgamento, é necessária a criação de pelo menos 55 mil vagas para se resolver o problema de superlotação das prisões. Na região metropolitana, os Centros de Detenção Provisória (CDPs) abrigam 21.670 presos a mais do que o número de vagas disponíveis. Os criminalistas afirmam que as condições de vida dentro dessas unidades podem ser comparadas com as da antiga Casa de Detenção, no bairro do Carandiru - com a agravante de que os CPDs não têm estruturas de presídios.

"São infernos na terra. Lá a carência é absoluta. Faltam colchões, funcionários, remédios e até água", diz Alessandra Teixeira, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Proporcionalmente, a unidade mais superlotada é a Penitenciária Feminina da capital, onde 759 presas se amontoam em celas com capacidade para 251 pessoas. Dos 147 estabelecimentos penais sob controle da Secretaria da Administração Penitenciária, 33 unidades concentram 38% da população encarcerada de todo o Estado.

O preocupante é que o problema da superlotação do sistema prisional não tem perspectiva de solução a curto prazo. E, mais grave ainda, há um jogo de empurra-empurra no setor. O governo federal alega que o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) dispõe de R$ 200 milhões para repassar aos governos estaduais, para a construção de novos estabelecimentos penais, mas reclama que os projetos enviados pecam pela má qualidade. Em 2008, de cada dez propostas enviadas pelos Estados ao Funpen, oito foram recusadas por inconsistências técnicas. Preocupados com o risco de uma onda de rebeliões em 2010, que será um ano eleitoral, os governadores tentam justificar as falhas dos projetos, afirmando que elas decorrem, basicamente, da resistência dos prefeitos. Como mostrou reportagem do Estado na segunda-feira, o governador José Serra desapropriou 23 terrenos no interior para a construção de penitenciárias, mas os prefeitos impedem as obras, ora acionando o Ministério Público, ora apelando para a Justiça. Por temer que rebeliões e fugas aumentem os índices de criminalidade, eles se opõem à construção de novos presídios e penitenciárias em suas cidades, mobilizando a comunidade, entidades empresariais, movimentos sociais e os deputados estaduais e federais com base eleitoral na região. Os governadores também se queixam das ONGs ambientalistas que embargam a construção de novos presídios, sob a justificativa de que agridem o meio ambiente. Com isso, os governos estaduais não conseguem cumprir as exigências técnicas do Ministério da Justiça para a liberação das verbas do Funpen.

O aumento da criminalidade e, por tabela, a elevação do número de presos, está elevando o déficit nos estabelecimentos penais a um ritmo de 25 mil vagas por ano. Medidas de caráter penal e processual podem atenuar o problema, mas sua solução passa necessariamente pela construção de novos presídios. Os prefeitos que resistem à ideia de ter em seus municípios uma unidade prisional precisam se acostumar à ideia de ter, nas ruas de suas cidades, um número cada vez maior de criminosos soltos.

Estadão. Opinião. 27/08/2009.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Lei de crime organizado não pode ser aplicada

Enquanto não houver uma definição do que é uma organização criminosa, a lei que trata dos crimes cometidos por esses grupos (Lei 9.034/05) não deveria ser aplicada. Esta é a opinião do advogado e professor de Processo Penal da PUC-Rio, Diogo Malan, que criticou decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar como prova escutas ambientais feitas no escritório do advogado Virgilio Medina, irmão do ministro Paulo Medina, investigado na Operação Hurricane por acusação de venda de sentenças.

Malan, que participou do painel Prova ilícita e direitos fundamentais durante o 15º Seminário Internacional do IBCCrim em São Paulo, entende que os ministros do Supremo deveriam ter discutido o conceito de organização criminosa antes de aplicar a lei, já que não se sabe se as acusações que pairam sobre o advogado e o ministro podem ser enquadradas na Lei das Organizações Criminosas.

Se chegassem a conclusão de que não se trata de uma organização criminosa, a infiltração de agentes para fazer escutas ambientais no escritório não seria permitida. O advogado reclama ainda da falta de regulamentação para a captação desse tipo de prova, que invade a privacidade e a intimidade do réu, numa afronta a garantias constitucionais.

Esta decisão do Supremo se deu em novembro de 2008, nos autos do Inquérito 2.424. Ficaram vencidos os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio e Eros Grau. A defesa argumentava a ilicitude da prova. Além disso, os advogados questionavam o fato de que as únicas provas são resumos feitos por agentes da Polícia Federal de milhares de horas de grampos telefônicos e gravações ambientais. Outra reclamação era a de que não tiveram conhecimento pleno de todas as degravações que deporiam contra seus clientes.

O desembargador José Eduardo Carreira Alvim, também réu neste inquérito, foi grampeado pela Polícia Federal por dois anos e meio. Nesse período, foram encontradas apenas duas ligações suspeitas, que não somam um minuto de conversa. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o ministro Paulo Medina, afirmou que o ministro foi grampeado por seis meses, mas não consta da denúncia um único diálogo dele.

O Plenário do Supremo, apesar de reconhecer que pode ter havido abuso, observou que essa foi a única forma de investigar juízes de importantes tribunais suspeitos de práticas de crimes no exercício da função. “O Poder Judiciário suporta tudo, menos a perda da sua credibilidade”, afirmou o relator, ministro Cezar Peluso. O presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, observou que, “apesar de existir disfuncionalidade no modelo atual, estamos diante de uma situação específica, em que a única forma de investigação foi o grampo”.

Para o professor Diogo Malan, o STF decidiu errado ao dar maior peso aos interesses da persecução penal do Estado em detrimento das garantias individuais. Ainda mais porque a Lei das Organizações Criminais não traz os procedimentos para a coleta de provas através dos meios que prevê, o que dá margem, como reconheceu a corte, a abusos, disse.

Ele discorda da tese de alguns colegas de que o conceito de crime organizado que consta na Convenção de Palermo (Decreto 5.814/06) dê base para a aplicação da nossa Lei de Organizações Criminosas. Para o advogado, esse conceito só serve para delimitar os parâmetros da cooperação internacional no combate desse tipo de grupo.

“Não é um tipo penal incriminador. Não há previsão de pena. Sem um tipo penal de organização criminosa, o STF não poderia ter chancelado o uso daquele tipo de prova”, afirma. Segundo ele, a lei não prevê parâmetros para a infiltração de agentes e nem os limites para que a polícia faça a gravação ambiental. Na falta de lei, diz, provas como as gravações ambientais são ilícitas.

A distinção entre domicílio, que é inviolável, e o escritório do advogado réu na ação também foi alvo de críticas por parte de Diogo Malan. “Os escritórios de advocacia gozam do mesmo regime constitucional dispensado aos domicílios. Esse cânone da inviolabilidade domiciliar se fundamenta no princípio da dignidade humana.”

Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2009

CNJ encontra 26 presos sem julgamento em hospital

Em mutirão carcerário na Bahia, no início de julho, o Conselho Nacional de Justiça encontrou 26 casos de presos provisórios há anos, sem explicação, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Salvador. Um deles está preso há dois anos por passar trote para a Polícia. Um outro aguarda há nove anos seu julgamento por homicídio simples.

Em junho de 2007, a Stelecom, Órgão da Secretaria de Segurança Pública, responsável pela Superintendência de Telecomunicações da Bahia, detectou o autor de mais de quarenta ligações para o número da Polícia Militar com falsas acusações de crime. Era Hamilton Ferreira Miranda, que foi flagrado no momento em que fazia outra ligação. Preso no dia seguinte, em 2007, Miranda só foi “lembrado” no final de agosto deste ano, quando o mutirão carcerário do CNJ passou pelo HCT, na Bahia. Segundo o CNJ, a pena máxima determinada a um delito como esse, considerado de menor potencial ofensivo, é de seis meses, o que já seria suficiente para a revisão da prisão.

Conforme relato da equipe, o processo de Hamilton perdura há tantos anos por discussões na Justiça por conta de sua sanidade mental e por conflito de competência entre varas. Primeiro, a prisão em flagrante dele foi mantida, mesmo após conhecimento do tipo de delito cometido. Depois, o juízo competente determinou a instauração do incidente de insanidade mental, deixando de verificar a completa carência de fundamentos para a manutenção da prisão cautelar, independentemente da alienação mental ou não de Hamilton. E em outro momento, o 2º Juizado Especial Criminal declarou que o caso não era de sua competência. E o encaminhou para a 1ª Vara Criminal da Capital, em 2007, fazendo o processo se alongar ainda mais.

Virgílio José de Oliveira Santiago passou também por problemas. Há anos recolhido no HCT, acusado de homicídio simples, o caso dele só voltou à tona com o mutirão. Em 2007, a Defensoria Pública do Estado da Bahia impetrou um Habeas Corpus buscando a revisão do processo, mas foi mantida a segregação cautelar. Com isso, ele aguardou por mais nove anos por seu julgamento até que em 20 de agosto, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia determinou a soltura imediata de Santiago.

Mais de 5 mil libertos
Os mutirões foram iniciados pelo CNJ em 25 de agosto de 2008, no Rio de Janeiro, e já passaram por 16 estados. O primeiro ano dos mutirões já resultou na libertação de 5.675 presos, 17,14% dos casos revistos. No período de um ano, as equipes designadas para atuar nos mutirões analisaram, até esta sexta-feira (21/8), 33.106 processos.

A quantidade excessiva de presos provisórios foi um dos problemas dectados nos mutirões. No país, a média geral é de que 43% dos presos, dentre os 450 mil, estejam nessa condição. Entretanto, há estados como Alagoas (77,10%), Piauí (71,16%) e Maranhão (69,10%) onde os índices são bem acima dessa média. “O que nos preocupa é o tempo de provisoriedade, quanto tempo se fica esperando sem audiência, sem instrução e sem julgamento”, explica Erivaldo Ribeiro, coordenador nacional dos mutirões.

Os mutirões carcerários foram criados pelo CNJ para garantir o cumprimento da Lei de Execuções Penais. A ideia do CNJ é de que a equipe, formada por juízes, promotores, defensores públicos e servidores do Judiciário, revisem os processos dos presos provisórios (que ainda não foram julgados) e condenados para verificar os benefícios a que os presos têm direito. Dentre os benefícios concedidos aos detentos, além da liberdade, estão a redução da pena, a visita periódica ao lar e a permissão para trabalho externo.

Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2009

STJ afasta indicativo de fuga de vendedor ambulante

O fato de o acusado não ter sido localizado pelo oficial de Justiça para que fosse intimado da sentença de pronúncia — aceitação do juiz para que o réu vá a júri popular — não pode ser interpretado como indicativo de fuga. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu o pedido de Habeas Corpus em favor de José Josenilson Texeira de Souza para revogar a prisão preventiva decretada contra ele.

José Josenilson responde a processo pelo crime de homicídio qualificado. A prisão preventiva foi decretada em abril de 1997, com o fundamento de que ele havia fugido do distrito da culpa. Entretanto, a defesa afirma que o acusado é vendedor ambulante e necessita fazer algumas viagens para comprar mercadorias, o que pode ter dificultado, em alguns momentos, a sua localização. Todavia, ele tinha advogado constituído e havia comparecido espontaneamente aos atos do processo.

O oficial de Justiça não conseguiu intimar o réu porque não o encontrou em casa. No momento, a mãe informou que ele estava viajando. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do recurso, acolheu a tese da defesa, afirmando que a “pretensa fuga do paciente revela-se insuficiente para embasar a manutenção da prisão preventiva. Não se constata, em princípio, que o réu deliberadamente tenha se afastado do distrito da culpa para se furtar ao processo; por isso, não se verifica, apenas e tão somente por este motivo, a necessidade da medida extrema”.

O relator concedeu a ordem para revogar a prisão preventiva, mediante compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, sem prejuízo de decretação de nova medida cautelar, “caso situação de fato posterior, calcada em dados objetivos, assim recomende”. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

HC 124.932

Seminário discutirá exploração sexual infanto-juvenil

Discutir as dificuldades que a região nordeste enfrenta para garantir os direitos infanto-juvenis. Este é o objetivo do seminário promovido pela Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude (ABMP), em Recife (PE), nos dias 3 e 4 de setembro. Temas como exploração sexual de crianças e adolescentes, turismo sexual, responsabilização penal de adolescentes e os direitos de crianças em situação de rua serão alguns dos temas abordados.

Será apresentada durante o seminário a segunda etapa do Levantamento do Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, feito pela ABMP. A pesquisa trará informações sobre o modo de organização judiciária nos estados do nordeste. Além disso, levantará questões relacionadas à forma de priorização de processos que envolvem crianças e adolescentes em varas não especializadas e à distribuição de competências no caso de municípios em que há mais de uma vara especializada em infância e juventude.

De acordo com levantamento feito pela ABMP, o estado de Pernambuco conta hoje com oito varas especializadas em infância e juventude. Cada vara é responsável por cerca de 748 mil habitantes, segunda maior média do país, menor apenas que o índice do Amazonas, onde a vara especializada é responsável por mais de 823 mil pessoas.

O evento será no Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano da Silva, na Ilha Joana Bezerra. A programação e mais informações sobre o seminário podem ser encontradas no endereço www.seminarioregionalabmp.com.br. Com informações da Assessoria de Imprensa da ABMP.


Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2009

Progressão de regime a preso provisório

Conheça abaixo a decisão de primeira instância da Justiça paraibana, reconhecendo a denominada "progressão virtual" de execução de pena:


Processo nº 0180001400

PRESO PROVISÓRIO – Pedido de progressão – Incidência de princípios constitucionais – Afastamento das regras de competência – Parecer favorável do MP – Presença de requisitos – Aproveitamento do pedido – Concessão da Progressão Virtual da Pena – Força normativa da Constituição.

- É de se deferir o sentido do pedido, mudando-se o “status libertatis” do réu, quando preenchidos os requisitos necessários, face a prevalência dos princípios constitucionais, configurando-se a hipótese de Progressão Virtual da Pena, em face da força normativa da Constituição.

Vistos, etc.

Requer o preso provisório F.J.S., a concessão de Progressão do Regime Fechado, para o Semiaberto, em sede de delito previsto no art. 14, da Lei 10. 826/2003.

Manifestou-se o Ministério Público pelo deferimento do pedido, dizendo que o pleiteante possui os requisitos.

É o relatório. Decido.

O réu se encontra detido, em razão de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, há 11 (onze) meses. Se condenado fosse, a pena prevista em abstrato para o delito imputado, seria fixada entre 02 (dois) e 04 (quatro) anos, de reclusão, e multa.

São casos como o ora em análise, que concorrem para agravar o Sistema Carcerário Nacional. Hoje, a massa carcerária supera a cifra de mais 450.000 (quatrocentos e oitenta mil) presos. Já somos a quarta maior população carcerária do mundo, os dados são do International Center for Prison Studies, ficando atrás apenas dos EUA, China e Rússia. Ainda temos mais de 500.000 (quinhentos mil) mandados de prisão para cumprir, significando que se porventura cumpríssemos todos os mandados de prisão em aberto, teríamos a explosão do nosso já caótico Sistema Carcerário.

Uma das variantes que concorrem para o agravamento da questão carcerária no nosso País é a superlotação. E o presente caso, conspira nesse sentido. Enquanto a população carcerária cresce em progressão geométrica, o Estado age aritmeticamente atuando na questão.

O acervo de instrumentos utilizados pelo Estado para enfrentar este problema, tem-se mostrado aquém do satisfatório. Assim, pouco tem adiantado o esforço na produção legislativa de institutos despenalizadores, nem a iniciativa de um discurso voltado para uma maior aplicação das penas restritivas de direitos. Até porque, o alcance destas, é limitado a um raio restrito de delitos que impedem a sua maior aplicação.

Destarte, as penas privativas de liberdade continuam sendo a principal resposta para combater a transgressão criminal. Há um culto a pena privativa de liberdade em nosso País. Ai, a gênese para o problema da superlotação carcerária.

No Sistema Carcerário há dois tipos de presos. Os presos definitivos e os presos provisórios. Aqueles sob a competência do juízo das Execuções Penais. Estes, do juízo processante determinante da prisão cautelar ou em face do juízo para quem for distribuído o feito, com exceção das execuções penais, em se tratando de prisão em flagrante.

A competência do juízo das Execuções Penais nasce com a condenação definitiva. A partir daí, a vida do apenado dentro do sistema é responsabilidade sua. Em se tratando dos presos provisórios, a autoridade competente é a que determinou a prisão ou aquele para quem for distribuído o procedimento, em se tratando de prisão em flagrante. Para o juízo das Execuções Penais, no caso dos presos provisórios, só há o registro da prisão, em termos de uma Guia Provisória, que nada mais é do que um mero registro de que aquele indivíduo, acusado de transgredir a ordem penal, encontra-se recolhido em uma das unidades prisionais.

E é essa vivência de regimes diferenciados dentro do sistema carcerário, que dividem os presos em definitivos e provisórios, mais uma variante que reflete na questão da superlotação. Aqui, o problema é gerado quando os presos provisórios ficam indefinidamente detidos. Quando as prisões de natureza cautelar, quer seja a prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão decorrente de sentença condenatória de 1º. Grau, mas passível de recurso, acaba, por alguma deformação do sistema, gerando prisões duradouras, soando, aquela prisão provisória, como uma antecipação de pena. Nesta configuração, o preso provisório acaba suportando todos os ônus de um recolhimento definitivo.

Tal situação tem gerado grandes transtornos para todo o sistema carcerário, incluindo as Execuções Penais. Uma vaga provisoriamente preenchida ocupa o lugar de um preso definitivo. Se a prisão provisória perdura, o problema se agrava, pois além da ocupação indevida, gerando o problema da falta de vagas no sistema, há o desrespeito a direitos fundamentais do cidadão preso provisoriamente.

Objetivamente, toda essa problemática não é tão sentida pelo juízo processante. Ao decretar uma das formas de prisão provisória ou protrair a prisão em flagrante sob a sua responsabilidade, sem a devida análise, responde a uma eventual necessidade do processo. E a partir daí, tem afastada todas as conseqüências secundárias dos seus atos. A questão agora irá refletir integralmente sobre o juízo das Execuções Penais, que é quem “gerencia”, perante o Poder Judiciário, o sistema carcerário.

Para o juízo das Execuções Penais restará à administração de um problema. Que ficará maior na medida em que a prisão provisória se perpetua. O primeiro problema é a administração de regimes diversos dentro do sistema carcerário. Tal hipótese gera um vácuo de poder. Pois, os presos provisórios dirigem suas súplicas e pleitos ao juízo das Execuções Penais, que nada pode fazer, já que estão vinculados ao juízo processante. Segundo, é problema porque não há a divisão dos presos, levando-se em conta a diferença entre os regimes provisórios e definitivos. Apesar, da Lei das Execuções Penais assim prevê, desde 1984, quando entrou em vigor. No entanto, por circunstâncias estruturais, tal previsão é letra morta.

Outra parte do problema, também sentido eminentemente pelo juízo das Execuções Penais, em razão de ser este quem mais de perto lida com o Sistema Carcerário, é a já mencionada superlotação. E em se tratando dos presos provisórios, há o esvaziamento de seus direitos, pois pela letra fria da lei, não tem o Juízo das Execuções competência sobre eles. Restando-lhes, aguardar as decisões do juízo processante. Para sentirmos o tamanho do problema, temos que de 30 a 40% dos presos no sistema carcerário nacional são provisórios.

É inegável que há uma cultura de valorização da pena privativa de liberdade. Talvez, como resposta a excessiva violência que vivenciamos, tem vigorado a cultura do “teje preso”. O reflexo é a superlotação, é a convivência indevida entre presos provisórios e definitivos, é a prisão por tempo indeterminado dos recolhidos provisoriamente, com claros desrespeitos a preceitos fundamentais.

O juízo processante não sente tais agruras. Pois, na definição das competências, cabe ao juízo das Execuções Penais a supervisão e a lida com o Sistema Carcerário. Aquele decreta a prisão provisória ou administra sob o seu juízo uma prisão em flagrante, e afasta de si o problema. E afasta mais ainda, quando o juízo processante fica em uma Comarca e o preso provisório em outra. Claro que as prisões provisórias estão no âmbito dos possíveis atos a serem utilizados no decorrer de um processo. Mas é inegável que tem ocorrido distorções. E sempre em detrimento dos recolhidos. Geralmente, de poucas condições. Aliás, esta é a regra do nosso Sistema Carcerário. População constituída por pessoas de baixa renda, pouquíssima ou nenhuma escolaridade, de perfil jovem e pele parda ou escura. São estas as características dos nossos presos.

O uso indevido das prisões provisórias, ou os vícios gerados a partir das legitimamente decretadas, têm colaborado para o estrangulamento do sistema carcerário, pois concorre para a superlotação, uma das principais chagas desse sistema. Ademais, há evidentes violações a direitos fundamentais de tais presos.

Assim, as prisões provisórias que se protraem consideravelmente no tempo, soam como antecipação de pena. O que veda o nosso sistema constitucional. As penas privativas de liberdade têm que advir de sentenças condenatórias transitadas em julgado. Não pode a prisão de natureza cautelar se perpetuar indefinidamente, fruto de um processo sem fim, de feições kafkanianas, cuja definição nunca chega e o sujeito experimenta as deformações de um sistema que viola todos os direitos do cidadão, em evidente desrespeito ao princípio da legalidade estrita. Lembremos as lições de Luigi Ferrajoli, que leciona “que somente a lei penal, na medida em que incide na liberdade pessoal dos cidadãos, está obrigada a vincular a si mesma não somente as formas, senão também, por meio da verdade jurídica exigida às motivações judiciais, a substâncias ou os conteúdos dos atos que a elas se aplicam”.

Além do que, tais prisões desafiam a duração razoável do processo, direito fundamental, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal. Não pode o Estado, que detém toda a estrutura e inegavelmente é parte hipersuficiente em relação ao réu, em regra os desprovidos de toda à sorte, como o perfil acima demonstra, arrastar uma acusação sem fim, por tempo que exceda o razoável. E qual seria este tempo? Como aferir esse comando que carece de densidade concreta? Ora, toda vez que a prisão provisória excedesse o tempo superior ao mínimo in abstrato da pena fixada para o delito, e já tivesse transcorrido período suficiente para uma possível progressão, se condenado já fosse, haveria a violação a duração razoável do processo. E se fossem dois ou mais os crimes imputados, a razoabilidade da duração, resultaria da soma dos mínimos das penas dos delitos imputados ou do mínimo do delito mais grave, encontrando-se, assim, o consequente lapso para o requisito objetivo de um pedido de progressão. Não é difícil encontrarmos no Sistema Carcerário, presos provisórios recolhidos há mais de dois anos, e com imputação de crimes de baixa gravidade.

Há ainda, a quebra do princípio da proporcionalidade - a prisão provisória não pode ser desproporcional e mais gravosa que a pena que seria efetivamente executada. E ela será sempre desproporcional quando o réu permanecer em regime mais gravoso do que aquele em que ele poderia estar se condenado já fosse.

Temos, também, a não observância ao princípio da humanidade da pena - o valor da pessoa humana impõe limites à quantidade e qualidade da pena. A prisão provisória indevida ou geradora de vícios representa uma medida aflitiva, o que proíbe a Constituição. A acusação indefinida e o período excessivo de privação da liberdade, são fatores de desestabilização do recolhido, de inquietações, que o coloca como provável elemento desencadeador de problemas dentro da unidade prisional. Ademais, tal constrição, acaba tendo um demérito mais acentuado em comparação ao delito praticado e ao bem jurídico tutelado.

Poderíamos também invocar, a quebra ao princípio da não culpabilidade ou da inocência. É indiscutível que a prisão definitiva só advém com a sentença penal condenatória transitada em julgado. A permanência do preso provisório em ambiente celular e de forma indefinida viola o preceito. Em atenção a este, a regra é responder a ação penal em liberdade. O Estado não pode impor uma prisão de natureza cautelar com caráter de definitividade para promover uma ação penal.

Igualmente, não se observa, o principio da dignidade humana - princípio fundante do Estado Democrático de Direito - que assegura e determina o contorno de todos os demais direitos. No caso, este assevera, que a prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito a dignidade - o que implica em proibição de excessos. Nada mais excessivo, do que uma constrição cautelar em razão de uma acusação permanente e indefinida.

Também é válido falar, em não observância ao devido processo legal. Pois, tais máculas deslegitimam o recolhimento provisório do cidadão, faltando o respeito às regras formais e materiais para fundamentar a prisão de natureza cautelar.

Poderia, ainda, se cogitar na quebra ao princípio da confiança, pois o réu ao responder a uma ação penal espera a aplicação de um procedimento fincado em bases legais, com observância de todo o procedimento garantido. O grau de desrespeito a direitos fundamentais, motivado por uma prisão cautelar sem fim, provoca o esgaçamento da legitimidade da ordem emanada da autoridade competente, concorrendo para a total desconfiança do réu na validade e legitimidade do sistema.

Assim, configurada uma prisão provisória com tais níveis de violações a preceitos constitucionais, nasceria para o juízo das Execuções Penais a possibilidade de interceder para se restaurar os preceitos fundamentais. Portanto, seria o caso de se avaliar a possibilidade de “progressão de regime” para tal preso provisório, uma vez configurado certos requisitos satisfatórios para o “benefício”.

O argumento de que o preso provisório não pode experimentar os benefícios ao alcance do preso definitivo, como a progressão de regime, em razão de sua condição provisória, é falho, não é válido, tanto moral, quanto politicamente. É um argumento insubsistente e de feições totalitárias, que só se levanta em face dos mais fracos. Nos Estados que professam tal prática, a máquina estatal só se impõe ou só aparenta ser forte aos filhos da má sorte. Promovendo uma "justiça seletiva", já que somente são atingidos, predominantemente, indivíduos oriundos de seguimentos sociais economicamente desfavorecidos, com menor capacidade intelectual, cultural e econômica e com menos condições, portanto, de exercer os seus direitos. Aos mais abonados, o sistema, não demonstra o mesmo ímpeto. Dessa forma, atuando com dois pesos e duas medidas, com a mão forte sobre os mais fracos e contemporizando os de maiores recursos, o Estado assume a tutela do direito penal do inimigo.

Não pode o Estado, em atenção ao princípio da Justiça, não garantir benefícios ao preso provisório e só fazer-lhe suportar as mazelas do sistema, por desídia do próprio Estado, quando tal preso, reúne condições para titularizar benefícios. Quem suporta o mal se credencia para o bem. E em um Estado Democrático de Direito, o mal será sempre a violação a preceitos fundamentais. A não observância das regras constitucionais postas.

Portanto, é poder-dever do juízo das Execuções Penais, configurando-se todo esse nível de violação à Ordem Constitucional, fazer valer as normas da Lei Maior, em detrimento das regras de competência, de estatura menor no ordenamento jurídico. Tal atuação é fruto do garantismo constitucional, que faz valer a aplicação da Constituição, deixando de ser letra fria, mera folha de papel, no dizer de Ferdinand Lassalle, para uma aplicação efetiva de seus preceitos.

No caso, configurada tal ordem de desvios, há de se aplicar a “progressão virtual da pena” e colocar o acusado em liberdade. A “progressão” haveria, pois cessaria o período de encarceramento. Havendo mudança no status libertatis do encarcerado. O caráter de virtualidade da pena está nos males então experimentados pelo preso, que suporta um nível de prisão cautelar com alto grau de desvios e desrespeitos a direitos fundamentais, protraindo-se no tempo, encarando-a como uma verdadeira pena.

Em face de tais considerações, e atento aos princípios constitucionais supra, afasto as regras de competência, para acolher o ideal apresentado no pedido inicial, que se traduz em mudança da situação atual do interno, pois, conforme assaz demonstrado, o preso é primário, tem bom comportamento, endereço certo, não há outras ações penais em seu desfavor, o delito é de pouca repercussão social e já está preso acerca de 11 (onze) meses, sob a acusação de um delito, cuja pena varia entre o mínimo de 02 (dois) anos e o máximo de 04 (quatro) anos e multa, ou seja, se condenado fosse, havendo a detração do período de encarceramento provisório, já teria tempo mais do que suficiente para pleitear a progressão de sua pena. No caso, presentes estão os requisitos subjetivos e objetivos para a nova medida.

Por fim, há de ser lembrado, que todo magistrado é Juiz de Garantias, sendo-lhe cobrado a defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito e de seus valores. É poder-dever de todo juiz assim se pautar, fazer valer a Lei Maior do País. Impor, a força normativa da Constituição, para lembrar Konrad Hesse.

Portanto, concedo a “Progressão Virtual da Pena” ao preso F.J.S., devendo o réu aguardar em liberdade o trâmite da ação penal a que responde, comparecendo a todos os atos processuais que intimado for, sob pena de revogação do benefício.

Cumpra-se. Atos devidos. Comunique-se ao juízo processante.

P. R. I.

Guarabira, 24 de abril de 2009.

Bruno César Azevedo Isidro

Juiz de Direito

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